quinta-feira, 9 de junho de 2016



Em torno do tempo
(Lívio Oliveira)

O que traduziria as memórias dos meus primeiros passos na casa e na rua da infância? Como resgatar e reescrever os cheiros do quintal pleno de árvores, movimentos inquietos e sonhos? Quantos afetos estão retidos no tempo atual e que me impedem o olhar limpo para o mundo que deixei nas gavetas em que guardava os meus brinquedos infantis? Torço para que o tempo desfaça suas travas e abra logo a porta ao sereno do dia longínquo em que estabeleci metas de vida e de esperança.

Talvez a porta dê para o Barro Vermelho ou para as paisagens rústicas e místicas do Seridó ancestral. Nesses dois lugares larguei os bisacos em que levava apetrechos idílicos e páginas em branco da vida que queria ver escrita. As palavras que consegui manter nos bolsos da bermuda são as que me ajudaram a edificar a nova casa incompleta, inconclusa e pequena.

A casa não tem sótão e nem porão, mas a visitam fantasmas e estrangeiros, cada qual trazendo notícias dos jornais de ontem, às vezes em outras línguas, desconhecidas. Faz-se obrigatório o soerguimento de regras para o porvir, permitindo que a estrada se prolongue em busca do horizonte e de códigos de comunicação eficazes com a era que busco inaugurar no peito.

Tenho em mim ainda acesa alguma chama daquele sol que nos banhava nas ruas Segundo Wanderley (primeiro nome de poeta que ouvi), Meira e Sá e Coronel João Gomes. Entre as avenidas Jaguarari e Olinto Meira ficava o quadrilátero central das circunstâncias infantis. As brincadeiras, as brigas, a correria, as quedas das árvores e dos muros, tudo se projetando de forma diferente e incômoda nas lides da atualidade. E tudo obtendo refluxos no inconsciente que se tenta converter em arte.

No Barro Vermelho foi onde tive ciência da poesia da vida e da poesia dos livros, da arte literária. Lá foi onde vi e ouvi Gilberto Avelino cantando elegias. Foi ali onde recebi os poemas mágicos e os conselhos de Luís Carlos Guimarães. É do Barro Vermelho a história cotidiana que nos conta incessantemente Woden Madruga, sem esquecer que o hoje logo se transfere para a memória e toma outros nomes que ainda não aprendemos. Só a mudança do tempo nos ensina e nos dita, trazendo a inexorabilidade dos caminhos desconhecidos.

Também não consigo afastar as lembranças das caminhadas debaixo da luminosidade solar e pisando no chão de poeiras quentes e pedras de fogo do Seridó. Jamais deixarão de ter lugar em minha mente as imagens do povo forte e da rusticidade das cenas em tons pastéis. Os açudes, em períodos de secas ou cheias, sempre transbordando imaginações supersticiosas dos meus quereres afogados. As primeiras maravilhas sensuais das meninas nas canoas ou nas redes de tornos e entornos. Os passarinhos que ainda passeiam nas ventanias do meio-dia da minha existência.

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