Recebi do meu amigo, Professor João Felipe, o artigo que agora transcrevo para os meus leitores, que esclarece a razão de o Governo atual do Rio Grande do Norte escolher prioridades estranhas, apuradas pelo TCE/RN, quais sejam: a) investimento em saúde pública, cerca de R$ 11 milhões de reais; b) gasto em diárias, um pouco mais de R$ 23 milhões e meio; c) em publicidade, quase R$ 17 milhões. Eis o resultado:
Este caos também é seu...
“Fica decretado que agora vale a verdade.
Agora vale a vida, e de mãos dadas,
Marcharemos todos pela vida verdadeira”
(Estatuto do homem – Thiago de Mello)
Ontem. Dia dos pais. E que presente foi dado a um deles... Um ex-aluno meu, colega de especialidade cirúrgica e também professor de ofício de medicina, Dr. Irami Araújo, saiu de casa, operado de um de dente, e foi dar plantão na versão atual e moderna do INFERNO DE DANTE: o Hospital Clóvis Sarinho (HCS).
Hoje. Dia 13 de agosto de 2012. São 16:00h. Acabo de receber um e-mail dele cujo relato, caro leitor, faço questão de colocá-lo na íntegra:
“Houve vários atendimentos de pacientes gravíssimos, que necessitaram deintubação orotraqueal ou cricotiroidostomia; metade das intubações foram realizadas às cegas ou quase, pois estávamos sem aspirador funcionando e sendo feitas no chão, devido a falta de macas altas; Oito/nove ambulâncias do SAMU retidas no pátio, sem condições de saírem, macas presas; e chegando mais; Só havia tubos traqueais 7 ou 9 Fr, ou seja, ou ficava muito frouxo ou muito apertado, dificultand o a intubação dos pacientes graves e a ventilação a posteriori; Não havia dreno de tórax, acreditem, dreno de tórax. Lastimável!!!! Devido ao esforço em intubar pacientes no chão, eis que começo a sangrar pela cirurgia dentária, então literalmente, senti o gosto de sangue, já que o odor do mesmo e de outros excrementos humanos já habitavam meu olfato, desde o início do plantão; Corredores lotados, aliás, não havia mais corredores, eram depósitos de pessoas, os chamados na atualidade de clientes do SUS, pela tão propagada política de humanização da saúde; Com certeza, não eram mais nem clientes ou pacientes, naquela situação, assumiam papel de qualquer ‘coisa’, menos de pessoas que necessitavam de cuidados; Nós, profissionais de saúde, também qualquer ‘coisa’ que vocês queiram imaginar, já estávamos perdendo a batalha, por falta de munição; Dreno de tórax??? Era o de menos... E assim fomos até o raiar do dia, gosto de sangue na boca, cansado, desiludido, sem esperança, abandonado, todos nós, eu, meus colegas e os pacientes... ou qualquer ‘coisa’ que os senhores queiram denominar”.
Meu Deus! Pensei comigo mesmo, após ler este email: “A sabedoria eclesiástica continua com a sua terrível verdade: NADA DE NOVO DEBAIXO DO SOL!”. E o que é pior, fica a sensação de que teremos que absolver Hitler, já que ele foi muito menos cruel. Ele pelo menos tinha uma “desculpa”: purificar a humanidade... E qual será a nossa desculpa para mantermos este estado vergonhoso, que diminui, que apequena, que agride, que destrói e que mutila a dignidade da pessoa humana? Até quando manteremos viva a nossa porção Auschwitz-Birkenau? Até quando?
Meu Deus! Será que é tão difícil resolver esta situação? Será que é tão difícil resolver toda essa bagunça criminosa que foi feita ao longo de anos e anos na saúde deste estado? Quantas pessoas terão que morrer a mais, quantos profissionais da saúde terão que adoecer, para a gente pensar em mover-nos da nossa zona de conforto e dizer: BASTA!
Eu sei, caro leitor, que é triste ter que concordar com a célebre frase de Henry Ford: “A guerra dá lucro. Para os banqueiros internacionais, instigar guerras e enviar jovens para a morte é o melhor de todos os negócios”. No entanto, é mais triste ainda ter que concordar com a lucidez do meu ex-aluno, médico regulador do SAMU Natal, Dr. Carlos Eduardo: “Professor, sabe quando esse caos na saúde do estado vai ser resolvido? Nunca! Pois ele dá dinheiro, professor. O caos dá dinheiro!”.
Não sei se foi a médica Zilda Arns que disse: corte o orçamento pela metade e tenha boas ideias. Mas, o que sei é que se fizéssemos isso - cortar o orçamento pela metade-, pelo menos resolveríamos grande parte de toda essa calamidade. Primeiro, acabaríamos os escândalos na saúde, pois sem dinheiro sobrando não haveria gatos, nem ratos... Depois, bastaria utilizarmos a lei de Pareto, que diz: “80% das consequências advém de 20% das causas”. E aí 20% das causas se chamam PRIORIDADES: uma central de regulação única de leitos de todo estado, organizando o fluxo dos pacientes; três unidades hospitalares de média complexidade abastecidas e distribuídas no interior do estado para servirem de anteparo ao HCS; valorização dos funcionários que querem trabalhar e demissão dos que não querem... Isso, só isso, já resolveria e muito todo esse caos.
Pois bem, caro leitor! Diferentemente de Nelson Rodrigues que afirmava que em Brasília, éramos todos inocentes e éramos todos cúmplices; neste caos da saúde do RN, só há culpados e só há cúmplices. Dos governadores anteriores ao atual, dos gestores da saúde anteriores ao atual, toda a população, inclusive eu e você, caro leitor, somos TODOS CULPADOS por isso, afinal O ESTADO SOMOS NÓS... e cabe a todos nós, pelo menos fazermos um pacto da mediocridade coletiva: enquanto este caos perdurar, ninguém tem o direito de rir no RN, pois vamos rir de que: da nossa própria miséria, da nossa própria incompetência, do nosso próprio descaso?...
Por último, vale a torcida para que a teoria de Allan Kardec esteja completamente errada, pois se tiver reencarnação, caro leitor, estamos fritos, literalmente fritos e que Deus tenha piedade de todos nós!
Francisco Edilson Leite Pinto Junior – Professor, médico e escritor (estou Coordenador Geral do SAMU Natal).
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