domingo, 10 de fevereiro de 2013

O PRIMEIRO CLARIM PARTE II
                   Ciro José Tavares

            O que nos impressiona na Ribeira é a atração atávica e uma relação apaixonada que mantemos com o velho e esquecido bairro à margem direita do Rio Potengi. Isso seria natural quando nossos avós moravam e trabalhavam ali, no começo do século XX. Mas esse amor inexplicável parece nos ter sido legado como herança da qual não podemos nos libertar. Os carnavais da cidade começavam nas ruas estreitas, vagarosamente espalhando-se pelas ladeiras na direção da Ribeira do Alto, que a incúria administrativa da época decidiu chamar de Cidade Alta, quando podia ter seguido o exemplo português da região da Beira, dividida em diferentes distritos administrativos sem perder a identidade original.
            Nas décadas de 50 e 60, a Ribeira ainda pulsava e muitos tinham seus negócios e escritórios. Durante o carnaval, sem nenhuma obrigação, desciam para conversar na Avenida Tavares de Lira, à porta da Livraria Ismael Pereira ou da Agência Pernambucana, saber dos boatos do Carneirinho de Ouro, falar das perspectivas momescas e comentar as notícias dos jornais. Por volta das onze horas da manhã, final do expediente,disputavam um lugar na Confeitaria Delícia, com sua porta larga voltada para a beleza da Praça Augusto Severo. Olívio, o proprietário de origem portuguesa, sempre acomodava todos distribuindo sua simpatia contagiante. O calor da conversa era esfriado por cervejas estupidamente geladas, acompanhadas por petiscos da melhor qualidade. Olívio, paciente, deixava o seus clientes à vontade e esses, ao redor do meio-dia sabiam que era tempo de tomar outro rumo. Na Avenida Rio Branco, entre as Ruas General Osório e professor Zuza, o Granada Bar, do Nemésio Morquecho, fervia de foliões fascinados pelas iguarias que apenas ele conhecia os segredos e Luís seu garçom 24 anos,,não parava de comandar pedidos  e atender a pressa dos clientes empedernidos. Nas voltas que a vida dá o Granada Bar já não existe, Nemésio habita outra dimensão, mas Luís com a mesma eficiência de antigamente é, hoje, o respeitável proprietário do ótimo Lula Restaurante, na Rua Xavier da Silveira, no bairro de Morro Branco, zona Sul da capital potiguar.
            A outra opção dos carnavalescos, no sábado do Zé Pereira, era a Confeitaria Cisne, dos irmãos Miranda, no Grande Ponto, em plena fogueira da animação. O estabelecimento estava estrategicamente bem localizado. Dez ou vinte passadas separavam-no da Avenida Rio branco, onde passariam blocos, tribos de índios e mulheres lindas em carros abertos que faziam o corso.
            Também era na confluência da Avenida Rio Branco com a Rua João Pessoa a estação final da animada turma que trabalhava no Matadouro de Natal, no bairro das Quintas, e que se denominava bloco da Salgadeira.
            O pessoal pegava cedo no serviço até chegar a fanfarra que os conduziria ao centro da cidade. Na carroceria de uma camionete uma bem cevada porta- estandarte convocava os foliões que venciam o cansaço com renovados goles de aguardente. Quando atingiam o baldo pareciam turba de bárbaros alucinados.
“Atravessando o deserto do Saara,
o sol estava quente e queimou a nossa cara
Alah, oh! Meu bom Alah
Oh! Que calor, Que calor, Que calor.”
 Do alto do Edifício do Natal Clube era possível ver a evolução que, o estudante “Pecado” na sua ironia ferina e preconceituosa chamava de “mundiça”
As atividades da plebe e dos outros blocos estavam em compasso de espera para o domingo que seria duríssimo. Também curávamos a noite do baile dos karfajestes que terminara pelas quatro horas da manhã.

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