segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Gileno Guanabara


 O  ‘F I C O’  E   A  I N D E P E N D Ê N C I A
Por Gileno Guanabara, sócio efetivo do IHGRN

            Em setembro de 1831, o príncipe D. Pedro, ex-Imperador do Brasil, encontrava-se em Chateau de Meudon, próximo à Nante, na França. Pelas notícias, que recebia, vinham à baila intensas polêmicas acerca da autoria do proclamado ‘Fico’, a fundação do Império e a paternidade do 7 de setembro. Perduravam os embates calorosos, de um lado, Antônio Carlos que atribuía aos paulistas, mais precisamente ao irmão, José Bonifácio, o feito da Independência. De outro lado, José Clemente Pereira protestava. Para ele, a criação do Império se devia ao Senado da Câmara do Rio de Janeiro, cuja presidência, à época, estava sob seu comando, no ano de 1822. Gonçalves Ledo, citando fatos e documentos, atribuía à Maçonaria os atributos de fundação da monarquia brasileira. O calor dos debates chegava à imprensa. Eram passados dez anos e a quem atribuir o feito da Independência?

Nos debates, o nome do ex-Imperador nem sempre era lembrado. Ao contrário, era evitado nas hipóteses em confronto. No entanto, o livro de A. D. Pascual, Rasgos Memoráveis de D. Pedro I (Ed. Laemert, 1864), transcreve uma carta do imperador, dirigida a José Clemente, publicada na imprensa, com data de setembro de 1831. Dizia  o ex-Imperador na missiva: Meu amigo – Muito lhe agradeço as boas notícias que me dá de meus amados filhos, e igualmente a da aprovação do Tutor, que me escreverá afim de aliviar, se possível, algum tanto, as saudades de meus filhos que dilacerão este meu INARREBENTÁVEL coração... Eu tomo pelo Brasil aquelle mesmo vivo interesse que sempre tomei, e mui principalmente no dia de amanhan, em que faz anos que eu, e só eu, declarei no alto do Ipiranga a independência do mesmo Brasil. 

            Decorrido tanto tempo e o assunto ainda pautava com veemência as discussões no Parlamento. O Jornal do Comércio (junho de 1841) publicou o discurso que José Clemente Pereira fez na Câmara, pondo um fim no disse que disse. Na época, era Ministro da Guerra, e o fez em resposta ao deputado Antônio Carlos: O nobre deputado, por ocasião de uma declaração que fiz de ter tido eu a principal parte na representação para a convocação de uma Assembléia no Brasil...que eu me referia ao dia 9 de janeiro – dia do Fico – e que em ser assim, queria reclamar, porque a glória de preferência, neste caso, pertencia a São Paulo e não ao Rio de Janeiro...

E prosseguiu o Ministro: ... mas se é necessário que alguém tenha a prioridade, há de permitir-me o nobre deputado que o conteste e que diga que ela pertence aos fluminenses (apoiados)...e não há dúvida, que a representação por parte da província do Rio de Janeiro teve lugar em 9 de janeiro de 1822 e que a representação por parte de S. Paulo teve lugar dias depois...

Mesmo diante dos apartes e contraditas do plenário – cala-te...cala-te..., o orador sequenciou sua peroração: Perdoe-me; a sua representação teve lugar dias depois de 9 de janeiro.

O discurso histórico do então Ministro assegurou que no dia 22 de dezembro de 1821 seguiu um comissário do Rio de Janeiro, a fim de convidar São Paulo a cooperar e enviar sua representação. E mais: antes do dia 15 de dezembro, confessou o orador, que era, na época, presidente do Senado da Câmara, ter sido visitado em sua casa por José Mariano, a fim de lhe consultar sobre um pedido a ser feito pessoalmente ao Príncipe Regente para ficar entre nós, de acordo com os interesses do Brasil. Retrucou o visitado, que embora concordasse, mesmo assim não julgava prudente ser o pedido exclusivo do Rio de Janeiro, dado o temor da presença e intervenção da força portuguesa naquela província. Daí as consultas formuladas as demais Província, São Paulo e Minas, e o aguardo de suas manifestações.

Diante da dubiedade do Príncipe Regente em ir para Portugal ou ficar no Brasil, visitas e articulações iam se sucedendo e, afinal, na casa de José Mariano, com a presença de José Joaquim da Rocha e do frei Francisco de Sampaio, foi redigida a nota de intenção, a qual foi lida solenemente e apresentada, no dia 9 de janeiro, na presença de mais de sessenta cidadãos, dentre os melhores e o povo, mesmo diante da iminente ameaça de intervenção da força portuguesa.

Nesse dia em que se deu o relato histórico e conclusivo feito por José Clemente Pereira, o bravo deputado Antônio Carlos calou fundo e silenciou. Ponderou apenas É verdade, num tom de convencimento. Domiciano Cardoso, repórter e cronista, fez constar em relação ao Fico: Tanto os estudiosos como os sabedores da História do Brasil não ignoram que o ‘Fico’ acelerou a nossa Independência.

Desde a Inconfidência Mineira pairava no ar as nuvens da independência do Brasil a Portugal. O Príncipe alternava entre o medo de perder o direito hereditário ao trono português e o de fundar um novo império, o do Brasil. Atava-se às campanhas pela Independência, enquanto ululava em carta ao seu pai, D. João VI, de quem era mandatário, a não se insurgir contra a metrópole: ...A independência tem se querido cobrir commigo e com a tropa; com nenhum conseguiu nem conseguirá, porque - a minha honra e a dela  - é maior que todo o Brasil., escreveu o monarca. Ou repetiria, com o mesmo sentido: ...enquanto estiver com todas as minhas forças, a declaração da independência não será feita.

Diante da agitação nativista e das intenções furiosas da Corte portuguesa, o manifesto lavrado no dia 9 de janeiro, com o consenso dos representantes das Províncias consultadas, das elites e, no dia seguinte, lido no Parlamento no Rio de Janeiro, tornou-se o Edital do Senado da Câmara. Portanto, o dia 10 de janeiro ficou assinalado como sendo o Dia do Fico. Seguiu-se inevitável a Independência, em 7 de setembro de 1822, delimitados foram os passos à proclamação do Ipiranga. Sarou a dubiedade do Príncipe Regente que resolveu ficar e o Brasil tornou-se Império, diferentemente das províncias da América espanhola, que se proclamaram repúblicas.     

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