terça-feira, 9 de outubro de 2012


“LHÔ-LHOLÔ, DIÁRIO DE NATAL”


O título acima era o pregão de Cambraia, o jornaleiro mais famoso de Natal (foto), terror dos moleques desde o final dos anos cinquenta até meados dos sessenta.
Negro alto, com o ‘branco’ (esclera) dos olhos amarelado, calças cortadas na altura dos joelhos, camisão aberto no peito, passadas largas e voz tonitruante, o gazeteiro do Diário de Natal era um verdadeiro papa-léguas por todo centro da capital do Errigenê (o velho Grande Ponto) e suas adjacências, incluindo os bairros da Ribeira, Tirol e Petrópolis, além de logradouros como Baldo e Santa Cruz da Bica. As mães ‘terroristas’ costumavam sapecar a terrível advertência pra cima de meninos maluvidos:
“Lá vem Cambraia!”
Era mais ou menos pela ‘hora do anjo’, antes do seriado Jerônimo, o Herói do Sertão, retransmitido pela também associada Rádio Poti, que o jornaleiro do DN ganhava as ruas e a vida com seu inusitado e forte pregão.
Os adultos saíam porta à fora para comprar o famoso impresso e a molecada, na cola dos pais, ficava espiando, sobressaltada, aquela figura do tipo “pai-véio” de umbanda, figura imponente, de voz rouca, com um monte de exemplares dos Diários Associados inseridos numa capa de papelão debaixo do braço destro.
Cambraia foi a grande voz repercussiva das manchetes do DN nas ruas. Alardeava os feitos e proezas de Baracho, o Robin Hood do submundo natalense; clamou o assassinato de John F. Kennedy e fez estardalhaço com a morte de Caryl Chessman na câmara de gás, no estado da Califórnia (EUA).
A popularidade de Cambraia era tanta que, seguindo a onda do voto nulo e anárquico propiciado por personagens como o “Bode Cheiroso” (Jaboatão/PE) e o rinoceronte “Cacareco” (jardim zoológico de São Paulo), fez alçar o nome do jornaleiro do Diário de Natal para vereador, uma presepada da velha guarda da Confeitaria Cisne, sob o lema “Vamos à Praia com Cambraia”. Pura ironia para essas eleições do próximo domingo, 07 de outubro do ano da graça de 2012.
O tempo passou e os associados do Diário de Pernambuco, no mesmo período em que se relembra a matança de Cunhaú e Uruaçu (feriado local), no estilo do carrasco Jacob Rabbi, passaram o facão no Diário de Natal extirpando sua história, que também é um pouco da história da vetusta capital do Rio Grande do Norte.   
Contudo, na memória do tempo, lá pras bandas da travessa Capió, na Cidade Alta, ainda escuto a algazarra dos meninos e o grito de guerra do velho jornaleiro egresso lá do topo da ladeira da Poti:
- “Lhô-Lholô, Diário de Natal!”

(Graco Medeiros)

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