sexta-feira, 17 de julho de 2015

   
Marcelo Alves



Os valores do Direito


Na semana passada, escrevi aqui sobre o “conceito de Direito”, registrando a advertência de Immanuel Kant (1724-1804) - para mim, corretíssima - de que “ainda procuram os juristas uma definição do seu conceito de Direito”. Vou continuar hoje na mesma toada, mais uma vez escrevendo, numa linguagem bem coloquial, sobre “filosofia do direito”, desta feita apontando (e comentando um pouquinho) alguns “valores” aos quais o Direito - e, por conseguinte o seu criador/interprete/aplicador -, deve sempre visar. A lista dos valores aqui apontados, registro desde já, antes que alguém reclame, é apenas exemplificativa.

Na minha lista, o primeiro valor a que o Direito deve visar é a estabilidade. Um direito estável é salutar para qualquer país. A instabilidade, com regras de direito constantemente reformuladas e aplicadas de maneira inconsistente, prejudica muito a confiabilidade no sistema (Infelizmente, sofre o nosso sistema jurídico, num grau altíssimo, do problema da instabilidade. O Brasil, por exemplo, ao longo de sua curta existência como país independente, cerca de 200 anos, já teve várias constituições, ao contrário, por exemplo, dos Estados Unidos, país um pouco mais velho, que, até hoje, mantém a primeira Constituição. A mesma coisa se dá no plano jurisprudencial, bastando citar que, no Brasil, a sorte dos litigantes fica muito ao sabor das frequentes mudanças das composições dos tribunais e das mudanças de entendimento decorrentes disso).

Um segundo valor que deve ser perquirido por nós (operadores do Direito), que está interligado à estabilidade, é a previsibilidade ou a certeza do Direito. Um direito estável estabelece a pretensão de que é uma verdade válida não apenas para hoje, mas também - e aí entra previsibilidade - para o futuro, em todos casos iguais ou parecidos. Disse Eugen Ehrlich (1862-1922), um dos fundadores da jurisprudência sociológica, em “Fundamentos da sociologia do direito” (texto constante do livro “Os grandes filósofos do direito”, publicado pela editora Martins Fontes), em prol da previsibilidade: “há uma grande necessidade social de normas estáveis, o que torna possível, em certa medida, prever e predizer as decisões e, desse modo, colocar um homem em condições de tomar as providências necessárias de acordo com isso”.

Um terceiro valor é a transparência no Direito, que é exigida pela famosa “rule of law” e em qualquer estado democrático de direito, como instrumento de equilíbrio nas relações entre os jurisdicionados e entre estes e o Estado. O Direito - e falo aqui tanto do direito legislado como do direito “judicial” - deve ser devidamente publicizado e o acesso à informação facilmente garantido, proporcionando o controle da atividade jurídica estatal tanto por instituições oficiais (a exemplo do Ministério Público, dos Tribunais de Contas, das Corregedorias, das Ouvidorias etc) como pelo cidadão comum.

Um quarto valor, não menos importante, é a celeridade. No que toca à atividade jurisdicional (ambiente em que morosidade é mais visível), considerando tanto a ótica do consumidor dos serviços judiciários como a própria administração da Justiça e pensando, realmente, num processo (civil ou penal) de resultados, não haverá o devido acesso à justiça se a prestação jurisdicional é dada tardiamente. Para o bem do jurisdicionado e da própria administração da Justiça, o processo deve encerrar-se no menor lapso de tempo possível. E é um objetivo a ser perseguido tanto com a adoção de institutos que impeçam situações meramente protelatórias como também com a utilização de mecanismos ou critérios que poupem tempo e energia na solução dos casos.

Por fim, a igualdade, o “fundamento último” da justiça. O princípio da igualdade perante a lei - proclamado em termos jurídicos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), art. VII - vem sendo consagrado, como um verdadeiro dogma político e jurídico, nas mais diversas constituições, dos mais diversos países, como é o caso da Constituição brasileira de 1988. Pode-se dizer, sem medo de errar, que é uma afirmação presente nos ordenamentos jurídicos de todos os países democráticos. É importante registrar que o princípio da igualdade perante a lei, até por uma questão de psicologia social, não pode ficar apenas no plano normativo. Dar soluções contrárias a situações iguais ou parecidas não pareceria direito, mas sim pura arbitrariedade. O valor “igualdade”, portanto, deve ter lugar de destaque na solução dos casos concretos na vida em sociedade. Afinal, como José Alberto dos Reis (1875-1955) certa vez indagou (apud Roberto Rosas e Paulo Cezar Aragão, em “Comentários do Código de Processo Civil”, editora Revista do Tribunais): “que importa a lei ser igual para todos, se for aplicada de modo diferente a casos análogos?”.

Bom, não conheço uma regra de ouro para o Direito. Mas estou certo que a exigência de “Justiça” (esse conceito etéreo que talvez nunca saberemos precisamente definir), em torno da qual gira o mundo do Direito (e seus atores: legisladores, acadêmicos, juízes, advogados etc.), será melhor alcançada na proporção em que fomentados valores como estabilidade previsibilidade, transparência, celeridade e igualdade.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

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