Meia-transa
Geraldo Duarte*
Dona
Néia, longeva parteira, depois de apalpar a grávida,
emitiu pensar: “Barrigão de caber gêmeos. Chame doutor
Lourival. Não vou desembuchar, só ajudar”.
1951.
Tempo longe de saber-se, o contido na barriga de mulher
prenhe. Distante da tecnologia avançada da
ultrassonografia.
Prognóstico
equivocado. Único nascituro. Menino pesando cinco quilos
e meio e medindo cinquenta e três centímetros. Um
“pequeno gigante” jactava-se o feliz pai ao riso da
orgulhosa mãe.
A Gazeta
de Notícias, na coluna de efemérides, publicou: “Dia 18,
sábado, o lar do senhor Fulano e de sua digna consorte,
senhora Sicrana, recebeu a chegada da cegonha. Trouxe
para o casal o robusto e gracioso garoto que, na pia
batismal, ganhará o nome de Atlas.”.
Com
poucos meses, os genitores, inscreveram a criança no
concurso nacional Bebê Johnson’s, que escolhia,
anualmente, a criancinha de maior beleza do País.
Aos
quinze anos, Atlas chegou à altura de um metro e meio e
peso de cinquenta e quatro quilos. Não mais cresceu, nem
engordou. E, assim, continuou após a maioridade.
Seu
biótipo contrastava totalmente com o do deus mitológico
grego, filho do titã
Jápeto e da oceânide Ásia, condenado por Zeus a sustentar os céus eternamente. Quando o
chamavam, o martírio dominava-o.
Decidiu
solucionar o problema. Buscou na Justiça a retificação
nominal. João, o novo nome. Mudou-se de cidade. Teria
outra vida, completamente liberto do infeliz Atlas.
A mudança
demonstrou-se pior. No emprego conseguido, encontrou um
“Castorina do Aracati” que o apelidou de Meia-f... ou,
para melhor compreensão sua, caro ledor, o relativo à
meia-transa.
*Geraldo Duarte é advogado, administrador e
dicionarista.
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