Homenagem que presto à memória do querido amigo Dom Nivaldo Monte, neste aniversário de dez anos de seu falecimento. O artigo, o fiz "um mês" após sua morte - daí o título; o poema é mais recente.
Abração, Horácio.
HOMENAGEM A DOM NIVALDO MONTE -
Artigo e poema
Artigo escrito em dezembro de 2006:
UM
MÊS
-
Horácio Paiva -
Um mês sem a
presença física de D. Nivaldo Monte entre nós e nesta Natal que amou. Um mês
deste tempo que inventamos e que aprendemos a repartir e contar. Mas que, sem
retorno, não o devolve. Porque o seu tempo
- como, de resto, o nosso
tempo -
é o da eternidade.
Li certa vez que
perguntaram a Galileu Galilei quantos anos ele tinha, ao que respondeu: “Cinco, dez ou quinze anos. Talvez mais, ou
talvez menos. Talvez alguns dias, ou somente um dia. Sim, porque o tempo
passado já não me pertence e apenas posso contar com o futuro. Mas este eu não
sei precisar”.
Sobre esse tema,
o tempo é o que dele nos cabe em vida, diz Marco Aurélio em suas “Meditações”
(Livro II, 14):
“Ainda que os anos de tua vida sejam três mil ou
dez vezes três mil, lembra-te que ninguém perde outra vida, senão a que vive
agora, nem vive outra senão a que perde. O prazo mais longo e o mais breve são,
portanto, iguais. O presente é de todos: morrer é perder o presente, que é um
tempo brevíssimo. Ninguém perde o passado nem o futuro, pois a ninguém podem
tirar o que não tem”.
A matéria do
presente seria, então, o próprio tempo. E administrariam melhor o seu tempo
existencial aqueles que tivessem o seu olhar mais amplo, universal, holístico:
os visionários.
Tenho que, na
arte de viver, expressam sabedoria aqueles que sabem distinguir o principal e o
secundário, mantendo, assim, donos deste conhecimento, a serenidade e a
tranquilidade de espírito, mesmo diante das adversidades -
comuns a todos -, e estando,
dessa forma, mais próximos também da felicidade.
A esse propósito,
Dom Nivaldo Monte não foi apenas um sacerdote, mas um sábio, um visionário, alguém
que soube aliar o espírito contemplativo à ação.
Sêneca, um dos
mais expressivos pensadores do estoicismo romano -
filosofia, aliás, tão presente em nossa religião cristã -
recomendava alternar o recolhimento e a vida social: “Misturemos as duas coisas: alternemos a
solidão e o mundo” (in “Da
tranquilidade da alma” - XVII, 3).
A meu ver,
portanto, o perfil existencial de D. Nivaldo continha esses dois aspectos: o
contemplativo e o ativo.
Nesse último
sentido, é inegável a sua profunda contribuição ao desenvolvimento educativo,
político e social de nossa gente.
Entregue ao
pensamento, à literatura e às reflexões, não se pode negar que foi, igualmente,
um vigoroso homem de ação. Aliado ao seu grande amigo e também proeminente
figura da Igreja, Dom Eugênio de Araújo Sales, é realizador de inúmeros feitos
exemplares, essenciais ao progresso e ao crescimento moral e espiritual de
nosso povo. Assim, criou a Rádio Rural (Emissora de Educação Rural),
utilizando-a como importante e pioneiro instrumento de alfabetização e educação
em nosso Estado. Outra ação pioneira de sua lavra foi a instalação da Escola de
Serviço Social (hoje integrada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte),
primeira entidade de nível superior, na espécie, em Natal.
Nos anos difíceis do período ditatorial, quando um grupo de
humanistas e democratas (entre estes, Padre Pio, Dermi Azevedo, Elias Cabral
Maciel, Rivaldo Fernandes e eu) lutavam contra a opressão, pela democracia e
pela criação de um comitê de defesa dos direitos humanos, encampou a ideia e
deu-lhe forma com a fundação da Comissão Pontifícia Justiça e Paz, da qual fui
presidente, primeira entidade estadual (mas vinculada ao Vaticano - daí “Pontifícia”)
destinada à defesa dos direitos humanos. Movimento idealista e agregador, a ele
somaram-se outros nomes, tornando-o ainda mais forte: Carlos Antônio Varela
Barca, Padre Vilela (Pastoral Carcerária), Adílson Gurgel de Castro (primeiro
presidente), Marcondes Assis da Silva (Pastoral da Juventude), Marlúcia Paiva,
Francisco Gomes, Oswaldo e Roberto Monte e outros.
Era meu amigo e
em várias ocasiões conversamos muito. Sobretudo sobre filosofia, política,
religião e poesia. Havia entre nós um grande elo de simpatia, a identificação
espiritual que tanto aproxima as pessoas. Mostrou-me originais seus antes de
torná-los livros. Certa vez, falando-me sobre a coragem, definia o corajoso não
como aquele despojado do medo, mas aquele que o dominava. Tema e concepção,
aliás, que aborda em seu livro “Toda palavra é uma semente”, quando diz: “O
problema, o verdadeiro problema não é ter ou não ter medo, mas, quando
necessário agir, deixar-se levar pelo temor”.
Dediquei-lhe uma
tradução que fiz do “Noche Obscura”, do místico e grande poeta espanhol San
Juan de la Cruz, para mim expressão das mais altas (senão a mais alta) da
poesia em língua castelhana, que trata do encontro da alma com Deus e cuja
primeira estrofe (transcrita no original) associo agora à sua própria partida,
após concluída sua obra, estando em paz com Deus e com os homens:
“En una noche obscura/
con ansias en amores inflamada,/ oh dichosa ventura!/ salí sin ser notada,/
estando ya mi casa sossegada”.
Em memória do
amigo, em meio ao mistério e às ilusões do mundo, revela-me a poesia, de
observação e confiança cósmicas:
A realidade
é a opção
do provável.
O real
É Deus.
.................................................................................................
Poema escrito
recentemente:
TEMPO E ETERNIDADE
A D.
Nivaldo Monte, in memoriam
Já não tenho tempo.
Compreendo
como Santo Agostinho
que o tempo é uma invenção do
homem
para contagem de seus dias.
Mas tenho, Senhor, a Vossa
eternidade
onde, perene, caminho.
(Horácio Paiva)
(TEXTO CORRIGIDO POR SOLICITAÇÃO DE HORÁCIO PAIVA)
CONTUDO, MANTENHO O OUTRO POEMA QUE FOI PUBLICADO EQUIVOCADAMENTE, MAS MERECEDOR DO CONHECIMENTO DOS MEUS LEITORES:
Assunto: Re: POEMA TRADUZIDO - COM CORREÇÃO PENÚLTIMO VERSO
Fiz uma correção na tradução do penúltimo verso desse belo poema do francês e luterano Jean-Paul de Daldesen (1913-1957), que ficou assim:
BACH NO OUTONO
Jean-Paul de Dadelsen
Anjo da melancolia
Que posso eu contra ti?
Tu me conheces melhor do que eu mesmo
Nesta hora
A mais escura
Antes da aurora
Que posso eu
Cego e disperso
Senão
Pelo meu próprio vazio
Medir ainda
A ausência do Senhor
E longe de meu verão perdido
Como o cão de Ulisses
Escutar a noite
Escutar o vento
Para neles reconhecer
Os passos de Seu retorno
(Tradução de Horácio Paiva)
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