domingo, 26 de agosto de 2012


Meus poemas brasileiros


Por Felix Contreras
Em Brasil pegam avião para mim
Com um bilhete de avião dos amigos brasileiros
eu viajei tudo o Brasil e conheci muitos poetas
Rio de Janeiro e sua gente tão próxima à de Havana
São Paulo e suas máquinas
Paraíba com a justiça que sonha mudar verde
Natal onde árvores paredes livros poemas
levantam a casa de Horácio Paíba
e assim que se chega e fica o pão sobre a mesa
e se escreve um poema
posso falar de Mário Quintana
morador dos hotéis
de Porto Alegre onde jantei com ele
traficante de ironias, piadas e formosas secretárias
sabendo que a poesia é mal remunerada
mas ninguém como o poeta
conhece os maus e bons pensamentos
Meu roteiro me levou a Recife
e na maior livraria da cidade
coalhada de todos os humores
que mistério que mistério: poucos compram
e a maré de volumes
sobe
sobe
sobe
Era verão
mas Vinícius de Morais não estava em Ipanema
olhando as garotas e seu violão
sumido em um bloco de cimento não cantava mais
Em Campina Grande uma formosa garota
escrive versos lava pratos
leva as contas morada e suo porvenir e embaixo
ao pé de seus poema assina:
Fidelia Cassandra
Em Angatuba
situada como um ninho de pássaros
longe da fumaça dos motores de São Paulo
asfaltada de gabinetes e telefones
me faziam perguntas:
—Como é Cuba, senhor?
— Persiste o socialismo em Cuba, senhor?
Ali os relógios ainda pegam a hora nas paredes
e os padres escrivem poemas sonetos
e palavras cruzadas
os limoeiros perfumam a tarde dos domingos
e aflora tudo o mistério que tem o final das coisas
Ao fim cheguei ao Rio envolto nos morros
da gente que esquece a vida ruim
com a música e a dança
morei na casa de Manoel Carlos
em Santa Tereza
em suas mãos olhei
a justiça social que procuram
tantas mulheres meninos homens
No Rio eu sentia o cheiro de minha Havana.
Menina das ruas de Rio de Janeiro
Doce menina das ruas do Rio
que cada manhã viaja no bonde
têm teus ombros a cor das rosas
que você não tem
onde vais com esse passo incerto?
Doce menina do Rio
lástima esse teu sorriso tão parecido
à alegria da fome
lástima tambem teus olhos que olham
desde a antiga obscuridade do medo.
Marlene Costa em sua morada terrestre
Para que a terra não volte às trevas
Marlene Costa
pinta, ama, caminha cruzando planícies,
montanhas, estepes e desembocaduras dos rios,
onde fermentam as luzes da tarde,
Marlene molha seus pincéis, seus tênues dedinhos
Para a terra não voltar jamais às trevas
Que formosa amizade a desta mulher com a terra,
sujeita ao solo, conhecedora do sangue
de inumeráveis peixinhos debaixo do mato,
as árvores do caminho, e ela, com seus pincéis,
presente do Deus Ñhamandú extrai de lá debaixo
as tintas,
muitas tintas, resplendores, profundidades luminosas,
minerais que jamais podem ser vencidos,
música dos cascos dos cavalos de seus avós
que antigamente refrescavam as distâncias nos rios
Piranhas
Paraíba
Curimataú.
Quanto gozo em seu ateliê
no quintal de sua casa de João Pessoa na Paraíba, sob as árvores,
com uma só porta
por onde sempre está entrando a natureza na cidade que dorme
enquanto Marlene trabalha trabalha, e os arbustos guajeru,
pinheiro da praia, paspaluru, conversam com ela
e lhe emprestam a vigília perfumada da tarde depois da chuva.
Para que a terra não volte às trevas,
Marlene e suas mãos se aferram às pedras,
à areia, à sangrenta marca de tupis e cariris.
Marlene caminha por Tacima, Alhandra, Junco de Seridó,
onde tem chorado, onde tem sido ferida por esse relâmpago
que põe perante seus olhos a enorme pobreza dos pobres.
Manuel Bandeira
Com curiosidade sentimental procurei em Recife
a Manuel Bandeira
e as provincianas rosas que exalam seus poemas
me acompanhabam Verlaine Guimarães Rosa
Vinícius de Morais
Mário de Andrade e o variado Fernando Pessoa
Mas
Manuel Bandeira andava arrumando o mundo
pedindo governos honestos soldados e coronéis
com honradez dos monumentos das praças
ruas sem misérias
mares sem marismas letais águas limpas
mães para as crianças meninas
e manhãs
para a gente que procura vida
A chuva na Paraíba
A chuva na Paraíba sonha
na profundidade dos olhos
a chuva aqui se esqueceu de tudo nesta terra
tanto como seus políticos de sua gente
gente tão pobre como um punhado de cinzas
é tão breve a chuva aqui como a felicidad do pobre
gente que se põe a chorar todos de uma vez
viria o naufrágio
têm mais pranto nos olhos
que todas as nuvens do céu
Ferreira Gular
O concreto é o homem
o que sofremos
choramos
sobretudo a parte doente da vida
essa mulher esse homem
que vão pela rua perguntando
à justiça que é o concreto
mas a mão fica muito distante do que pede o sonho
e as estrelas e a lua choram
mas seja o que a vida determine
porque o concreto é o homem
Em São Paulo com Guida Aflalo
Tudo tem perfume em São Paulo
quando estou com Guida Aflalo
e suos olhos roubados ao mar da ilha de Cuba
porque ficar com esta eterna garota
faz que esta enorme cidade seja cálida para mim
como esse relâmpago cordial do almoço
e seu coração cheio do humano sempre destilando carinho
nesta hora em que se nega Marx sete vezes
e sobre suas mãos caminham a bondade a paciência
e soam os telefones
mas a corpulenta eterna garota não perde esse espírito
de borboleta sempre em movimento e continua seu rosto formoso
espantando o medo a dor a solidão
no meio dos milhões de semáforos
tiritando de frio na vastíssima cidade
iluminda com a luz azul de sus olhos porque é bela
como uma atriz do cinema mudo
agora neste mundo com tanta escuridão
globalização e neoliberais que escrevem com sangue
na pobre mente humana.
Cartola
Empreste-me teu violão, irmão Cartola
para cantar a esta garota tão solitária
de quem se enamorou meu coração
que vive tão distante do seu.
Só isso, teu violão para apagar tanta distancia.
Vamos, Cartolinha, desperta
canta para mim essa canção de amor
essa canção que me traz uma nova abolição
para estas mãos presas
que não podem voar
que querem estar
somente com essa garota
que não quer me olhar.
Frio na nova casa de Vinicius
o meu jardím verde que brilha
Dirceu Villa
Agora Vinicius de Morais
mora na madrugada fria
dos cimitérios
aonde foi iremos parar
todos nós
ternos idiotas
que tambem ficaremos
nessa perfeita intimidade
do silêncio
onde agora Vinícius namora
até à morte e com monta bicicleta
faz cançoes e sonha voltar à vida
onde só encontra o fascínio
da realidade cotidiana
onde nós
ternos idiotas também
ficamos aborrecidos
Um homem dorme
Para Antonio Martins
Em Rio
São Paulo
em Recife
um homem dorme na rua,
a gente passa
mas, ele dorme,
em sua cama dura
mas, ele dorme
no solo frio
mas, dorme.
graças ao duro ofício que aprendeu
quando dexou de ser homem
e ficou mendigo
para dormir na rua.
Neste papel
Neste papel estão meus dedos
e outros que fizeram a cerâmica
os que arrancam os motores com ternura.
Neste papel
junto com os meus
estão os que fizeram minha morada
a escritura
e as coisas que me olham.
Neste papel
estão tambén
os dedos
que permitem aos meus
mover minhas mãos
neste moinho da vida.
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Créditos: http://www.outraspalavras.net

“Félix Contreras, poeta e jornalista, nasceu em Pinar Del Rio, Cuba, 1940. Formado pela Escola de Instrutores de Arte de Havana, é fundador da revista literária El Caimán Barbudo. Autor de diversos livros de poesia e sobre música cubana (Porque tienen filin, Música Cubana, antologia personal).”

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http://culturalatiamerica.blogspot.com.br

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