sexta-feira, 20 de maio de 2011


CARTA PARA A PRESIDENTE - copa do mundo

CARA PRESIDENTE,

Não foi a senhora que inventou essa história de sediar a
Copa do Mundo.
Foi o Outro. Ele é que era, e continua sendo, louco por futebol.
Ele é que criou na cabeça um Brasil tão grande e influente que
Terminaria com a crise nuclear do Irã.
Arbitraria a paz entre árabes e israelenses,
ganharia um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU
e, para encerrar, como a última firula do artilheiro antes de fazer o gol,
sediaria o Mundial de 2014.
A senhora ao contrario, e mil desculpas se for engano,
aparenta se aborrecer mortalmente diante de um jogo de futebol.
Também não é crível, simplesmente não cabe no seu perfil,
que acredite no mesmo Brasil fantasioso do Outro.
Se deu a entender que sim, isso ocorreu apenas no
período eleitoral, em que, como no carnaval, tudo é permitido.

“Falo, falo, e não digo o essencial”, escrevia Nelson Rodrigues, o
essencial é o seguinte: por que não desistir?
Não seria a primeira vez.
A Colômbia escolhida para sediar a Copa de 1986, jogou a toalha três anos
antes, e o torneio mudou para o México. O Brasil não vive a mesma crise
econômica nem as ameaças de terrorismo esquerdistas e dos
cartéis da droga que atormentavam a Colômbia no período.
Em contrapartida, temos colossais
problemas de infraestrutura de transportes e, se não enfrentarmos crise
econômica, não nos sobra dinheiro para erguer estádios já nascidos com a
marca de elefantes brancos, como, com todo o respeito,
os de Natal, Manaus e Cuiabá.

Os aeroportos já são um caso perdido, segundo estudo do
IPEA, um órgão ai da sua cozinha.
Nove entre os treze que servirão ao evento,
de acordo com o estudo, não ficarão prontos a tempo.

Na semana passada, num gesto que soa a desespero,
pois contraria um dogma do seu partido, o governo
abriu a possibilidade de privatização dos novos terminais.
Mesmo que seja para valer, não serão dispensadas,
é claro, as concorrências, os contratos,
as licenças ambientais, sabe-se lá mais o quê.
Mas suponhamos que dê certo, e
o prognóstico do IPEA não se confirme.
Muito bem, o distinto público consegue
desembarcar nos aeroportos.
Suponhamos que num dos aeroportos paulista.
Novo desafio: como chegar à cidade?
Não há trens, e as estradas vivem congestionadas.
Como este é um exercício de boa vontade, suponhamos mais uma
vez que consigam.

Problema seguinte: como chegar ao estádio do Corinthians,
no bairro de Itaquera, o escolhido da FIFA?
A linha do metrô que o serve está saturada, e o tráfego nas avenidas
com o mesmo destino é de fazer chorar.
Mas suponhamos, mais uma vez, que dê certo.
Enfim, chegamos, mas... aonde? A um terreno baldio.
O estádio do Corinthians não é mais que uma hipótese.
Nem quem vai pagá-lo se sabe.

“Falo, falo, e não digo o essencial.” O essencial desta
missiva, senhora presidente, é sugerir-lhe uma estratégia.
Se lhe parece humilhante desistir assim, na lata,
a sugestão é a seguinte: Brigue com a FIFA.
Enfrente-a. Como o mundo inteiro sabe,
a FIFA não é flor que se cheire.
É uma entidade tão milionária, e tão abusada no uso de seus poderes,
quanto são milionários e abusados seus dirigentes.
Pega bem enfrentá-los.
Brigue para que reduzam suas incontáveis exigências.
Que aceitem reformas de estádios existentes em vez de pedirem tantos novos.
Que assumam parte das despesas.
A FIFA está com a corda no pescoço tanto quanto a senhora.
Na melhor das hipóteses, eles romperão com o Brasil
e partirão para uma alternativa de emergência.
A culpa não será da senhora, mas da arrogante inflexibilidade que demonstraram.
Na pior, que já não é favorável, reduzirão as exigências e
arcarão com parte dos custos.
A senhora já tem assunto demais com que se preocupar.
Precisa livrar-se desta, com perdão pela expressão,
"herança maldita".

Em paralelo, e com cuidado, a senhora trataria de reduzir o
absurdo número de doze cidades-sede para os jogos.
A questão exige mais cuidado mexe com interesses
locais e porque aqui não foi a FIFA, foi ele, o Outro, que assim quis.
Com a mente intoxicada de Brasil Grande e o olho nos
dividendos eleitorais, ele quis agradar ao maior número de gente possível.
Agiu na manipulação do futebol, como faziam os governos militares.
Na África do Sul, as sedes foram nove;
nos EUA, outro país continental, também nove.
Abater o número de sedes diminui despesas
e poupa o público do excesso de deslocamento.
Senhora presidente, ainda lhe sobra espaço político para agir.
Tal qual estão postas as coisas,
as alternativas são colapso absoluto,
fisco total
ou fiasco parcial.

Roberto Pompeu de Toledo

Ultima pagina da revista Veja, editora Abril edição
2215-ano 44-nº 18 de 4 de maio de 2011

João Marques

"Nunca se justifique.
Os amigos não precisam
e os inimigos nãoacreditam."

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