terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

RELÍQUIAS DA HISTÓRIA DA MÚSICA IV
Dando continuidade à história da música, como concebida no trabalho denominado "A fábrica de melodias", atribuído aos pesquisadores: Moacir Barbosa de Souza (2) e Luiz Maranhão Filho(3), e divulgado na internet, reproduzo a temática voltada para a tradição do carnaval na capital pernambucana, em que a Fábrica de discos “Mocambo” teve um papel marcante.


Na época do carnaval, uma festa popular de muito apelo no Recife, os catálogos
de discos Continental e RCA Victor inseriam sempre compositores locais, embora os
cantores fossem do sul do país. O grupo Rozenblit conseguiu distribuir com exclusividade, três selos americanos: Decca, Seeco e Mercury. Para divulgar sua mercadoria, a firma atraiu um apresentador de programa radiofônico, bastante conceituado, Fernando Castelão, e a ele confiou um programa que tinha por título Parada De Ritmos, veiculado todos os sábados, às 14.30 horas, na onda da PRA-8, Rádio Clube de Pernambuco. Era fazer a divulgação e esperar a abertura da loja na segunda-feira, para vender rapidamente os estoques. Isto impulsionou o sonho: uma estrutura fabril permitiria receber as matrizes do estrangeiro e prensar as cópias no Recife.

Logomarca da Fábrica de Discos Rozenblit – a Mocambo
A Fábrica Rozenblit nasceu na Estrada dos Remédios, no bairro de Afogados,
em outubro de 1953, buscando a primeira meta, a prensagem de discos. Deram-lhe o
nome de Mocambo (6), e logo a família se aproximou do diretor artístico da PRA-8,


o maestro Nelson Ferreira, e confiou-lhe o comando para uma meta mais ambiciosa: gravar os artistas da terra com os músicos da emissora, motivando os compositores locais que já tinham fama nacional, tais como os Irmãos Valença, João e Raul,verdadeiros autores de um grande sucesso nacional O Teu Cabelo não Nega, usurpado no Rio de Janeiro por um outro autor, Lamartine Babo, o que motivou rumoroso
processo judicial. Nelson Ferreira compunha frevos – o ritmo local que fazia a dimensão do carnaval – e seus lançamentos para a folia garantiam a receita da fábrica.


O frevo tinha participação de 25% dos lançamentos da gravadora, que chegou a controlar 22% do mercado fonográfico nacional e 50% do mercado regional.
Na linguagem dos jornalistas da época, alguns lançamentos “estouraram” no sul.
Principalmente, dois destaques: um bolero-versão que teve por título Nunca Jamais,
gravado por uma jovem estrela do rádio, Onilda Figueiredo, e o frevo de bloco
Evocação nº 1, de autoria do Maestro Nelson Ferreira, com orquestra de pau e corda
(7) - uma novidade na época - e coral feminino7, recrutado nos cordões carnavalescos da cidade.


Foi o disco Mocambo que lançou o menino-cantor Paulo Molin gravando
músicas de Capiba (Serenata Suburbana), este já conhecido nacionalmente. Duas
canções, louvando as cidades de Recife e Olinda, fizeram o auge das vendas. Quando a
seleção brasileira voltou da Suécia, em 1958, cada jogador recebeu um compacto
simples com as músicas Rei Pelé, de Aldemar Paiva, e Brasil Campeão do Mundo, de
Nelson Ferreira, uma edição especial gravada, prensada e distribuída em um tempo
reduzido para aproveitar as comemorações da conquista do título mundial.
José Rozenblit tinha uma visão ampla acerca dos negócios. Enquanto a família
conduzia a loja para frente, já com uma ampliação de espaço, ele queria sempre mais.
Preocupado com o tempo e o custo de fazer as capas do seu selo – Discos Mocambo –
no Rio de Janeiro, resolveu montar moderna gráfica, operando no sistema Off-Set,
porque já antevia a chegada do processo de vinil no sistema Long-Playing. Assim,
contratou o gráfico Vicente Machado, e mobilizou artistas plásticos locais para a criação dos desenhos, em cujo grupo se incluiu, entre outros, o consagrado Lula Cardoso Ayres,e logo depois já dispunha de um moderno estúdio que gravava discos em 16 canais, um parque gráfico composto por impressoras coloridas, uma fábrica de vinis e uma oficina mecânica para manutenção das máquinas.
O frevo, a jovem guarda e outros ritmos O momento mais importante do frevo no cenário da música nacional ocorreu entre os anos de 1950 e 1960, e está associado ao surgimento e consolidação da fábrica de discos Rozenblit, que teve influência direta na expansão do frevo na indústria fonográfica brasileira. A gravadora marcou culturalmente toda uma geração de pernambucanos: maestros, arranjadores, músicos, compositores, autores, intérpretes e consumidores.

Ao animar o carnaval carioca de 1945, a Orquestra Tabajara, da Paraíba, que gravou inúmeras músicas carnavalescas pela Mocambo anos mais tarde, mereceu o seguinte destaque da imprensa nordestina(8):
“Sábado passado, das 21 horas em diante a Rádio Tupy, da cadeia dos Associados
deu o grito de carnaval na Capital da República, apresentando para todo o Brasil
a música mais típica e ardente, música que arremeda o pião, o curripio, os toques
de trombeta, a algazarra, o pastoril, tudo enfim o que é do nordeste – o frevo. Os
salões da Rádio estavam apinhados. No meio da multidão que se comprimia no
auditório, o general Fulgêncio Batista, ex-presidente da República de Cuba; junto
a ele o [ex] interventor Ruy Carneiro. Assis Chateaubriand e um punhado de
figuras de destaque no cenário político da atualidade, e, mais, cumprimida [sic]
ainda a multidão daqueles que descem os morros para escutar lá em baixo, -
porque não puderam adquirir lugares no quinto andar da G-3 – os acordes da
música pernambucana [...] No palco do auditório da Tupy, era a presença do
locutor numero 1, Carlos Farias,[sic] a Orquestra Tabajara, sob a batuta de
Severino Araújo, que abria a noitada de frevo, com o maravilhoso ‘Tabajaras no
Rio’, ficando a parte coreográfica a cargo do rei-do-passo em Recife, Milton
Moreira, que arrancou da platéia uma ovação jamais presenciada em qualquer
programa radiofônico [...] Não há quem se contenha dentro do auditório...A
algazarra vai tomando foros de uma vibração de massa jamais presenciada nesses
últimos tempos. Silvio Caldas, de maneiras tão distintas, e meio comedido a
cantar seus sambas, aparece para interpretar o frevo de Nássara e Frazão ‘Eu vou
pra Pernambuco’, e, sem se sentir, começa a gingar e requebrar, e, Carlos Farias,
de quando em vez a elogiar os rapazes que não há muito deixaram a capital da
Paraíba para uma aventura em pagos distantes.”
A empresa diversificou os gêneros musicais, como a música da jovem guarda,
produzindo compactos simples de Martinha, os Baobás, grupos de garagem como
Beatniks, De Kalafe e a Turma, lançando ainda músicas estrangeiras, com as cantoras
Célia Cruz, cubana, e Françoise Hardy, francesa. A gravadora foi notícia na imprensa
do sul do país(9): “A Mocambo vem ampliando seu quadro de artistas que interpretam o
gênero sertanejo, aliás, um dos mais apreciados. Prado e Pradinho também integram o
elenco da gravadora, e aí estão com cateretê A palavra ladrão e a toada Vestidinha de
anjo”. Entre os campeões de popularidade do disco, conforme publicado na imprensa(10), constava em 5º lugar, em São Paulo, a rumba Cachito, com a dupla Doris e Rossie, da gravadora Mocambo. Nos anos 1960 e 1970, a gravadora ampliou seu cast com artistas da MPB, como Jorge Ben, e passou a editar intérpretes e grupos estrangeiros, a maioria alternativos para a época, como os americanos Lovin' Spoonful. Também divulgou a música negra norte-americana e gravou e divulgou canções do tropicalismo e introduziu nos país a moda das trilhas de novela.
Para o jornalista paraibano José Teles, autor do livro Do Frevo ao Mangue Beat,
da editora 34, pela Rozenblit passou parte da história da música popular pernambucana,muito embora, segundo ele, a empresa tivesse matizes conservadoras, e fosse pouco afeita às inovações de tropicalistas e artistas do underground: "Nelson Ferreira, diretor artístico da gravadora, era ótimo, mas não era vanguarda. A bossa nova daqui não teve registro em disco. O grupo de Naná Vasconcelos nunca gravou aqui, nem Robertinho de Recife ou Geraldo Azevedo. O mangue beat não seria registrado se fosse assim."
Em 1937, o jornal A União, de João Pessoa, Paraíba, incentivava a divulgação da
música carnavalesca. Vale destacar que os sucessos da época eram exclusivamente de
autores pernambucanos, incluindo até um maracatu(11):
CARNAVAL DE 1937
Já se acham á venda na CASA ODEON as marchas carnavalescas Pernambucanas
(MUSICAS)
QUEM VAE PRA FAROL É O BONDE DE OLINDA (frevo canção)
QUE FIM VOCE LEVOU (frevo canção)
ALEQUIM (frevo canção)
PIERROT MEU PIERROT (frevo canção)
UM SONHO QUE DUROU TRES DIAS (frevo canção)
EH: UA CALUNGA (Maracatu)
(DISCOS)
UM SONHO QUE DUROU TRES DIAS (frevo canção)
SEBASTIANA (frevo canção)
ARLEQUIM (frevo canção)
NÃO HÁ MAIS VALE (Marcha frevo)
QUE FIM VOCE LEVOU (frevo canção)
DIABO SOLTO (Marcha frevo)
NOIÔ NOIÔ (Maracatu)
CHORA MEU GÓGUE (Maracatu)
Á VENDA NA “CASA ODEON” RUA
MACIEL PINHEIRO Nº 165
- JOÃO PESSOA -
_____________________
2 Professor adjunto da UFRN, coordenador do curso de Comunicação Social. Pesquisa a história da mídia sonora, com ênfase na indústria fonográfica e a evolução tecnológica da radiodifusão. Blog:http://www.historiadoradio.myblog.com.br E-mail: moacirbs8@oi.com.br; moacirbs@click21.com.br
3 Professor adjunto da UFPE e Faculdade Maurício de Nassau. Pesquisa a história do rádio pernambucano. Foi diretor da TV Universitária e Rádio Universitária. .......
6 A acepção dicionarizada de mocambo é cabana, ou uma construção feita com palhas de coqueiro, muito comum no nordeste.
7 A orquestra de pau e corda era formada por clarinetes, saxofones, às vezes flautas, banjo, bandolim, violão e percussão. O coral feminino que canta Evocação nº 1 foi preparado pelo próprio Nelson Ferreira.
8 Jornal A União, João Pessoa, Paraíba, pág. 3, 25 jan.1945.
9 Revista do rádio nº 226, 2/8/1958, p.49
10 Radiolândia, em 4/10/1959
11 Jornal A União, João Pessoa, Paraíba, 31 jan. 1937, p. 2

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