Em torno do tempo
(Lívio Oliveira)
O que traduziria as
memórias dos meus primeiros passos na casa e na rua da infância? Como
resgatar e reescrever os cheiros do quintal pleno de árvores, movimentos
inquietos e sonhos? Quantos afetos estão retidos no tempo atual e que
me impedem o olhar limpo para o mundo que deixei nas gavetas em que
guardava os meus brinquedos infantis? Torço para que o tempo desfaça
suas travas e abra logo a porta ao sereno do dia longínquo em que
estabeleci metas de vida e de esperança.
Talvez a porta dê para o
Barro Vermelho ou para as paisagens rústicas e místicas do Seridó
ancestral. Nesses dois lugares larguei os bisacos em que levava
apetrechos idílicos e páginas em branco da vida que queria ver escrita.
As palavras que consegui manter nos bolsos da bermuda são as que me
ajudaram a edificar a nova casa incompleta, inconclusa e pequena.
A
casa não tem sótão e nem porão, mas a visitam fantasmas e estrangeiros,
cada qual trazendo notícias dos jornais de ontem, às vezes em outras
línguas, desconhecidas. Faz-se obrigatório o soerguimento de regras para
o porvir, permitindo que a estrada se prolongue em busca do horizonte e
de códigos de comunicação eficazes com a era que busco inaugurar no
peito.
Tenho em mim ainda acesa alguma chama daquele sol que nos
banhava nas ruas Segundo Wanderley (primeiro nome de poeta que ouvi),
Meira e Sá e Coronel João Gomes. Entre as avenidas Jaguarari e Olinto
Meira ficava o quadrilátero central das circunstâncias infantis. As
brincadeiras, as brigas, a correria, as quedas das árvores e dos muros,
tudo se projetando de forma diferente e incômoda nas lides da
atualidade. E tudo obtendo refluxos no inconsciente que se tenta
converter em arte.
No Barro Vermelho foi onde tive ciência da
poesia da vida e da poesia dos livros, da arte literária. Lá foi onde vi
e ouvi Gilberto Avelino cantando elegias. Foi ali onde recebi os poemas
mágicos e os conselhos de Luís Carlos Guimarães. É do Barro Vermelho a
história cotidiana que nos conta incessantemente Woden Madruga, sem
esquecer que o hoje logo se transfere para a memória e toma outros nomes
que ainda não aprendemos. Só a mudança do tempo nos ensina e nos dita,
trazendo a inexorabilidade dos caminhos desconhecidos.
Também não
consigo afastar as lembranças das caminhadas debaixo da luminosidade
solar e pisando no chão de poeiras quentes e pedras de fogo do Seridó.
Jamais deixarão de ter lugar em minha mente as imagens do povo forte e
da rusticidade das cenas em tons pastéis. Os açudes, em períodos de
secas ou cheias, sempre transbordando imaginações supersticiosas dos
meus quereres afogados. As primeiras maravilhas sensuais das meninas nas
canoas ou nas redes de tornos e entornos. Os passarinhos que ainda
passeiam nas ventanias do meio-dia da minha existência.
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