O JUSTO E O INJUSTO
Valério Mesquita*
Ultimamente, jovens estudantes de nível superior em Natal têm visitado o
Tribunal de Contas para conhecer as suas atividades e funcionamento. Desejam se
informar da função constitucional, dos tipos de controle orçamentário e da
prestação de contas dos seus jurisdicionados. Como órgão auxiliar do Poder
Legislativo, o TCE é o seu instrumento valoroso e técnico. Possui, no entanto,
significativa identidade horizontal, em nível de equivalência com os poderes
constituídos, sobre cujas unidades administrativas, ele opera e fiscaliza. O
grande Rui Barbosa, partícipe direto da criação do TCU, reconhece: “a criação de um Tribunal de Contas com corpo
de magistratura intermediário à administração e à legislatura, coloca-o em
posição autônoma, com atribuições de revisão e julgamento, cercado de
garantias, pode exercer as suas funções vitais no organismo constitucional, sem
risco de converter-se em instituição de ornato aparatoso e inútil”.
Essa corporação distinta julga as contas dos responsáveis por dinheiros e
outros bens públicos. Esse julgamento é, por sua natureza, administrativo e tem
o valor de apreciação contábil. Quanto aos agentes públicos responsabilizados,
eles ficam sujeitos à jurisdição criminal. “Suas
decisões, transitadas em julgado, podem ser revistas pelo Poder Judiciário, que
as acatará não como se emanassem dos próprios juizes deste, mas enquanto forem
conforme a lei”, no ensinamento do mestre do Direito, o professor Alfredo
Buzaid.
Mas o entendimento em voga, ao qual me anteponho, e espero que um dia
seja corrigido pelo STF, é justamente aquele que classifica conclusivamente a
decisão política dos legislativos sobre o julgamento técnico dos tribunais. Sem
retornar mais às ponderações externadas em textos anteriores, indago como pode
o tribunal que julga as contas da execução orçamentária do poder político ver a
sua decisão oficial e técnica ser fulminada por manipulações de entes partidários?
Segundo o professor de Ciências das Finanças e ministro Aliomar Baleeiro “o papel do Tribunal de Contas é de órgão
integrante do sistema político-jurídico de freios e contrapesos da constituição”.
Significa dizer que somente o Poder Judiciário tem a legitimidade, em grau de
recurso, de dirimir as dúvidas sobre a coisa julgada.
Essa competência abstrata dos poderes legislativos de imporem decisões finalisticas
aos julgados dos TCEs, coloca em suas mãos mais poderes do que deveres. Deveres
fundados em pressupostos fáticos, jurídicos, técnicos e formais. Exemplo
gritante de julgamento faccioso vem de uma câmara municipal que aprovou recentemente
as contas de um prefeito que teve, antes, as suas contas anuais rejeitadas pelo
TCE, com ressarcimentos altíssimos ao erário lá no extremo norte do estado,
onde, inclusive, o mesmo agente elegeu-se vice-prefeito do filho. Vê-se que a
atividade humana, exercida na lide política é totalmente desprovida de
controle. A conduta ultrapassa os limites da razoabilidade e da racionalidade,
em detrimento da norma jurídica. Hoje o texto constitucional diminuiu a
competência dos Tribunais de Contas, ao ponto de reduzir-lhe a possibilidade de
deter a ação injurídica dos administradores. Os TCEs só poderão exercer
plenamente as suas funções e cumpri-las na integridade quando puder conter a
conduta ilegítima para que seja restaurada a moralidade na correta aplicação do
dinheiro e do patrimônio públicos. Outro exemplo deprimente foi o do Poder
Legislativo do Rio Grande do Norte, recentemente, por injunções políticas, ter
derrubado a decisão unanime do TCE/RN das contas do Executivo relativas ao
exercício anterior, sem conhecimento técnico e contábil do assunto.
(*) Escritor.
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