A PROIBIÇÃO
José Beltrão, um rico
fazendeiro nordestino, costumava convidar o padre da cidade para o almoço do
domingo em sua fazenda. Certo dia precisou viajar, a negócios, para outro
Estado, e, já bem distante de casa, lembrou-se de mandar umas ordens a Elvira,
sua jovem mulher. Através do seu fiel escudeiro, o capataz Sávio, mandou
proibir a mulher de receber em casa o padre da Paróquia, durante sua ausência.
Por outro lado, ela estava proibida também de ir à casa do padre, e até de
conversar com ele, enquanto o marido não voltasse.
O empregado voltou
depressa, para transmitir a Elvira as ordens do patrão. No caminho, sentiu-se
intrigado com a estranha atitude do seu amo, e concluiu que ele estava
desconfiado da fidelidade da mulher. Com certeza, estava com ciúme do jovem
padre, um tipo viçoso e envolvente. O fiel escudeiro, então, resolveu modificar
a proibição do patrão. Sabia que certas mulheres não aceitam ordens. Fazem
exatamente o contrário daquilo que lhes é proibido. Muito astucioso, o
empregado mudou o recado.
Ao ver a esposa do
patrão, o empregado foi logo questionado por ela:
– Por que você voltou
tão depressa, Sávio?
– Voltei para dar um
recado à senhora. Meu amo mandou lhe recomendar que, durante a ausência dele,
não brinque com Zorro, o molosso. Pede que a senhora não o monte, pois teme que
ele a agrida e lhe cause algum dano.
Molossos são um grupo
de cães de físico forte. São sólidos e compactos, e pesam em torno de 48 a 60
quilogramas. Por serem muito grandes, subjugam o oponente com facilidade,
tornando difícil a reação. Seu ataque é fulminante. Sua cabeça não é muito
grande, mas possuem uma enorme boca, com dentes capazes de triturar ossos.
Cães desse tipo eram
usados pelos romanos, gregos e assírios como máquinas de guerra, para proteção
de rebanhos, e nas arenas para lutar contra leões, ursos e outros cães.
Molosso, portanto, é
um cão de fila, de grande porte, acostumado às rédeas.
A mulher estranhou a
ordem do marido, transmitida pelo empregado, pois nunca havia se aproximado do
molosso. Nunca havia tido vontade de acariciá-lo, nem de montá-lo. Essa ordem
era desnecessária, e só serviu para deixar Elvira irritada.
Mal o empregado pegou a estrada de volta, a mulher teve a curiosidade de se aproximar de Zorro, o molosso. Pegou pedaços de bolo para distribuir com todos os cachorros, coisa que nunca fizera antes. Ficou admirada com a alegria deles, balançando a cauda, num sinal de agradecimento pela comida recebida. Gratificada com a receptividade dos cachorros, Elvira repetiu a distribuição de pedaços de bolo, até notar que eles estavam saciados. Não sentiu nenhuma agressividade por parte dos animais. Pelo contrário, eram todos muito dóceis, inclusive Zorro, o molosso, que lhe despertou um carinho especial. Elvira sentou-se nas suas costas, apertando-as com os quadris. De repente, o animal se enfureceu , arreganhou os dentes e cravou-os no seu braço direito. Outros empregados da fazenda dominaram o molosso, para que largasse o braço de Elvira. O sangue jorrou e o estrago foi grande, sendo preciso chamar um médico para socorrê-la.
Ao retornar da
viagem, o fazendeiro encontrou a esposa de cama e muito abatida, com um grande
curativo no braço.
Ao vê-lo, a mulher
falou revoltada:
– Agradeço a você
esse vexame que eu passei! Se eu não tivesse recebido aquela ordem de não me
aproximar do molosso, jamais isso teria acontecido. Eu nunca teria tido a ideia
de montar o Zorro!!!
Intrigado com o que
ouviu, o fazendeiro procurou Sávio, para esclarecer essa história. O homem, ao
ver o patrão, procurou logo se justificar:
– O senhor mandou
ordenar à patroa que não recebesse o padre em sua casa, na sua ausência. Como
eu sei que o costume das mulheres é fazer o que lhe proíbem, eu mudei o recado.
Se eu tivesse dado o recado certo, ela teria introduzido o padre na sua casa, e
só Deus sabe o que teria acontecido! Eu quis evitar que o senhor corresse o
risco de ser corno. Com a proibição de se aproximar do molosso, ela sentiu
vontade de acariciá-lo e até de montá-lo, o que resultou na fúria e mordidas do
animal.
José Beltrão ficou
pensativo e viu que Sávio, seu fiel escudeiro, tinha razão. O seu verdadeiro
recado poderia ter provocado coisa pior…
O empregado teve a
melhor das intenções… E as mordidas do molosso não trouxeram ao fazendeiro
nenhum peso na cabeça…
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