A solidão povoada
Padre João Medeiros Filho
Um dos grandes
desafios de nossos dias consiste em superar a insensibilidade social. É verdade
que as tecnologias modernas favorecem a aproximação. Entretanto, apresentam um
efeito adverso. Por exemplo: em casa, nos restaurantes, ônibus, consultórios
etc. contam-se nos dedos aqueles que conversam com quem está ao lado. O contato
é cada vez mais digitalizado ou por mensagem de voz. Há sinais evidentes de
contradição. Verifica-se grande solidariedade pelas vítimas de catástrofes
nacionais ou internacionais, mas ignora-se o pobre de mão estendida, que bate
na janela do carro, suplicando uma ajuda. Há uma comoção pelos atingidos em
desastres e acidentes, divulgados pela mídia. Porém, o mesmo não acontece
diante do sofrimento daqueles que povoam os corredores e filas dos hospitais
públicos de nossas cidades. Por vezes, fica-se anestesiado diante da dor tão
próxima, mas sensível e solidário com o infortúnio distante. Apresentam-se
várias justificativas para a indiferença ou ausência.
Nos dias de hoje,
morar na mesma cidade, bairro, rua ou prédio não garante infelizmente uma
convivência atenciosa entre as pessoas. É comum os vizinhos do mesmo edifício
ou condomínio serem desconhecidos. Muitos experimentam o que se denomina
solidão povoada. Vive-se sozinho, apesar de cercado de pessoas por todos os
lados. As novas possibilidades suscitadas com o avião, telefone, internet e as
redes sociais não conseguiram destruir as lógicas e dinâmicas que criam
desencontros, exclusões, indiferença e até violência.
Não se pode negar
que uma convivência tranquila entre os seres humanos é salutar. Cristo
pressentiu essa terrível solidão e prometeu a sua companhia: “Não vos deixarei
órfãos [sozinhos]... estarei convosco todos os dias” (Jo 14, 18). Vive-se paradoxalmente
a civilização da distância, insensibilidade e solidão. A indiferença pode gerar
antipatia, desrespeito e até agressividade. Isto mostra que o mundo não
compreendeu ainda a mensagem de fraternidade e amor de Deus feito homem. É um
direito de todos serem acolhidos com atenção, respeito e reconhecidos em sua
dignidade. As criaturas sentem necessidade de ser bem tratadas, ouvidas,
amparadas em suas necessidades, abraçadas e amadas. É preciso descobrir no
Evangelho a ternura e a compaixão de Cristo pelos desvalidos, carentes,
excluídos e enfermos. Infelizmente, não é isso o que predomina atualmente nas
relações humanas e sociais. Constatam-se cada vez mais práticas e posturas
individualistas, excludentes e uma tendência à globalização da indiferença social.
Dom Helder Câmara exclamou em um de seus programas, na Rádio Olinda: “Somos
ainda pagãos. Fomos batizados apenas no corpo, mas não na mente. É preciso
batizar as regiões pagãs de nossa alma.”
Compartilhar o
amor é a energia mais poderosa no processo de humanização. Por isso, Jesus
ensinou: “Amai-vos uns aos outros... Nisto conhecereis que sois meus
discípulos” (Jo 13, 34-35). Santa Dulce dos Pobres também afirmou: “O mundo
necessita mais de amor e atenção do que de pão.” Deus concedeu ao homem a
liberdade. Mas, é preciso lembrar que ela não elimina nossa ambivalência.
Assim, ter-se-á sempre a possibilidade de amar ou odiar, ajudar ou dificultar,
repartir ou reter, ser generoso ou egoísta. Esta condição pede vigilância e
discernimento nas escolhas.
O ser humano
paulatinamente passou a ser coisificado e reduzido a mero consumidor. E como
consumir exige ter dinheiro, este passou a ser cobiçado, tornando-se a pérola
preciosa a ser buscada e disputada por todos. É lamentável, mas na sociedade
hodierna, quem não tem dinheiro vale pouco. A vida passou a ser regida por
ganhar e acumular, e não respeitar e amar. Aí reside uma parte significativa da
cultura da insensibilidade social. Poucos se indignam e reagem ainda diante da
injustiça e exclusão. Nem mesmo os governantes, escolhidos e pagos para lutar
contra essa realidade. É preciso pensar no poder do amor e na força da
solidariedade, que suscitam entusiasmo e transformações culturais e sociais.
Nisto está a grandeza da obra de Francisco de Assis, Tereza de Calcutá, Padre
João Maria, Padre Ibiapina e tantos outros que concretizaram mudanças sociais
em seu tempo e contexto. Eis o conselho do apóstolo Paulo: “Vesti-vos com os
sentimentos de compaixão, bondade, mansidão, humildade e paciência. Ajudai-vos
uns aos outros” (Col 13, 3).
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