Meus poemas brasileiros
Por Felix Contreras
Em Brasil pegam avião para mimCom um bilhete de avião dos amigos brasileiroseu viajei tudo o Brasil e conheci muitos poetasRio de Janeiro e sua gente tão próxima à de HavanaSão Paulo e suas máquinasParaíba com a justiça que sonha mudar verdeNatal onde árvores paredes livros poemaslevantam a casa de Horácio Paíbae assim que se chega e fica o pão sobre a mesae se escreve um poemaposso falar de Mário Quintanamorador dos hotéisde Porto Alegre onde jantei com eletraficante de ironias, piadas e formosas secretáriassabendo que a poesia é mal remuneradamas ninguém como o poetaconhece os maus e bons pensamentosMeu roteiro me levou a Recifee na maior livraria da cidadecoalhada de todos os humoresque mistério que mistério: poucos comprame a maré de volumessobesobesobeEra verãomas Vinícius de Morais não estava em Ipanemaolhando as garotas e seu violãosumido em um bloco de cimento não cantava maisEm Campina Grande uma formosa garotaescrive versos lava pratosleva as contas morada e suo porvenir e embaixoao pé de seus poema assina:Fidelia CassandraEm Angatubasituada como um ninho de pássaroslonge da fumaça dos motores de São Pauloasfaltada de gabinetes e telefonesme faziam perguntas:—Como é Cuba, senhor?— Persiste o socialismo em Cuba, senhor?Ali os relógios ainda pegam a hora nas paredese os padres escrivem poemas sonetose palavras cruzadasos limoeiros perfumam a tarde dos domingose aflora tudo o mistério que tem o final das coisasAo fim cheguei ao Rio envolto nos morrosda gente que esquece a vida ruimcom a música e a dançamorei na casa de Manoel Carlosem Santa Terezaem suas mãos olheia justiça social que procuramtantas mulheres meninos homensNo Rio eu sentia o cheiro de minha Havana.
Menina das ruas de Rio de Janeiro
Doce menina das ruas do Rioque cada manhã viaja no bondetêm teus ombros a cor das rosasque você não temonde vais com esse passo incerto?Doce menina do Riolástima esse teu sorriso tão parecidoà alegria da fomelástima tambem teus olhos que olhamdesde a antiga obscuridade do medo.
Marlene Costa em sua morada terrestre
Para que a terra não volte às trevasMarlene Costapinta, ama, caminha cruzando planícies,montanhas, estepes e desembocaduras dos rios,onde fermentam as luzes da tarde,Marlene molha seus pincéis, seus tênues dedinhosPara a terra não voltar jamais às trevasQue formosa amizade a desta mulher com a terra,sujeita ao solo, conhecedora do sanguede inumeráveis peixinhos debaixo do mato,as árvores do caminho, e ela, com seus pincéis,presente do Deus Ñhamandú extrai de lá debaixoas tintas,muitas tintas, resplendores, profundidades luminosas,minerais que jamais podem ser vencidos,música dos cascos dos cavalos de seus avósque antigamente refrescavam as distâncias nos riosPiranhasParaíbaCurimataú.Quanto gozo em seu ateliêno quintal de sua casa de João Pessoa na Paraíba, sob as árvores,com uma só portapor onde sempre está entrando a natureza na cidade que dormeenquanto Marlene trabalha trabalha, e os arbustos guajeru,pinheiro da praia, paspaluru, conversam com elae lhe emprestam a vigília perfumada da tarde depois da chuva.Para que a terra não volte às trevas,Marlene e suas mãos se aferram às pedras,à areia, à sangrenta marca de tupis e cariris.Marlene caminha por Tacima, Alhandra, Junco de Seridó,onde tem chorado, onde tem sido ferida por esse relâmpagoque põe perante seus olhos a enorme pobreza dos pobres.
Manuel Bandeira
Com curiosidade sentimental procurei em Recifea Manuel Bandeirae as provincianas rosas que exalam seus poemasme acompanhabam Verlaine Guimarães RosaVinícius de MoraisMário de Andrade e o variado Fernando PessoaMasManuel Bandeira andava arrumando o mundopedindo governos honestos soldados e coronéiscom honradez dos monumentos das praçasruas sem misériasmares sem marismas letais águas limpasmães para as crianças meninase manhãspara a gente que procura vida
A chuva na Paraíba
A chuva na Paraíba sonhana profundidade dos olhosa chuva aqui se esqueceu de tudo nesta terratanto como seus políticos de sua gentegente tão pobre como um punhado de cinzasé tão breve a chuva aqui como a felicidad do pobregente que se põe a chorar todos de uma vezviria o naufrágiotêm mais pranto nos olhosque todas as nuvens do céu
Ferreira Gular
O concreto é o homemo que sofremoschoramossobretudo a parte doente da vidaessa mulher esse homemque vão pela rua perguntandoà justiça que é o concretomas a mão fica muito distante do que pede o sonhoe as estrelas e a lua chorammas seja o que a vida determineporque o concreto é o homem
Em São Paulo com Guida Aflalo
Tudo tem perfume em São Pauloquando estou com Guida Aflaloe suos olhos roubados ao mar da ilha de Cubaporque ficar com esta eterna garotafaz que esta enorme cidade seja cálida para mimcomo esse relâmpago cordial do almoçoe seu coração cheio do humano sempre destilando carinhonesta hora em que se nega Marx sete vezese sobre suas mãos caminham a bondade a paciênciae soam os telefonesmas a corpulenta eterna garota não perde esse espíritode borboleta sempre em movimento e continua seu rosto formosoespantando o medo a dor a solidãono meio dos milhões de semáforostiritando de frio na vastíssima cidadeiluminda com a luz azul de sus olhos porque é belacomo uma atriz do cinema mudoagora neste mundo com tanta escuridãoglobalização e neoliberais que escrevem com sanguena pobre mente humana.
Cartola
Empreste-me teu violão, irmão Cartolapara cantar a esta garota tão solitáriade quem se enamorou meu coraçãoque vive tão distante do seu.Só isso, teu violão para apagar tanta distancia.Vamos, Cartolinha, despertacanta para mim essa canção de amoressa canção que me traz uma nova aboliçãopara estas mãos presasque não podem voarque querem estarsomente com essa garotaque não quer me olhar.
Frio na nova casa de Vinicius
o meu jardím verde que brilhaDirceu VillaAgora Vinicius de Moraismora na madrugada friados cimitériosaonde foi iremos parartodos nósternos idiotasque tambem ficaremosnessa perfeita intimidadedo silêncioonde agora Vinícius namoraaté à morte e com monta bicicletafaz cançoes e sonha voltar à vidaonde só encontra o fascínioda realidade cotidianaonde nósternos idiotas tambémficamos aborrecidos
Um homem dorme
Para Antonio MartinsEm RioSão Pauloem Recifeum homem dorme na rua,a gente passamas, ele dorme,em sua cama duramas, ele dormeno solo friomas, dorme.graças ao duro ofício que aprendeuquando dexou de ser homeme ficou mendigopara dormir na rua.
Neste papel
___________________Neste papel estão meus dedose outros que fizeram a cerâmicaos que arrancam os motores com ternura.Neste papeljunto com os meusestão os que fizeram minha moradaa escriturae as coisas que me olham.Neste papelestão tambénos dedosque permitem aos meusmover minhas mãosneste moinho da vida.
Créditos: http://www.outraspalavras.net
“Félix Contreras, poeta e jornalista, nasceu em Pinar Del Rio, Cuba, 1940. Formado pela Escola de Instrutores de Arte de Havana, é fundador da revista literária El Caimán Barbudo. Autor de diversos livros de poesia e sobre música cubana (Porque tienen filin, Música Cubana, antologia personal).”
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