segunda-feira, 18 de junho de 2012

OS TIRADORES DE COCO

Praia da Pipa - ano 1972
Ormuz Barbalho Simonetti

É comum ver no litoral do Nordeste profissionais que ganham a vida subindo em coqueiros para colher frutos. São eles os tiradores de coco. Embora não pareça, tirar coco é uma atividade de extremo risco, pois sem qualquer equipamento de segurança, esses homens arriscam suas vidas subindo em coqueiros com até 30m de altura.

Nessa arriscada atividade, eles portam apenas um facão “rabo de galo”, muito utilizado no corte de cana-de-açúcar e um recipiente plástico tipo spray, geralmente embalagem vazia que reaproveitam, colocando óleo diesel, principal arma contra os marimbondos caboclos e outros animais peçonhentos que habitam as copas dessas palmeiras. Sofrem também com o ataque das formigas pretas que, ao ferroar o indivíduo, provocam dores intensas, como as serpentes, que chegam até esses locais em busca de ninhos de pássaros e alguns roedores, que ali habitam.

Vestindo apenas um calção, para melhor mobilidade, esses profissionais ganham a vida subindo e descendo dos coqueiros, numa exaustiva jornada de até 10 horas por dia. As “peias”, principais ferramentas que lhes permitem subir nessas palmeiras com menor esforço, antigamente eram feitas com cipó que, por sua vez, eram revestidos com relho – tiras de couro cru – para lhe dar maior consistência e segurança. Há algum tempo o cipó foi substituído pelo cabo de aço, bem mais seguro e duradouro, porém o revestimento com relho cru continua até os dias de hoje.

Geralmente, o aprendizado da tiragem de coco é passado de pai para filho, por gerações. Na Pipa, porém, isso não aconteceu. Nenhum dos tiradores de coco tem descendência direta dos pais ou deixou descendentes na família. A título de informação, podemos afirmar que é uma atividade exclusivamente masculina, pois, até hoje, não temos notícias de que nenhuma pessoa do sexo feminino tenha abraçado essa profissão.

Na Indonésia, os aldeões costumam treinar um tipo de macaco na colheita de coco. Os símios são amarrados pela cintura a uma corda e ao comando do seu adestrador, sobem nos coqueiros e arrancam, um a um, os frutos que lá estiverem. Para isso, utilizam apenas suas pequenas mãos. Torcem o fruto numa mesma direção, até que desprenda do cacho e caia. Porém, o que um homem produz em apenas 1 hora de trabalho, esses macacos levam dias para colher a mesma quantidade. Diante disso, podemos avaliar que a colheita com esses animais é apenas mera exibição para turistas, pois comercialmente, seria totalmente inviável.

Os coqueiros se dividem em duas espécies: gigante e coqueiro-anão. O primeiro foi introduzido no Brasil pelos colonizadores portugueses, a partir do ano de 1553. As primeiras mudas trazidas da Ilha de Cabo Verde foram inicialmente plantadas no litoral baiano, daí a denominação “coco da Bahia”. O coqueiro-anão tem sua origem na Indonésia. A principal diferença entre essas variedades é que no coco da Bahia – que geralmente é destinado à indústria – os frutos são colhidos trimestralmente, sempre maduros ou totalmente secos. Ao contrário, os coqueiros-anões, destinados à extração de água, têm suas colheitas realizadas a cada 25 dias, obedecendo à sua inflorescência. As colheitas realizadas em desobediência a esses critérios prejudicam, sobremaneira, a produção nas duas espécies.

Na Praia da Pipa de antigamente, o coqueiro era tão valorizado, que se constituía em um bem transmissível. Era comum um indivíduo ter um ou mais coqueiros na terra de outrem. Sobre essas plantas eram dados todos os direitos ao seu proprietário. Estes podiam ter acesso aos coqueiros, sem prévia comunicação ao dono da terra onde estavam plantados, para inclusive negociá-los com outras pessoas, se assim o desejassem.

No passado, havia na Pipa vastos coqueirais do tipo coco da Bahia, também conhecido como “coco praia”, e poucos tiradores de coco. Apenas três profissionais faziam esse trabalho, como diziam, “no braço”, pois até então não se conheciam as “peias”.

Era um trabalho penoso e estafante. Agarrados aos troncos e impulsionados pelos pés, chegavam ao alto dos coqueiros e, com certeiros golpes de facão, cortavam os cachos secos ou maduros. Nossos tiradores fora: Zé Luiz, Francisco Lourenço e, por último, Irineu. Quando este último ficou sem condições de trabalhar, principalmente por causa da idade, foi substituído por seu discípulo Cícero Lourenço dos Santos, mais conhecido por Madola. Este se iniciou nessa atividade subindo em coqueiro também “no braço”, mas logo foi apresentado às “peias”, novidades trazidas para a Pipa por tiradores de coco vindos da Barra do Cunhaú, no município de Canguaretama-RN.

Em cima dos coqueiros, os tiradores de coco enfrentam vários perigos escondidos na copa dessas plantas. Além de trabalhar pendurados, a vários metros do chão, por uma ferramenta rudimentar e sem utilizar nenhum equipamento de segurança, constantemente são surpreendidos por insetos raivosos: lagartas de fogo, cobras, ratos e o que mais os aterroriza – os enxames de abelha africanizada, que não se detêm diante do óleo diesel, utilizado com sucesso nos demais insetos.

O pagamento a esses profissionais ainda é feito com base no preço do coco. Para cada planta que subir para a colheita ou simplesmente realizar uma limpeza, recebe o referente ao preço de uma unidade. Durante um dia de trabalho, dependendo da altura das plantas, os que tinham mais prática, chegavam a subir em até 100 coqueiros.

Madola começou nessa atividade aos 20 anos de idade e trabalhou durante 35 anos, quando percebeu que os nervos já não lhe favoreciam a subir no alto das palmeiras; as pernas, cansadas, impunham-lhe grande sofrimento para chegar àquelas alturas. Deixou a profissão aos 55 anos de idade e orgulha-se em dizer que com seu trabalho criou toda a família. Durante esse tempo trabalhou em vários locais. Na Pipa daquela época, somente ele e Geraldo da Costa, o General, discípulo que conseguiu formar quando ainda estava na atividade, eram responsáveis pela colheita de toda a região. Em Tibau do Sul, conta que tiraram coco por muitos anos, nas propriedades de Hélio Galvão. Em Cabeceiras, grande produtora de cocos, ensinou aos colegas de profissão o uso e a confecção das peias. Em Canguaretama, onde existiam vários sítios, passavam semanas trabalhando sem retornar para casa. Onde houvesse um sítio com cocos para colher, lá estavam os amigos Madola e General.

Hoje, aposentado, Madola ainda mora na Pipa com muitos filhos e netos, mas nenhum deles quis seguir sua profissão. Procuraram outras atividades mais rendosas e menos arriscadas.

General, último desses profissionais, teve seu destino traçado desde criança. Quando menino e adolescente, muito levado, em brincadeira de subir em árvores com outras crianças, sofreu várias quedas, inclusive duas grandes quedas de uma mangueira, o que lhe deixou por vários dias acamado. Quando adulto, no desempenho de sua profissão, também sofrera outros dois acidentes dessa natureza. No primeiro quebrou uma perna e ficou por mais de um ano sem trabalhar. O médico que o atendeu, sentenciou: nunca mais você vai poder subir em coqueiros. Ledo engano. Com menos de dois anos, lá estava ele pendurado no alto das palmeiras, como se nada tivesse lhe acontecido. É como ele sempre dizia, quando questionado: “Preciso ganhar a vida e essa é a minha profissão. Como não sei fazer outra coisa...”.

No fatídico dia 28 de setembro de 2005, sofreu sua última queda. Estava no alto de um coqueiro quando uma das peias, já bem usada, partiu-se e ele caiu de uma altura de mais de 20 metros. Dias antes, havia me pedido que comprasse em Natal, cinco metros de cabo de aço, pois precisava fazer “peias” novas. Quando retornei na semana seguinte, presenteei-lhe com o cabo de aço, que infelizmente não houve tempo de utilizar.

Lutou pela vida durante 20 dias. No dia 18 de outubro, morreu em um leito do Hospital Walfredo Gurgel, em Natal. Se tivesse sobrevivido, estaria preso para o resto da vida a uma cama ou, na melhor das hipóteses a uma cadeira de rodas, o que lhe imporia grande sofrimento.

Coincidentemente, o coqueiro no qual ele acidentou-se, quatro meses depois morrera. Sua frondosa copa foi secando até tombar e cair. Ainda podemos vê-lo, sem copa, apontando para o céu, bem ao lado de cemitério onde o “General” está sepultado, como se o destino, de alguma maneira, tivesse se encarregado de juntá-los novamente.

Com sua morte, morreu também uma tradição. Fiel discípulo de Madola, com quem aprendeu tudo sobre essa arte, não conseguiu deixar seguidores. Infelizmente, acabava naquele instante, o legado dos tiradores de coco da Praia da Pipa.

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