Públio José – jornalista
Uma das piores chagas sociais que atinge a humanidade é o
analfabetismo. E seus efeitos se tornam ainda mais dolorosos porque o
analfabetismo não escandaliza a mais ninguém. Ao longo do tempo
tornou-se um cadáver insepulto, um tipo de paciente que perdeu a
capacidade de tocar as pessoas, de fazê-las reagir aos seus pedidos de
socorro. Na verdade, o analfabetismo é como um local putrefato no qual
as pessoas que nele estão já se acostumaram com o odor que impera no
ambiente. As narinas já não reagem mais à acidez que domina o lugar. E,
com o passar dos dias, e diante dos atuais avanços tecnológicos, mais se
acentua a distância que separa o analfabeto dos demais seres viventes
deste mundo. Por outro lado, os esforços aplicados na sua solução têm
apresentado, até o presente, resultados muito aquém do esperado,
enquanto suas conseqüências se alastram feito pingo de tinta no papel.
A
UNESCO já na quarta edição do Relatório Global de Monitoramento da
Educação para Todos atentava para o caráter doloroso do tema. O
documento de nome bonito e pomposo objetiva alertar governos e entidades
civis a respeito da gravidade da situação. Lamentável, para nós
brasileiros, é a posição ocupada pelo Brasil no citado documento. Lá
está registrado: no Brasil, e em mais outros onze países, é onde se
concentram três quartos de todos os analfabetos do mundo. Independente
das mazelas apontadas no Relatório Global de Monitoramento da UNESCO, o
grande estigma que dilacera o analfabetismo é a leitura piegas,
desfocada, piedosa, meramente assistencialista que governos e entidades
civis fazem do problema. Insistem em alfabetizar por um ato de
misericórdia, como uma esmola, quando a alfabetização representa, de
fato, um fator inerente à economia de uma região.
E estão nesse rumo as conclusões finais do documento da UNESCO. Lá está
consignado que “o analfabetismo prejudica os esforços globais para
reduzir pela metade a pobreza no mundo dentro de uma década”. Pela
leitura vê-se, então, que o analfabetismo termina por ser causa e efeito
de sua própria desgraça, pois, além de carregar em si mesmo a cruz da
separação, da segregação, da dificuldade do analfabeto em existir como
elemento profissional, ainda impede que a ação governamental se interne
nos guetos para a erradicação da pobreza. Não é à toa, portanto, que o
documento ainda arremata: “A poderosa ligação existente entre a
alfabetização de adultos e uma melhor saúde, maior renda, uma cidadania
mais ativa e a educação das crianças, deveria funcionar como forte
incentivo para que governos e doadores sejam mais pró-ativos”. Porque?
Porque
alfabetizar faz bem, gera renda, diminui a marginalidade, eleva a
auto-estima individual e melhora os índices de qualidade de vida onde
sua ação é implementada. No entanto, as estatísticas, ao contrário, e
por enquanto, são de estarrecer: cerca de 20% da população mundial,
segundo o relatório, ainda são constituídos de analfabetos e mais de 100
milhões de crianças em idade escolar estão fora das salas de aula. O
Brasil, por sua vez, tem presença assegurada, de forma negativa, nesse
ranking, fazendo companhia a países como Índia, China, Bangladesh,
Paquistão, Nigéria, Etiópia, Indonésia, Egito, Irã, Marrocos e República
Democrática do Congo. Sinal de que, em se tratando de alfabetização,
nossas prioridades estão bem próximas das metas estabelecidas por esses
países. Ou por outra: pobres dos nossos analfabetos. Continuarão, por
longo tempo, em péssima companhia.
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