A DIVISÃO DAS
ESQUERDAS E A DISPUTA ELEITORAL
Seria uma mera alegoria considerar a plenitude
intelectual marxista, sem que haja o descortino da frágil formação política,
dado a restrita literatura disponível e a prática sofrível a que todos
socorremos, em que pese o baluartismo da militância contra a ditadura,
empreendida nos anos dourados do entusiasmo juvenil. Não foi diferente ao tempo
do exercício profissional, dada a cavilação pessoal de se tornar um espécime
raro entre os pares. O movimento sindical e profissional, por força do corporativismo
infantil originário e dos limites legais que o cercam, deu experiências factuais.
Por fim, chega-se à idade da razão.
Dada a falta
de formação teórico-acadêmica, fato agravado pelos preconceitos que sobejam,
mesmo assim restou o bom senso da vida vivida de parte de quem, vez por outra, se
valeu da criatividade exposta pela dúvida, em busca de respostas compatíveis. Uma
delas que instigaram desde cedo essa procura foi a divisão que reina no engajamento
político das esquerdas, observável a partir da organização dos trabalhadores,
com a criação da Associação Internacional dos Trabalhadores em 1864. Ali, dentre
as correntes de pensamento, duas se destacaram: de um lado, os socialistas
seguidores de Carl Marx e, de outro lado, os anarquistas,
liderados por Bakunin. Foi a época da Primeira Internacional que teve vida
efêmera. As fronteiras entre elas ficaram definidas.
Após a morte
de Marx, com a presença marcante de Engels e Kaustky, excluídos os anarquistas,
surgiu a Segunda Internacional (1889), também chamada Internacional Socialista,
onde proliferavam diversas correntes de pensamento, tais como: os revisionistas
(Berntein); os reformistas (ortodoxos), com Kaustsky; e os integrantes do
revolucionarismo, sob a liderança de Lenin que, após o êxito da Revolução Bolchevista
na Rússia (1919) iriam constituir a Internacional Comunista e modular e
disseminar os partidos comunistas contrários à socialdemocracia.
Com a morte
de Lênin, os bolcheviques russos, seus seguidores, se dividiram. Uma ala, ao
centro, sob a liderança de Stalin, inicialmente, afastou a facção mais à esquerda,
esta liderada por Trotski, o qual veio a fundar a Quarta Internacional (1938).
Depois seguiu-se a eliminação do grupo bolchevique de Bukharin, mais à direita,
dando-se o aniquilamento dos seus notáveis.
A par da divergência
interna do pensamento entre os bolcheviques russos, internacionalmente
destacaram-se as formulações divergentes de Gramsci, na Itália, e da polonesa
Rosa Luxemburgo, cujos fundamentos desapontavam a política bolchevique. Deve-se
lembrar também a presença dos socialistas democráticos, ou austromarxistas
(Otto Bauer), conhecidos por “Nova Esquerda”, bem assim da chamada “terceira
via”, situada entre a socialdemocracia e os comunistas, que predominou dentre
os eurocomunistas (Berlinguer). Possível registrar ainda o Maoísmo, com
influência entre intelectuais e estudantes na década de 1960, ou o “socialismo
autogestionário”, com influência a partir da Iugoslávia, com formulação
cooperativada de uma economia menos estatal. Há também a “socialdemocracia
clássica” que predominou na Suécia, com viés de maior regulação na economia e
menos intervenção, diferentemente da “Terceira Via”, a qual influiu na
Inglaterra de Tony Blair, ou o “Novo Centro”, na Alemanha de Gerard Schroeder.
Pode-se, finalmente, lembrar o “socialismo-liberal” objeto do pensamento de Noberto
Bobbio, a partir da Itália contemporânea.
Razão ocorre
a Eric Hobsbawn, em sua História do Marxismo, que agora chega às livrarias do
Brasil, ao afirmar que não é pertinente falar-se de um movimento marxista
único, quer seja na práxis, quer seja na sua maturação acadêmica, que perpassa
desde a Escola de Frankfurt (Junger Habemas), indo por George Lukács e Louis
Althusser.
Não é motivo
de estupefação, pois, a diversidade convergente das correntes de pensamento
político, estampada na última disputa eleitoral no Brasil, sediadas todas no
campo plúrimo da esquerda democrática. A presença de Luciana Genro (PSOL); de
Eduardo Jorge (PV); de Eduardo Campos (PSB); de Marina Silva (REDE); Aécio
Neves (PSDB); e por Dilma Roussef (PT), pautaram suas falas ao largo das fronteiras
excludentes do pensamento fascista, golpista, ou simploriamente conservador.
Por mais diferenciadas que se intencionassem, as candidaturas de Zé Maria
(PSTU); Mauro Iasi (PCB); e Rui Pimenta (PCO), não alteraram o quadro normativo
da disputa, nem se insurgiram contra o pluralismo de pensamento e prática
democráticos. A pobreza do debate é um outro problema.
No
hebdomadário que publicamos neste diário (JH de 24/09), registramos a esperança
de a disputa eleitoral não se limitar aos maus augúrios da “vitória pela
vitória”, a luta histérica de líderes sem vocação, iracundos e ignorantes, a
qualquer custo, independentemente do resultado que foi proclamado afinal. Tínhamos
por referência as dificuldades enfrentadas pelo povo italiano, a fim de recompor
a unidade de forças progressistas e convergentes, embora diferenciadas, necessárias
à superação dos efeitos da guerra e da intervenção nazista na Itália daquela
época. Entre nós e agora, as dificuldades políticas são de outra monta, mas não
menos ponderáveis. Exigem o reconhecimento da democracia como valor universal e
o reconhecimento do papel do adversário, a fim de se estabelecer o debate e encontrar
os novos caminhos a seguir.
O resultado
do pleito, em destaque as forças que se igualaram no segundo turno, facilita
compor o campo político a ser travado, a par de diversas forças que se propõem
a avançar. Inexiste na atualidade núcleo
político hegemônico que por si só se atreva a dessinventar as trevas. Segundo o
amigo e pensador Cláudio Oliveira, em matéria que me enviou pela internet, “Ou
reconhecemos o pluralismo no campo da esquerda e busquemos uma convivência democrática
e respeitosa ou teremos de inventar um “esquerdômetro”, um aparelho capaz de
identificar a “verdadeira esquerda” e a “linha justa”, cuja experiência de
partido único na Europa do leste não foi das mais exultantes”. Esse o desafio.
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