terça-feira, 14 de junho de 2011



Itamar Ciríaco* (Tribuna do Norte) - Natal
postado em 13/06/2011 15:57 h
atualizado em 13/06/2011 16:29 h

No dia 31 de outubro de 2007, exatamente às 11h37, o presidente da Fifa, o suíço Joseph Blatter anunciou, em Zurique que o Brasil seria a sede da Copa do Mundo de 2014. Presentes à cerimônia, 12 governadores já disputavam a vaga de sede para seus Estados. Representando o Rio Grande do Norte, o então secretário de Esportes do Município, Miguel Weber defendia a escolha de Natal apoiado no projeto de um estádio que sequer seria construído na capital: o Estrelão. Essa seria a primeira de muitas faces do projeto da cidade para ser uma das sedes do Mundial, o que, em parte, poderia explicar o porquê de nenhum projeto ter sido posto em prática até o momento.

Dois meses antes da opção da Fifa pelo Brasil, inspetores da entidade visitaram 18 cidades brasileiras, entre elas a capital norte-rio-grandense. Natal, assim como Maceió, Cuiabá, Campo Grande, Florianópolis e Rio Branco foram reprovadas de cara, nesta primeira vistoria. O motivo da eliminação teria sido o projeto deficiente na área de transportes, em parte relacionado a questão da distância do Estrelão, em Parnamirim para os principais hotéis da cidade e o centro.

No entanto, a Confederação Brasileira de Futebol, com o apoio da presidência da República, optou por não levar em consideração essa primeira vistoria e estimulou que as cidades, em princípio 18, reformulassem seus projetos para concorrer em um "vestibular" que aprovaria apenas 12 como sedes para a Copa "verde e amarela".

Neste momento surge a primeira discordância. O arquiteto Moacyr Gomes, criador do projeto do estádio João Machado - "Machadão" dava a sua primeira entrevista à Tribuna do Norte, sugerindo a opção pela reforma do estádio de Lagoa Nova e não a construção de uma nova arena em Natal:

"Primeiro é importante que os governantes de Natal e do Estado se somem para tentar fazer da cidade uma das sedes da copa. A China passou a ser muito mais conhecida com a Olimpíada e o mesmo funcionaria para nós. Claro que para mim, que tenho mais de 50 anos, envolvido com o sonho do Machadão, seria de grande importância que valorizássemos esse estádio, pois a copa seria um bom motivo para fazermos uma série de melhoramentos importantes, nivelando-o aos melhores do mundo.

A pressão dos desportistas de Natal será importante para que não abandonem o estádio, que está em uma área central e pode ser urbanizado, mesmo sem se falar em copa. O projeto depende de uns R$ 80 milhões (com estacionamento para 1.200 veículos), mas com as exigências da Fifa iria para R$ 100 a R$ 150 milhões (com 6 mil vagas para veículos e 2 mil ônibus). Enquanto um estádio novo custa, como o Engenhão do Rio de Janeiro, uns R$ 450 milhões. Porém, não critico a idéia do Estrelão", declarou Moacyr Gomes em 18 de setembro de 2008 à Tribuna do Norte.

Nessa entrevista, o arquiteto também falou na possibilidade de não mudar os traços do estádio Machadão, que ele teria feito obedecendo a ótica de um torcedor, sendo largo nas laterais e estreito por trás dos gols. "Não fiz o projeto como arquiteto, fiz como torcedor, e nenhum torcedor gosta de assistir jogo nesse local", explicou. Apenas 10 dias depois da entrevista, sem aviso, ou debate público, os responsáveis pelo projeto de Natal na Copa 2014 deram uma guinada de 180º na ideia de uma novo estádio.

Proposta para o Machadão
No dia 28 de setembro de 2008 a Tribuna do Norte publicou matéria explicando que técnicos da antiga Secretaria Municipal de Esporte e Lazer (SEL), hoje SEJEL, em parceria com outros órgãos da esfera estadual da administração pública chegaram a conclusão que adequar o estádio Machadão seria a melhor opção para convencer a Fifa que Natal merecia ser sede.

A comissão chamou o arquiteto Moacyr Gomes que elaborou um esboço de projeto e até comentou como a obra deveria ser feita. "Para rebaixar o campo, seria necessário o trabalho de escavadeiras e caminhões para remoção de areia, para avançar as arquibancadas. Não há como aumentar a capacidade expandindo o estádio externamente. O trabalho precisa ser interno", explicou Gomes naquela oportunidade.

O rebaixamento do gramado se daria em cerca de 4 metros e o estádio teria a capacidade ampliada para 46.300 lugares. Uma outra intervenção seria realizada na cobertura do estádio: "A nossa proposta inicial é de cobrir toda a estrutura de arquibancadas, mas dependendo das verbas que venhamos a conseguir, existe também a possibilidade de desenvolver uma cobertura completa, transparente, fechando o teto como um todo, sem atrapalhar a passagem da luz solar. Essa iniciativa foi desenvolvida com muito sucesso em países da Europa", dizia Gomes.

Nos arredores do estádio, rampas de acesso, em formato circular, seriam construídas para facilitar a entrada de idosos, evitando desta forma as escadas, além de funcionar como uma opção a mais de escoamento no término das partidas. As exigências da Fifa não dão conta apenas das condições do estádio em si, mas também de todo o seu entorno. Para isso, seria necessário um trabalho forte de urbanização naquela área, segundo o Moacyr Gomes. O arquiteto lembrava a necessidade de um estacionamento para, no mínimo, 6 mil carros e 2.300 ônibus. "Vamos precisar de toda a área que vai dos arredores do Machadão, passando pelo kartódromo de Natal, até uma área que será cedida pelo Governo do Estado, próximo a entrada do Centro Administrativo. Lá planejamos abrigar os ônibus", explicou.

O secretário de Esportes à época, Ney Dias, já havia inclusive calculado os custos com a obra de reforma, que variariam de R$ 100 milhões a R$ 120 milhões e que esse seria um dos motivos da escolha, além da questão do transporte, do Machadão em detrimento do Estrelão.

Na oportunidade, o arquiteto Gley Karlys ficou surpreso com a mudança. "O Governo do Estado, por meio da Secretaria Estadual de Energia e Assuntos Internacionais, que tem como seu titular Jean-Paul Prates, não me comunicou nada quanto a escolha do Machadão. Isso até me surpreendeu, pois a governadora Wilma de Faria assinou um protocolo de intenções, juntamente com o prefeito de Parnamirim, Agnelo Alves, que também assinou o documento liberando o terreno para a construção do novo estádio. Tudo isso foi enviado à CBF", revelou.

Surge a Arena das Dunas
Mas as surpresas não terminaria por aí. O projeto aprovado pela CBF e Fifa e que levou Natal a ser escolhida como uma das sedes do Mundial de 2014 não foi o do Estrelão, nem o da reforma do Machadão. Um novo projeto, debatido nos gabinetes, surgiu e foi o escolhido para "segurar a bandeira" da cidade na eleição da Fifa para as cidades-sede.

Surgia o Complexo Esportivo Arena das Dunas, envolvendo um novo estádio, construído a partir da demolição do estádio Machadão, do ginásio Humberto Nesi - Machadinho e do kartódromo Geraldo Melo, uma área no entorno, ocupada com prédios de escritórios, hotéis cinco estrelas e até um lago artificial. Novos centros administrativos estadual e municipal seriam construídos, de forma vertical.

O secretário da Secopa, Fernando Fernandes, explicava, na edição do dia 1 de fevereiro de 2009, como seria o funcionamento do projeto, que já teria custado, em princípio R $ 3 milhões para sua simples elaboração. Segundo Fernandes, a área seria licitada e a empresa vencedora teria o direito de exploração de todas as áreas comerciais por 30 anos, incluindo os centros administrativos e, em troca, construiria a Arena das Dunas, que teria o custo de R$ 300 milhões. "Haverá um processo licitatório abrangendo empresas nacionais e internacionais. A empresa vencedora irá receber a área cedida pelo governo no período de 30 anos, para então arcar com os gastos da construção do estádio e do complexo comercial e turístico, que irá lhe proporcionar um retorno financeiro interessante", explicou à época.

Na mesma matéria, o projeto recebeu críticas veladas do arquiteto Moacyr Gomes, que passou a ser excluído do processo de Natal na Copa. "Estou torcendo para que Natal seja uma das sub-sedes da Copa, mas sou totalmente contra a demolição do Machadão. Mas se quem administra a nossa cidade tem sede de luxo, como em Dubai, a ponto de por abaixo um patrimônio histórico, paciência, não podemos fazer nada", comentou Gomes. O engenheiro José Pereira da Silva, que foi o responsável pelos cálculos estruturais do Machadão complementou: "Não sou contra a realização de jogos da Copa do Mundo em Natal. Mas acho que instituições como o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea), Ministério Público, o Legislativo Municipal e principalmente, a população, que é quem paga os impostos e financia os gastos públicos, deveriam participar dos debates. Para isso, poderiam ter sido realizadas audiências públicas".

Escolhida uma das sedes da Copa, em maio de 2009, o projeto de Natal aprovado pela Fifa teve vida curta e foi substituído. Sumiram as torres do entorno do estádio e tudo ficou concentrado na Arena. Na primeira licitação, nenhuma empresa compareceu e a fórmula do negócio precisou ser alterada.

O governo, além de listar terrenos como garantias de pagamento para a Parceria Público Privada, também criou um "colchão" financeiro de R$ 70 milhões, retirados dos royalties do petróleo, como uma forma de assegurar o retorno da empresa que investisse na obra. Apenas a Construtora OAS compareceu e foi declarada vencedora.

De acordo com o governo do estado, no próximo dia 15 de julho as demolições do Machadinho e Machadão terão início. Até o momento, apenas pequenas intervenções no ginásio e a retirada do mobiliário do estádio são pistas do começo da obra desta que é a face real e atual de Natal para Copa do Mundo de 2014.

*Artigo publicado originalmente em 12/6, na Tribuna do Norte

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