O
PRIMEIRO CLARIM PARTE II
Ciro José Tavares
O que nos impressiona na Ribeira é a
atração atávica e uma relação apaixonada que mantemos com o velho e esquecido
bairro à margem direita do Rio Potengi. Isso seria natural quando nossos avós
moravam e trabalhavam ali, no começo do século XX. Mas esse amor inexplicável
parece nos ter sido legado como herança da qual não podemos nos libertar. Os
carnavais da cidade começavam nas ruas estreitas, vagarosamente espalhando-se
pelas ladeiras na direção da Ribeira do Alto, que a incúria administrativa da
época decidiu chamar de Cidade Alta, quando podia ter seguido o exemplo português
da região da Beira, dividida em diferentes distritos administrativos sem perder
a identidade original.
Nas décadas de 50 e 60, a Ribeira
ainda pulsava e muitos tinham seus negócios e escritórios. Durante o carnaval, sem
nenhuma obrigação, desciam para conversar na Avenida Tavares de Lira, à porta
da Livraria Ismael Pereira ou da Agência Pernambucana, saber dos boatos do
Carneirinho de Ouro, falar das perspectivas momescas e comentar as notícias dos
jornais. Por volta das onze horas da manhã, final do expediente,disputavam um
lugar na Confeitaria Delícia, com sua porta larga voltada para a beleza da
Praça Augusto Severo. Olívio, o proprietário de origem portuguesa, sempre
acomodava todos distribuindo sua simpatia contagiante. O calor da conversa era
esfriado por cervejas estupidamente geladas, acompanhadas por petiscos da
melhor qualidade. Olívio, paciente, deixava o seus clientes à vontade e esses,
ao redor do meio-dia sabiam que era tempo de tomar outro rumo. Na Avenida Rio
Branco, entre as Ruas General Osório e professor Zuza, o Granada Bar, do
Nemésio Morquecho, fervia de foliões fascinados pelas iguarias que apenas ele
conhecia os segredos e Luís seu garçom 24 anos,,não parava de comandar
pedidos e atender a pressa dos clientes
empedernidos. Nas voltas que a vida dá o Granada Bar já não existe, Nemésio
habita outra dimensão, mas Luís com a mesma eficiência de antigamente é, hoje, o
respeitável proprietário do ótimo Lula Restaurante, na Rua Xavier da Silveira,
no bairro de Morro Branco, zona Sul da capital potiguar.
A outra opção dos carnavalescos, no
sábado do Zé Pereira, era a Confeitaria Cisne, dos irmãos Miranda, no Grande
Ponto, em plena fogueira da animação. O estabelecimento estava estrategicamente
bem localizado. Dez ou vinte passadas separavam-no da Avenida Rio branco, onde
passariam blocos, tribos de índios e mulheres lindas em carros abertos que
faziam o corso.
Também era na confluência da Avenida
Rio Branco com a Rua João Pessoa a estação final da animada turma que
trabalhava no Matadouro de Natal, no bairro das Quintas, e que se denominava
bloco da Salgadeira.
O pessoal pegava cedo no serviço até
chegar a fanfarra que os conduziria ao centro da cidade. Na carroceria de uma
camionete uma bem cevada porta- estandarte convocava os foliões que venciam o
cansaço com renovados goles de aguardente. Quando atingiam o baldo pareciam turba
de bárbaros alucinados.
“Atravessando
o deserto do Saara,
o
sol estava quente e queimou a nossa cara
Alah,
oh! Meu bom Alah
Oh! Que
calor, Que calor, Que calor.”
Do alto do Edifício do Natal Clube era
possível ver a evolução que, o estudante “Pecado” na sua ironia ferina e
preconceituosa chamava de “mundiça”
As
atividades da plebe e dos outros blocos estavam em compasso de espera para o
domingo que seria duríssimo. Também curávamos a noite do baile dos karfajestes
que terminara pelas quatro horas da manhã.
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