Valério Mesquita*
As minhas sensações se revezam depressa. Por mais que me esforce,
não consigo me fixar em coisa alguma. Se penso ou sinto algum tema, deduzo que
tudo será esquecido e me calculo inútil. Esse prelúdio indefectível talvez
chegue a algum lugar. Gostaria de denunciar, por exemplo, aquilo que muitos já
fizeram: a deterioração institucional do país que teve quebrados todos os
padrões éticos e estéticos. A fragilidade e a inoperância dos poderes se
tornaram tão patentes que já se comentam medidas autoritárias. Continuo
pensando que é preciso urgentemente humanizar o político brasileiro. Ele mesmo
animalizou os seus traços.
Quando me apetece voltar a suplicar às autoridades públicas e
privadas a restauração do empório dos Guarapes, onde o pioneiro e gigante
desbravador Fabrício Gomes Pedroza ambientou um dos mais avassaladores domínios
comerciais de que se tem notícia no estado, recebe-se em troca repetidamente a
leniência e a indiferença. Ai eu indago: pra que escrever mais? Pergunto-me se
não estou me transformando em esteta contemplativo com uma tendência zen. Mas,
continuarei lutando porque não é apenas um impulso da mente nem do corpo. Os
“Guarapes” representam para aqueles que o ignoram, o equilíbrio entre a beleza
e o passado.
Falar, por exemplo, das poças profundas de sangue que fluidificam
a área metropolitana da grande Natal. Nela a juventude continua sendo executada
nas ruas pelo cartel das drogas. Sinto que falecem os dons que me ligam a
Macaíba, hoje, tão irreconhecível a ponto de não me rever mais em suas paredes
e praças. A fuga é dormir à distância, debaixo de qualquer céu, como diria o
poeta. Minha terra padece de uma enfermidade física, orgânica, urbana,
suburbana, sensível, visível, palpável chamada “comércio de droga” que tem
escravizado e mutilado suas melhores tradições.
Poderia até discorrer sobre as opiniões e posturas dos políticos
potiguares de hoje frente ao processo sucessório que se aproxima, repleto de
humor e birra, de crise e melancolia, traição e maldição, que conduzem os
personagens e eleitores a becos sem saída. Os efeitos especiais empregados não
são improvisados. E parece que não há pressa em definir situações. Tudo deve ser
queimado subrepticiamente a fogo lento. Tem gente gastando anos luz para compor
o arquipélago da obra de chegar ao poder queimando incenso no velório da
própria aliança. Na política, sabemos que acidentes e incidentes nunca
surpreenderam ninguém. Todos têm rostos e máscaras. Trata-se de uma peça de
teatro onde o fascínio é exibido em prosa e gestos fesceninos. Que importa tudo
isso, se depois da tempestade todos se unirão novamente para começar tudo de
novo? O palco será o mesmo. Só muda a idade.
E o pugilo da saúde pública nos hospitais da capital? Esse merece
veemente repulsa. É um libelo à competência dos administradores. A situação
deplorável me infunde a convicção de que ninguém mais se comove com a dor
humana. O melhor homem é o homem morto. Vivo é desprezível. Doente e pobre, ele
fede. Onde deveriam remunerar melhor, paga-se pior e se gasta menos. Hospital
público é a antessala da morte iminente porque está desprovido das mínimas
condições de higiene e serviços. Denunciar o estado de calamidade não constitui
o meu propósito. Mas, apenas, lembrar ao leitor que o ser humano coisificou-se.
Deixou de ser carne inteligente. Hospital - lugar de repouso e cura - virou
empório do estado, verdadeiro guardador de rebanho, onde o pobre, sem nenhum
plano de saúde, tem defeito de circulação do sangue no corpo à alma. Tenho
dito.
(*) Escritor.
MERECIA TER SIDO CONVIDADO PARA CONDUZIR A TOCHA!
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