postado por O Santo Ofício junho 17, 2012
Por Antenor Laurentino Ramos
Peguei o trem, na Gare de Lion, rumo a Besançon, capital do France-Conté (Franco-Condado) nas montanhas do Jura e a 45 quilômetros de Contalier, Suíça. Queria visitar os pais de meu amigo Gilbert Chaudanne. Teria de fazer a correspondence (baldeação) em Dijon. De lá tomaria um outro trem, o de Besançon, a cidade mais fria da França: 27 graus negativos.
Nunca imaginei conhecer tantas paisagens diferentes. A França é, nesse aspecto, como o Brasil, um país de contrastes. Aproveitei o final da semana para realizar esse meu sonhado passeio. Tínhamos, todos os dias, aulas na Sorbonne, no Instituto Para Professores de Francês no Estrangeiro, Anfiteatro Edgar Quinet. Não seria razoável para nós, estagiários de língua francesa, faltar às aulas.
Parti, às cinco horas da manhã, num vagão de segunda classe, que já é luxuoso, com uma parada em Dijon, cidade industrial e dali, segui para o meu destino. Passamos por Troyes, terra natal de Louis Pasteur, o sábio criador da vacina antirrábica e estações outras de que não me lembro mais o nome, e enfim, Besançon.
Lá fiquei na casa de monsieur e madame Denise Dubois, os pais de Gilbert. Foi muito bem acolhido ali. Parecia que aquele distinto casal desejava expressar-me os agradecimentos pelo que fizéramos em favor de seu filho, tão querido; e isso comoveu-me até. Foram momentos de carinho e de afeto de que me senti alvo aquela casa.
Besançon é menor do que Natal, mas é uma cidade rica e muito mais desenvolvida. Fabrica trens, para que se tenha uma ideia disso. Sua riqueza, porém, não se deve apenas a razões de tecnologia. Historicamente também. É a terra de Victor Hugo, o célebre criador de Quasimodo.
Foi lá onde o grande escritor viveu os seus tormentosos dias e seus sofrimentos de ordem pessoal do qual foi também Saint-Beuve, o antagonista. Os irmãos Louis e Auguste Lumiére, inventores do cinema, ali nasceram. Vi de longe a casa onde moraram. Proudhon, o grande líder do anarquismo filosófico, tem aquela cidade também como seu berço. Foi dali que ele partiu para revolucionar o mundo político com a sua célebre máxima: “a propriedade é um roubo”. Dividiu com Marx a batalha internacional contra o capitalismo. Foi na verdade, uma das vertentes dessa luta. E por onde passávamos, tudo era história. Tudo nos dizia de um tempo ido!
Monsieur Pierre e Madame Denise convidaram-me a visitar o Museu do Relógio, o mais antigo do mundo. Havia relógios dos tempos medievais. Aproveitamos então a visita ao referido museu para flanarmos um pouco pelas ruas e praças de Besançon. Seus becos e casas da idade média, cidade linda, e a embelezar-lhe o cenário, o rio Duobs. Não fosse o frio intenso, teríamos mais chance de ver outras coisas.
Fomos à casa de um amigo de Gilbert cujo irmão era fascinado pelo rio Amazonas. Entre os assuntos de geografia de que mais gostava era o que tratava do Brasil. Espantavam-se todos com o tamanho de nosso país. É um continente: caberiam, dentro dele, vinte Franças.
Mas o que mais me comovia era a dedicação a que me devotavam os pais de Gilbert. Lamentava apenas a ausência desse bom amigo, hoje habitante do Brasil. Nunca mais tive notícias desse povo! Sei que, para tristeza minha, Monsieur Pierre se foi. Parece que o estou vendo a tocar no seu saxofone para eu ouvir! Ex policial e bancário aposentado, era uma criatura esfusiante e engraçada. Dona Denise, alta, loura, olhos verdes, bonita e elegante, abraçou-me com ternura e notei, se não me engano, nos seus olhos, uma lágrima a cair. E Monsieur Pierre: On fait des bises? (“Podemos nos beijar?”) – na França é um ato de carinho e de respeito que se tem por uma pessoa, o beijo.
E na hora em que o trem partia eu deles e despedia emocionado. Estava de volta a Paris, mas eu não queria ir. Já não me sentia com vontade de retornar à Cidade Luz. Ali, sim, é que era o meu ninho. Era como se eu estivesse em meu solo potiguar.
Jamais esquecerei Besançon e nem da tarde e que ficamos, aqueles meus dois amigos franceses e eu, em cima de um monte, a visualizar a famosa “cidadela” de Saint-Exupery, que lhe inspirou o título de seu romance inacabado “Citadelle”. Conhecer lugares como este, é enriquecer o espírito e nada melhor do que isso.
Saudades de Besançon! Saudades do casal Pierre e Denise Dubois! Saudades enfim, de Gilbert Chaudanne! Por onde anda ele? Em que terras se esconde? Gostaria de saber!
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