Informações sobre os processos de preparação para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 não são apenas negadas à população em geral, mas mantidas secretas até mesmo para os órgãos de controle do próprio Estado, como o Ministério Público. Os parcos dados contemplados na Matriz de Responsabilidades do governo federal encontram-se gravemente desatualizados. Registramos ainda ausência de projetos básicos,obras sem o mínimo detalhamento. Também comprometem a informação e participação:Urgência para a realização das obras em função de compromissos fi rmados com entidades privadas (como a COI e FIFA), utilizada como justifi cativa para o atropelo de processos de participação e controle social, inclusive previstos em legislação, como a realização de audiências públicas. • Negociações e diálogos realizados com empresas privadas e representantes de interesses restritos, como da construção civil e do mercado imobiliário, enquanto é negado o direito à informação e participação à população, inclusive para aqueles atingidos diretamente pelas decisões tomadas. • Recusa sistemática da parte do Estado brasileiro em estabelecer processos de diálogo horizontal com os grupos sociais e comunidades ameaçados. • Recusa sistemática de aceitar processos de negociação coletiva, através de estratégicas que buscam individualizar os processos de desapropriação e remoção compulsórias, num claro desafi o ao direito de organização e representação coletivas. • Restrição do acesso ao apoio jurídico para populações atingidas, e mesmo desinformação – fornecimento de informações contraditórias ou falsas quanto às formas de ter direitos assegurados nos processos de implementação das decisões. • Desconhecimento e omissão quanto às particularidades socioeconômicas e culturais dos grupos atingidos, e aos impactos de grandes obras sobre processos sociais complexos. • Ausência ou absoluta insufi ciêna de estudos necessários, como Estudos de Impacto de Vizinhança – EIA e Estudos de Impacto Ambiental – EIA, que, quando realizados, seguem procedimentos simplifi cados, fragmentados e sem ouvir a população atingida. Em síntese, pode-se afi rmar que a centralização dos processos decisórios, o autoritarismo,a desinformação sistemática conformam um padrão sistemático de violação dos direitos à informação e participação. DECISÕES ARBITRÁRIAS E SEM PARTICIPAÇÃO OU CONTROLE DA SOCIEDADE CIVIL NOS INVESTIMENTOS MILIONÁRIOS EM MOBILIDADE A ausência de participação e de mecanismos de controle social é também revelada nas decisões arbitrárias relativas a obras milionárias, opções por soluções mais caras, intervenções na cidade direcionadas a eixos de valorização imobiliária e “limpeza social”. Como apontado também no capítulo Acesso a serviços e bens públicos e mobilidade, grandes obras viárias apresentam fortes indícios de direcionamento para interesses imobiliários em detrimento das demandas sociais. Além dos casos apontados naquele capítulo, podemos anotar o caso de Brasília, onde o Comitê Popular da Copa denuncia que a cidade apresenta problemas crônicos de transporte coletivo, sobretudo no acesso às áreas mais populosas nas cidades satélites. A decisão pelos investimentos no VLT implica em altos investimentos conectando o aeroporto à região nobre da cidade, na área mais bem servida por linhas de ônibus, metrô, taxis e inclusive uma linha luxuosa de ônibus, bancada pelo governo, ligando a região hoteleira ao centro da cidade. No Rio de Janeiro, o Ministério Público, juntamente com o Procurador-geral da Justiça do Rio de Janeiro, vereadores e lideranças populares propuseram novo traçado para as vias expressas demonstrando a possibilidade de redução de remoções em um bairro popular de cerca de 30 casas para apenas 2, e redução em 300m de túnel, portanto acarretando grande redução de investimentos públicos, que foi ignorado pelas autoridades e técnicos ligados ao projeto governamental. Em Cuiabá, denúncias recentes revelaram fraude no parecer técnico do Ministério das Cidades para defi nição do modal de transporte a ser adotado nas obras de mobilidade para a Copa. A decisão pelo VLT implica em um orçamento de R$700 milhões a mais do que o orçado inicialmente para o BRT (R$500milhões). Segundo investigação conduzida pelo jornal O Estado de São Paulo, a diretora da Secretaria de Mobilidade Urbana, atendendo à pressão política governamental, teria alterado o parecer técnico contrário dos analistas. A situação extrema revela um conjunto de decisões tomadas para a defi nição de investimentos estruturais na cidade sem qualquer participação da população, sem audiências públicas, e sem estudos previstos em lei. 4.2. Estrutura e agências paralelas e excepcionais para os megaeventos De forma geral, as agências, órgãos e estruturas paralelas e de exceção criados em função dos preparativos para os megaeventos esportivos são de dois tipos: aqueles de natureza deliberativa/executiva e aqueles de caráter consultivo. Enquanto os primeiros são as instâncias legalmente responsáveis por decidir e implementar diretrizes e ações relacionadas aos projetos voltados ao megaevento em questão, cabe aos últimos contribuir com informações,pareceres, estudos e representações de interesses de grupos específi cos que subsidiem a tomada de decisões dos entes efetivamente responsáveis. Como visto no item anterior, os procedimentos, conselhos e instâncias participativas que integram o aparato institucional-legal brasileiro têm sido simplesmente desprezados,destituídos de qualquer papel nas novas agências criadas ad hoc para dar conta dos projetos urbanos atrelados à Copa do Mundo e às Olimpíadas. Por outro lado, não há qualquer previsão de efetiva participação da sociedade civil no âmbito das novas instituições. Quando algum canal institucional surge, em geral oferece oportunidades desiguais para atores do setor corporativo e do campo popular, em detrimento deste. Nas mais de duas dezenas de estruturas organizacionais criadas, apenas em uma delas há a presença de representantes de movimentos sociais42, marcada por limitações,42 Grupo de Trabalho sobre a Copa do Mundo do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República). PROTESTO EM AUDIÊNCIA PÚBLICA EM PORTO ALEGRE. FOTO: DANIEL HAMMES. sendo meramente consultiva. Por outro lado, identificou-se a presença maciça de representantes dos mais variados órgãos federais. Neste âmbito, o Ministério dos Esportes desempenha papel central, coordenador dos principais órgãos deliberativos e consultivos. Percebe-se uma espécie de “descentralização centralizada”, em que o governo federal chama seus mais variados componentes a participar das decisões, sem, no entanto, promover uma descentralização efetiva através de aberturas institucionais para a sociedade civil. Até o momento houve apenas a participação de instituições vinculadas a empresas privadas em câmaras temáticas, como o Instituto Ethos, e o Consórcio “Brasil 2014”, que auxiliou o Ministério dos Esportes na elaboração de estudos preliminares e de diretrizes. Nos raros momentos em que a sociedade civil foi chamada a participar no processo decisório, isso foi restrito apenas à face corporativa e as ONGs empresariais foram privilegiadas. O fechamento das instâncias ad hoc é de tal ordem que parecem confi rmar a suspeita de que sua criação tem, entre outras, o objetivo de escapar dos mecanismos participativos que caracterizam muitas das instâncias regulares do estado democrático de direito. O argumento da eficiência, agilidade e necessidade de cumprir prazos exíguos se transforma,assim, em instrumento do autoritarismo e da ausência de controle social.
quarta-feira, 11 de julho de 2012
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