sexta-feira, 22 de maio de 2015






POBRE FOLHA

Pobre folha de livro alva e singela,
Negou-te amparo o pérfido destino.
Em vez de um sonho argênteo, cristalino
Que te adornasse de um fulgor de estrela

Em vez da frase comovente e bela
Meigo produto de um sentir divino,
Ou de um poeta o verso diamantino
Que as rimas de ouro a perfeição revela.

Eis sobre ti a minha humilde pena:
Pesares, mágoas, infortúnios, tudo
Hás de agora sentir, oh folha amena.

Tenho pena de ti, foge-me a calma,
Em vez de transparências de veludo,
Tiveste a sorte de abrigar minh’alma.

O poema que inicia esta matéria, é de autoria da cearamirinense, ADELLE SOBRAL DE OLIVEIRA, professora, poeta, jornalista e a primeira feminista do Rio Grande do Norte, que hoje estaria aniversariando.
A poeta, que era grande em tudo o que fazia, recebeu homenagens do Ceará-Mirim, entre as quais o patronato de uma Escola municipal e a instituição do concurso literário “Adelle de Oliveira”.
Entre os seus afazeres, editava e distribuía um jornalzinho, denominado “O Sonho” – feito à mão, com letra irrepreensível – com circulação no Ceará-Mirim, durante os anos 1905 a 1909, cujas cópias dos originais – em poder do seu sobrinho, o Acadêmico Ciro José Tavares – ilustra esta matéria.
Conheçamos a poeta através de alguns trechos biográficos escolhidos entre as muitas matérias publicadas sobre ela.

– EDNA MARIA RANGEL DE SÁ GOMES, in “Adelle de Oliveira: Retalhos de Sonhos (1900-1940)”, tese de pós-graduação apresentada na UFRN, Natal/Rn 2009. Disponibilizada no sítio: http://repositorio.ufrn.br:8080/jspui/bitstream/123456789/14216/1/EdnaMRSG.pdf
“Filha de João Henrique de Oliveira, homem franzino, estatura mediana e pele muito clara, e de Ana Sobral de Oliveira, moça pequena e muito branca, nasceu a poetisa Adelle Sobral de Oliveira, em Villar, um lugarejo de Ceará Mirim, no Rio Grande do Norte, em 22 de maio de 1884. Teve duas irmãs, Anita e Maria Tereza, a Mariê. Ainda criança, por volta de 1889, quando tinha, então, cinco anos, foi com os pais e as irmãs para Belém do Pará. Seu pai, de reconhecida natureza nômade, decide ir em busca da riqueza regional, decorrente do ciclo da borracha, divulgada por parentes estabelecidos na citada região. Ali, estudou as primeiras letras, voltando já moça, em 1899, aos quinze anos, para Ceará Mirim, quando seu pai, vitimado por uma das agressivas doenças tropicais, decide que regressarão para o Vale na esperança de cura e de uma vida normal. Porém, o avançado estágio da doença e seu debilitado estado geral de saúde fazem com que ele venha falecer durante a viagem de navio e seja sepultado, para a tristeza de Ana, mãe de Adelle, nas profundezas do oceano.
Em Ceará-Mirim, órfã, e sem mesmo um corpo para enterrar, sem um túmulo onde rezar e depositar flores, a família é acolhida com carinho no engenho O Cumbe e na ampla casa da rua São José, pelos padrinhos de Adelle, Ângelo Varella e Maria Augusta, que tentam suprir todas as suas necessidades, materiais e emocionais.
A morte do pai, a infindável tristeza da mãe, sempre traduzida em orações, lágrimas constantes e isolamento, e as desventuras e decepções da irmã Anita, aproximam Adelle, ainda mais, da religiosidade numa tentativa de superar a dor e parecem ter feito da doce menina uma mulher arredia, silenciosa, reservada, que não queria ser vista. Talvez tenham surgido daí a fala sussurrante, os passos delicados e o adejar com que sua figura é sempre descrita por seus ex-alunos e por quem a conheceu.
Outro detalhe sobre Adelle de Oliveira é que esta se negava irredutivelmente a tirar fotografias, o que explica não encontrarmos nenhuma foto sua durante nossas pesquisas, embora as pessoas sempre a descrevam como uma moça franzina, de cabelos pretos e lisos e belas feições pequenas e delicadas, que andava sempre vestida elegantemente.” [...]

– FRANCISCO MONTENEGRO, in “Itinerário Sentimental do Ceará-Mirim”, Academia Pernambucana de Letras, 1965, pag. 16 – citado na tese apresentada por Edna Maria de Sá Gomes.
“A última estação é a casa da professora Adelle de Oliveira, professora de Nilo Pereira na escola primária do Ceará-Mirim. Ainda no Recife, muitas vezes, em ocasiões as mais diversas, em Natal, até no avião onde quase não se fala – e não preciso explicar porque –, Nilo Pereira não se cansa de me dizer: você não pode deixar de conhecer Adelle de Oliveira. É mais um anjo do que uma pessoa. O anjo da escola, diz-me ainda Nilo. E é mesmo. Recebe Nilo como uma mãe carinhosa recebe o filho querido. Beija-o com a maior ternura de mãe e se dirige a mim como se fôssemos velhos amigos. Leio-lhe a página 27 da Evocação do Ceará-Mirim. Leio de pé. Todos ficam de pé. “Adelle de Oliveira, a primeira professora, guarda a fisionomia translúcida da poetisa que sempre foi. Seus olhos se fixam melhor no passado. Suas mãos adejam como asas. Seus gestos têm oscilações liriais procurando o ponto de apoio na realidade ida e vivida. Ela é todo um poema de transparência e de ternura, como a restituir ao mundo dilacerado e aflito a confiança da bondade humana”.
Adelle de Oliveira – mais um anjo do que uma pessoa – enche de evocação aquela casa que já é em si uma evocação. Fala do passado e faz o passado presente. Ilumina tudo com a força do seu poder evocativo e nos enche de confiança na bondade humana. Em Adelle de Oliveira o lirismo é o sangue que corre em suas veias. A ternura humana enche-lhe o coração todo. Fez de sua vida, a vida dos outros. Quando Nilo fala de seus poemas ou de seus sonetos ela acha que aquilo tudo não vale nada. Na verdade, seu grande poema é a vida. Foi principalmente a vida dos outros que ela viveu. Hoje são muitos que vivem a sua vida. São muitos os discípulos, espalhados por todos os lados, que ainda se sustentam das suas lições, do seu lirismo e da sua ternura. Não há ninguém que tenha tido em criança a alma tratada por aquelas mãos para não ter levado delas alguma coisa, para não ter se impregnado do seu espírito, para não ter sido tocado pela sua ternura e pela sua bondade [...] Ao deixarmos a casa de Adelle de Oliveira, não sentíamos o chão sob os nossos pés. Estávamos suspensos. Adelle de Oliveira não fora o anjo das escolas, como Santo Tomás de Aquino, mas o anjo da escola, torna a dizer Nilo Pereira. Adelle de Oliveira é uma flor do Vale – do Vale do Ceará-Mirim. Uma flor que não pode florescer no asfalto. Não é flor da cidade nem da civilização.”
– GUMERCINDO SARAIVA – Matéria publicada no jornal “A Tribuna do Norte”, edição de 13 de março de 1983.
“A MAIOR POETISA CEARAMIRINENSE – Maior no sentido estético, na filosofia das belas artes, Adelle de Oliveira viveu princesa em Ceará-Mirim, sua terra, fazendo crescer ali um magistério. Um mundo de inteligência, por onde passaram vultos que hoje engrandecem a cultura potiguar. Mais tarde, morreu rainha, sentada num trono de glória, após ter cumprido sua missão no professorado da terra.
O ineditismo na vida intelectual de Adelle de Oliveira é um fato que deveria ser estudado separadamente, visto que há muita versão e mesmo depois de muitas entrevistas com a poetisa jamais ela revelou, aquela simplicidade quase irritante. E, como dissemos-lhe certa vez, [...] jamais compreendíamos a sua vida enclausurada, isto é, afastando-se voluntariamente do grupo de intelectuais de sua época, oportunidade em que era sempre visitada por Otoniel Menezes, João Estevão Gomes da Silva, dr. Abner de Britto, Marcos falcão, Nascimento Fernandes e tantos admiradores que visitavam a terra de Edgar Barbosa e Nilo Pereira.”

– NILO PEREIRA - no seu livro “Imagens do Ceará-Mirim” – sobre Adelle de Oliveira, sua ex-professora:
“Seria imperdoável dessa vez, não remontar as origens e remontar as origens, era, no caso, beijar as mãos que pôs diante dos olhos do menino tímido a carta do ABC, que os tempos e a Pedagogia condenaram, mas sem matar a poesia daquela orquestração infantil, ingênua e doce com que aprendíamos cantando, e cantando íamos tomando contato com a beleza da língua, onde a poesia é a expressão mais bela, mais rica, mais profunda. Adelle de Oliveira, minha professora, guardo a fisionomia translúcida da poetisa que sempre foi. Ela toda é um poema de transparência e de ternura. Mulher lirial que nos animou os passos da primeira jornada.”

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