segunda-feira, 3 de setembro de 2012


CORA CORALINA e "O OURO DE GOIÁS"
POSTADO POR O SANTO OFÍCIO | SETEMBRO 1, 2012

Por Carlos Lúcio Gontijo
Há um ditado filosófico que diz que “um homem com um relógio sabe que horas são, mas um homem com dois relógios nunca tem certeza”. Seria como servir a dois senhores ou a Deus e ao diabo num só instante. É exatamente assim que vivem e se sentem as pessoas nos dias de hoje, quando a quantidade de informação é tão volumosa que elas não têm condições de apreender, decodificar ou processar escolhas com segurança, uma vez que o cérebro humano permanece escravo da experimentação e incapaz de atender ao imediatismo exigido pelos tempos modernos. Daí a sensação de insatisfação generalizada, os transtornos psicoemocionais, as pílulas antidepressivas e os divãs, sobre os quais nos jogamos impotentemente frágeis e fracos, aos cuidados de profissionais tão inseguros quanto os pacientes, pois também se acham integrados a esta época de virtualidades cada vez mais reais que a própria realidade.
Nem mesmo a literatura, na qual nos confessamos mergulhados há tantos anos, escapa da cobrança de sucesso no formato fast-food, apesar de toda obra literária e artística ser apenas semente, que na maioria das vezes é dependente da análise dos olhos do futuro, que a Deus pertence. Prova disso pode ser detectada na biografia de muita gente famosa: o pintor holandês Vicente van Gogh nunca vendeu um único quadro durante toda a sua trajetória de vida; o grande poeta português Fernando Pessoa era obrigado a trabalhar em diversas firmas comerciais de Lisboa para sobreviver.
As coisas no Brasil andam complicadas, com o partidarismo político, o preconceito, a intolerância, a desabrida opção pelo grotesco, o individualismo exacerbado e toda a espécie de radicalismo predominando nas instituições, nas entidades, na grande mídia e na indispensável convivência social, que marcada pela violência vem sendo substituída pelas salas de bate-papo na internet, como se tivéssemos medo do contato pessoal, do olho no olho.
Não cremos, desprovidos de sugestões e receitas ideológicas do passado, na possibilidade de podermos resolver tudo através do voto, dentro de um processo democrático caro o suficiente para gerar compromissos e comprometimentos inconfessáveis entre candidatos e financiadores de campanhas eleitorais. E como no capitalismo quem paga tem o comando, não há qualquer indicativo de mudanças profundas advindas do encaminhamento democrático da busca de soluções.
Recentemente, lançamos o nosso 14º livro, o romance “Quando a vez é do mar” e nos deparamos com problemas que somente se fizeram aumentar no decorrer dos últimos anos, mais precisamente desde 1977, quando publicamos o nosso primeiro livro. O lado intrigante da questão é que pessoas que quase nada leem e gente que se nos apresenta como escritor sem livros editados costumam nos indagar sobre exemplares comercializados, como se na literatura a qualidade de uma obra pudesse ser medida pelo número de exemplares vendidos, como ocorre em “lojas de 1,99”.
Descobrimos com o tempo (sempre o senhor da razão) que sem o dom verdadeiro sequer a farta disponibilidade de recursos leva escritor ou poeta a editar livro independente. Conheci juiz de Direito federal que nunca ousou aplicar seu dinheiro em obra de poesia (benfeita, diga-se de passagem) que mantinha guardada na gaveta empoeirada, pois jamais se deixou guiar pela luz maior que lhe iluminava os versos, permanecendo a vida toda prisioneiro da razão.
Recebemos pelo correio o excelente livro “O Ouro de Goiás”, do jornalista, escritor e poeta Franklin Jorge, no qual encontramos elucidativo e bem escrito texto sobre a poetisa Cora Coralina, do qual destacamos os dois últimos parágrafos, usando-os para terminar este artigo:
“Embora tenha se exprimido majoritariamente em versos, Cora Coralina não gostava de ser incluída entre as poetisas. Talvez temesse ser confundida com aquelas mulheres literatas que lançam suas efusões íntimas sobre o papel sem nenhum outro compromisso com a escrita, a não ser o de promover o sacrifício de árvores em prol duma vaidade incontentável. Certamente, Cora temia ser confundida com elas e, em consequência dessa promiscuidade, desvalorizada em sua essência poética. Preferia explicar o seu livro à sua maneira: Versos… Não/ Poesia… Não/ Um modo diferente de contar velhas estórias.”
E continua Franklin Jorge: “No fim da vida, cercada de glória, Cora Coralina fazia doces para sobreviver. Porém, mais do que qualquer político ou administrador, deve-lhe Goiás páginas imortais e aquele brilho que não é negociável e que distingue o verdadeiro artista, que não depende dos favores de ninguém e só conta, de fato, com o tempo que redimensiona tudo. Por isso, é que se diz que todo grande artista é póstumo”.
.Carlos Lúcio Gontijo é Poeta, escritor e jornalista
www.carlosluciogontijo.jor.br

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