quarta-feira, 12 de julho de 2023

 A virtude da tolerância 

Padre João Medeiros Filho 

Segundo Platão, “a tolerância é o mais alto nível de educação.” Consiste na capacidade de reconhecer e aceitar o diferente. Não confundir com o divergente, que prima pela discordância e oposição. A intolerância está em não suportar a pluralidade de ideias, crenças e posições, como se a verdade pertencesse a um só indivíduo ou grupo e ali todos devessem buscar a luz. Uma lenda milenar narra que um pregador reuniu centenas de pessoas para discorrer sobre a verdade. Ao final da fala, em vez de aplausos, houve um silêncio sepulcral. Passados alguns instantes, uma voz se levantou: “O que o senhor acaba de afirmar não é a verdade.” O palestrante indignou-se: “Como, não é? Anunciei o que me foi revelado pelos céus!” Quem contestou, retruca: “Existem três tipos de verdades: a do senhor, a minha (ambas subjetivas) e a objetiva. Juntos devemos buscar a veracidade dos fatos reais.” De acordo com a filosofia aristotélica, “a verdade é a identificação do pensamento com a realidade” (“Identificatio intelectus et rei”). Os tiranos e arrogantes sentem-se senhores absolutos da verdade. Por esse motivo, mantêm-se intransigentes, não admitindo os direitos dos outros. Há quem defenda a força das armas e da violência como prioridade sobre as ideias. Faz algumas semanas, a mídia noticiou o brado de alguns extremistas, pregando a morte para os que não seguem sua ideologia. Os intransigentes usam a agressão física como argumento válido para convencer o mundo e mostrar quem está certo ou o que é correto. Esquecem a máxima oriental, ao ensinar: “Melhore a argumentação e baixe o tom de voz.” O intolerante é facilmente levado à beligerância, por ele denominada contraponto. É um inseguro. Por isso, agarra-se a seus caprichos, concepções e narrativas, como um náufrago à tábua que o mantém à tona. É unicista, indo na contramão dos ensinamentos filosóficos e éticos. Vê o que discorda como inimigo ou “o inferno”, consoante Sartre. Para ele, todos devem acatar docilmente suas opiniões. O tolerante não coloniza a consciência alheia. Admite que da verdade se depreende fragmentos. Tem consciência de que ela só é alcançável com um esforço comunitário. Reconhece a alteridade singular, que jamais deve ser negada. Apenas Deus vê a plenitude da verdade. O poeta Rumi aconselha: “Veja através dos olhos da compaixão. Fale com a linguagem do amor e sobretudo ouça com os ouvidos da tolerância.” Esta necessita ser a regra de ouro do comportamento humano. Pode-se inferir que se todos não pensam da mesma forma, tem-se apenas parte da verdade, sob ângulos diversos. Tolerar não significa abandonar o compromisso com a veracidade, e sim reconhecer que o outro tem o direito de decidir o rumo da sua vida e história. Pode-se aplicar ao tolerante o perfil descrito pelo apóstolo Paulo na Primeira Carta aos Coríntios: “É paciente e prestativo, não se irrita nem guarda rancor. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1Cor 13, 4-7). Tolerância não é sinônimo de ingenuidade, tampouco parvoíce. Não faz tempestade em copo d’água. Jamais cede quando se trata de defender a justiça, a dignidade e a honra. Reconhece o direito de cada um ter princípios e agir conforme a sua consciência, desde que não redunde em opressão ou exclusão, humilhação ou morte. O cristianismo convida a ter sempre uma atitude de respeito e compreensão com o próximo. Assim recomenda o citado apóstolo Paulo: “Aceita o outro, mesmo mais frágil e não discuta sobre suas opiniões” (Rm 14, 1). Das intolerâncias, a mais inaceitável é a religiosa, pois divide o que Deus uniu. A religião não é uma imposição, ela está na essência do ser humano. Quem somos nós para, em nome do Pai celestial, decretar se uns são os eleitos e, outros, os condenados? Só o amor poderá nos tornar realmente tolerantes, pois quem ama compreende as reações de outrem e demonstra sempre gestos de compreensão, acolhimento e partilha. Proclama o salmista: “O Senhor é clemente e tolerante [compassivo], lento para a ira, rico em misericórdia e fidelidade” (Sl 86/85, 15).

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