RELEMBRANDO
TICIANO DUARTE
Valério
Mesquita*
Certos homens adquirem uma visibilidade tão marcante
em seu campo de atuação que se tornam imprescindíveis aos seus contemporâneos, na
medida em que suas opiniões e convicções passam a determinar modos de ver e de
interpretar os acontecimentos da vida social, política e cultural. É que aos
olhos deles nada daquilo que importa passa ao largo.
Assim vejo e identifico o meu primo-irmão Ticiano
Duarte. Desde a antiga Rua 13 de Maio, depois Princesa Isabel, quando o conheci
efetivamente e melhor, lá pelos idos de 1950. De 1954 em diante fui revê-lo na rua
Voluntários da Pátria, nº 722, Cidade Alta, telefone 2901. Ele era já expressão
do “batepapo” no Grande Ponto, seu fiel ancoradouro, onde se tornara notário
público e destemido navegante das ruas e avenidas da política potiguar.
Bacharel em Direito da Faculdade de Maceió, tornou-se decano do jornalismo da
imprensa potiguar, atividade da qual desfrutou de ilibada notoriedade por sua
isenção e imparcialidade nos juízos dos acontecimentos da política. Seu
memorialismo ganhava ritmo de crônica e embasamento de historiador. Em seus
escritos é possível intuir aquele saber de experiências, traço que distingue o
verdadeiro homem de visão de um mero prestidigitador de quimeras.
Foi presença fecunda na imprensa
norte-rio-grandense. A colaboração de Ticiano Duarte para a Tribuna do Norte
rendeu, numa primeira seleção, o livro “Anotações do meu caderno” (Z
Comunicação/Sebo Vermelho, 2000), reunindo os principais fatos políticos dos
últimos 70 anos do século passado no Rio Grande do Norte. A precisão das
análises, a escolha dos protagonistas,
a evolução dos acontecimentos e o retrospecto dos
episódios que marcaram profundamente as vicissitudes da política potiguar
encontraram ali o seu cronista mais atento e informado, criterioso e
verdadeiro. Nesse livro, objetivamente intitulado “No chão dos perrés e
pelabuchos”, avultam as mesmas qualidades que consagraram “Anotações do meu
caderno”, com a única diferença de que agora ele se deteve com mais vagar na
descrição de perfis e na análise comparativa dos fatos, mesmo separados por
décadas. Vultos inesquecíveis da vida pública estadual, como Djalma Maranhão,
Georgino Avelino, Café Filho, Aluízio Alves, Odilon Ribeiro Coutinho (“mistura
de tabajara e potiguar”), Tales Ramalho (“paraibano por acidente,
norte-rio-grandense pelas grandes ligações familiares, e pernambucano por
adoção”) são algumas das estrelas de primeira grandeza dessa constelação de
escol. Cronista, para quem a política não pode se dissociar da ética, sob pena
de naufragar nos desmandos de governantes e correligionários, Ticiano fez o
elogio dos políticos exemplares perfilando a figura de Café Filho em toda a sua
trajetória. Ao fazer o elogio da lealdade e da coerência, ele retirou do limbo
o nome de Walfredo Gurgel, ressaltando que “o seu governo foi um exemplo de
seriedade no trato e na gestão da coisa pública. Todo o Rio Grande do Norte
sabe desta irrefutável verdade e nem mesmo seus adversários podem omiti-la, por
mais que o tenham combatido no campo das diferenças partidárias”.
Em “No chão dos perrés e pelabuchos” Ticiano
encontrou silhuetas de políticos esquecidos pela história, mas preservados, por
exemplo, numa Acta Diurna de Luís da Câmara Cascudo, como Hermógenes José
Barbosa Tinoco, deputado do Partido Liberal que a voragem do tempo soterrou; os
entreveros entre pelabuchos e perrés que incendiaram o paiol das agremiações
políticas dos anos trinta, que não escaparam à argúcia focada pelo
memorialista.
Ele propõe e reforça as teses daqueles que defendem
a necessidade de uma urgente reforma política a fim de repor o país nos trilhos
da ética e inaugurar uma nova era política de honestidade e honradez. O seu viver
espelha na obra que escreveu a lucidez dos seus testemunhos de luta.
(*) Escritor
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