sábado, 5 de dezembro de 2015


 

Mundo Cordel
 – Marcos Mairton
CANTORIA DE EXCELÊNCIA

Diz a lenda que, certa vez, em um lugar frequentado por muitas autoridades, uma dupla de cantadores foi contratada para se apresentar, mostrando um pouco da arte do repente.
Depois de apresentarem sextilhas e setilhas, e de glosarem vários motes, à escolha dos organizadores do evento, chegou a hora do desafio.
Nesse momento, um dos convidados, tendo conhecimento de que às vezes os combates dos repentistas são um tanto renhidos, advertiu os artistas que mantivessem o embate em um nível adequado à respeitabilidade das autoridades presentes.
– Se possível, – disse o excelentíssimo convidado – seria interessante até que os senhores tratassem um ao outro por “vossa excelência”, como costumamos fazer entres nós.
Ouviram-se alguns aplausos à intervenção feita.
Enquanto isso, os cantadores entreolharam-se e fizeram aparentemente um sinal de positivo, com a cabeça. Um deles respondeu:
– Pode deixar, excelência, que aqui quem manda é o freguês.
E começaram:
Olho pra vossa excelência
E me dá até gastura.
Porque não tem compostura,
Nem respeito, nem decência.
Verdadeira excrescência,
Não cumpre o que é prometido,
Volta e meia anda metido
Em tudo que é obscuro
Por isso estou bem seguro:
Vossa Excelência é bandido!
Vossa excelência devia
Ter cuidado com o que diz,
Pra não ser tão infeliz
Nas coisas que pronuncia.
Quem tem a vossa mania
De roubar essa nação,
Não tem qualquer condição
De me chamar de bandido,
Pois é fato conhecido,
Vossa Excelência é ladrão!
Vossa excelência não tente
Por em mim o seu defeito,
Pois já conheço o seu jeito
Quando rouba e quando mente.
É ladrão reincidente,
Tirando de quem trabalha
Pra dividir com a gentalha
Que compõe sua quadrilha:
O filho, o genro e a filha,
Vossa excelência é canalha!
É melhor deixar em paz
Minha família decente,
Porque nela não tem gente
Que faça o que a sua faz.
Vivem por aqui, atrás
De pegar um descuidado.
É mãe, é filho, é cunhado,
Um bando de vigaristas.
E o chefe desses golpistas,
Vossa excelência, um safado!
Vossa excelência extrapola
Toda minha paciência,
Mas assim vossa excelência,
Se compromete e se enrola.
Vou lhe pegar pela gola,
E jogar dentro do esgoto,
Fedorento, sujo e roto.
E será bem merecido,
Pois, além de ser bandido,
Vossa excelência é um escroto!
Não pense, vossa excelência,
Que me assusta ou me faz medo.
Levantando esse seu dedo,
Prometendo violência!
Conheço toda a sequência
Dessa sua encenação.
Quer bancar o valentão
Mas apanha da mulher
Digo aqui o que eu quiser:
Vossa excelência é um cagão!
Cabra safado, ladrão,
Sujeito de má conduta!
Sua mãe é prostituta,
O seu pai é cafetão!
Não vou lhe meter a mão
Porque sei que você gosta.
No lugar onde se encosta
Fica uma mancha fedendo,
Que todos fiquem sabendo:
Vossa excelência é um bosta!
A essa altura do desafio, tinha gente que aplaudia e dava risada, dizendo que os cantadores levaram muito a sério o pedido para que mantivessem o nível do desafio à altura dos convidados.
Coincidência ou não, o convidado que havia dado a sugestão de os cantadores se tratarem por excelência já havia saído, demonstrando certo constrangimento. Seguiu em direção ao estacionamento, acompanhado por uma fila de excelências menores, que lhe prestavam homenagem.
Os cantadores ainda tinham munição para levar longe a batalha, mas mestre de cerimônias interrompeu os cantadores e os parabenizou, dando por encerrada a peleja.
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Colaboração de Odúlio Botelho

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