O ‘F I
C O’ E A I N
D E P E N D Ê N C I A
Por Gileno Guanabara, sócio efetivo do IHGRN
Por Gileno Guanabara, sócio efetivo do IHGRN
Em setembro
de 1831, o príncipe D. Pedro, ex-Imperador do Brasil, encontrava-se em Chateau
de Meudon, próximo à Nante, na França. Pelas notícias, que recebia, vinham à
baila intensas polêmicas acerca da autoria do proclamado ‘Fico’, a fundação do
Império e a paternidade do 7 de setembro.
Perduravam os embates calorosos, de um lado, Antônio Carlos que atribuía aos
paulistas, mais precisamente ao irmão, José Bonifácio, o feito da
Independência. De outro lado, José Clemente Pereira protestava. Para ele, a
criação do Império se devia ao Senado da Câmara do Rio de Janeiro, cuja
presidência, à época, estava sob seu comando, no ano de 1822. Gonçalves Ledo,
citando fatos e documentos, atribuía à Maçonaria os atributos de fundação da
monarquia brasileira. O calor dos debates chegava à imprensa. Eram passados dez
anos e a quem atribuir o feito da Independência?
Nos debates, o nome do ex-Imperador nem
sempre era lembrado. Ao contrário, era evitado nas hipóteses em confronto. No
entanto, o livro de A. D. Pascual, Rasgos
Memoráveis de D. Pedro I (Ed. Laemert, 1864), transcreve uma carta do
imperador, dirigida a José Clemente, publicada na imprensa, com data de
setembro de 1831. Dizia o ex-Imperador na
missiva: Meu amigo – Muito lhe agradeço
as boas notícias que me dá de meus amados filhos, e igualmente a da aprovação
do Tutor, que me escreverá afim de aliviar, se possível, algum tanto, as
saudades de meus filhos que dilacerão este meu INARREBENTÁVEL coração... Eu
tomo pelo Brasil aquelle mesmo vivo interesse que sempre tomei, e mui
principalmente no dia de amanhan, em que faz anos que eu, e só eu, declarei no
alto do Ipiranga a independência do mesmo Brasil.
Decorrido
tanto tempo e o assunto ainda pautava com veemência as discussões no
Parlamento. O Jornal do Comércio (junho de 1841) publicou o discurso que José
Clemente Pereira fez na Câmara, pondo um fim no disse que disse. Na época, era Ministro
da Guerra, e o fez em resposta ao deputado Antônio Carlos: O nobre deputado, por ocasião de uma declaração que fiz de ter tido eu
a principal parte na representação para a convocação de uma Assembléia no
Brasil...que eu me referia ao dia 9 de janeiro – dia do Fico – e que em ser
assim, queria reclamar, porque a glória de preferência, neste caso, pertencia a
São Paulo e não ao Rio de Janeiro...
E prosseguiu o Ministro: ... mas se é necessário que alguém tenha a
prioridade, há de permitir-me o nobre deputado que o conteste e que diga que
ela pertence aos fluminenses (apoiados)...e não há dúvida, que a representação
por parte da província do Rio de Janeiro teve lugar em 9 de janeiro de 1822 e
que a representação por parte de S. Paulo teve lugar dias depois...
Mesmo diante dos apartes e
contraditas do plenário – cala-te...cala-te...,
o orador sequenciou sua peroração:
Perdoe-me; a sua representação teve lugar dias depois de 9 de janeiro.
O discurso histórico do então
Ministro assegurou que no dia 22 de dezembro de 1821 seguiu um comissário do
Rio de Janeiro, a fim de convidar São Paulo a cooperar e enviar sua
representação. E mais: antes do dia 15 de dezembro, confessou o orador, que
era, na época, presidente do Senado da Câmara, ter sido visitado em sua casa por
José Mariano, a fim de lhe consultar sobre um pedido a ser feito pessoalmente ao
Príncipe Regente para ficar entre nós, de acordo com os interesses do Brasil.
Retrucou o visitado, que embora concordasse, mesmo assim não julgava prudente
ser o pedido exclusivo do Rio de Janeiro, dado o temor da presença e
intervenção da força portuguesa naquela província. Daí as consultas formuladas
as demais Província, São Paulo e Minas, e o aguardo de suas manifestações.
Diante da dubiedade do Príncipe Regente
em ir para Portugal ou ficar no Brasil, visitas e articulações iam se sucedendo
e, afinal, na casa de José Mariano, com a presença de José Joaquim da Rocha e
do frei Francisco de Sampaio, foi redigida a nota de intenção, a qual foi lida
solenemente e apresentada, no dia 9 de janeiro, na presença de mais de sessenta
cidadãos, dentre os melhores e o povo, mesmo diante da iminente ameaça de
intervenção da força portuguesa.
Nesse dia em que se deu o relato
histórico e conclusivo feito por José Clemente Pereira, o bravo deputado
Antônio Carlos calou fundo e silenciou. Ponderou apenas É verdade, num tom de convencimento. Domiciano Cardoso, repórter e
cronista, fez constar em relação ao Fico: Tanto
os estudiosos como os sabedores da História do Brasil não ignoram que o ‘Fico’
acelerou a nossa Independência.
Desde a Inconfidência Mineira pairava
no ar as nuvens da independência do Brasil a Portugal. O Príncipe alternava
entre o medo de perder o direito hereditário ao trono português e o de fundar
um novo império, o do Brasil. Atava-se às campanhas pela Independência,
enquanto ululava em carta ao seu pai, D. João VI, de quem era mandatário, a não
se insurgir contra a metrópole: ...A independência
tem se querido cobrir commigo e com a tropa; com nenhum conseguiu nem
conseguirá, porque - a minha honra e a dela
- é maior que todo o Brasil., escreveu o monarca. Ou repetiria, com o mesmo sentido: ...enquanto estiver com todas as minhas forças, a declaração da
independência não será feita.
Diante da agitação nativista e das
intenções furiosas da Corte portuguesa, o manifesto lavrado no dia 9 de janeiro,
com o consenso dos representantes das Províncias consultadas, das elites e, no
dia seguinte, lido no Parlamento no Rio de Janeiro, tornou-se o Edital do Senado da Câmara. Portanto, o dia 10 de janeiro ficou assinalado
como sendo o Dia do Fico. Seguiu-se inevitável
a Independência, em 7 de setembro de 1822, delimitados foram os
passos à proclamação do Ipiranga. Sarou a dubiedade do Príncipe Regente que
resolveu ficar e o Brasil tornou-se Império, diferentemente das províncias da
América espanhola, que se proclamaram repúblicas.
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