IMPACTO DA
ATENÇÃO PRIMÁRIA DE
SAÚDE NA MORTALIDADE POR DOENÇAS CARDÍACAS E CEREBROVASCULARES NO BRASIL - Um Estudo Longitudinal ( 1 )
Análise e Comentários por
Geniberto Paiva Campos - Brasília/DF - Julho/2014
1. A PESQUISA
Artigo
publicado recentemente no British Medical Journal/BMJ – julho/2014 - traz evidências científicas sobre o
impacto dos cuidados da Estratégia Saúde
da Família/ESF na redução da mortalidade por doenças cardíacas e
cerebrovasculares no Brasil.
O estudo, de desenho
longitudinal, cobriu um período de 10
anos (2000 a 2009). Foram analisados os dados de qualidade estatística confiável, obtidos em
1622 municípios brasileiros cobertos pela ESF. Utilizando modelo de regressão binomial negativa ( 2 ) a pesquisa avaliou possíveis
impactos da ESF em desfechos “duros” como a mortalidade, ajustada por idade,
decorrentes de doenças cardíacas isquêmicas e cerebrovasculares, além das taxas
de hospitalização no mesmo período.
O desenho estatístico utilizado mostrou-se bastante preciso no
sentido de demonstrar a importância da Atenção Primária de Saúde/APS no
controle de condições crônicas, sensíveis
à atenção ambulatorial. Evidenciando reduções significativas nas taxas de óbitos
dessas patologias nas populações diretamente submetidas à influência da ESF –
consultas médicas e de outros profissionais de saúde, visitas domiciliares,
campanhas educativas, acesso à medicação. Outros fatores, potencialmente
capazes de influenciar os desfechos, tais como aumento concomitante da renda
familiar e da escolaridade, melhorias das condições de habitação e de
saneamento das populações em estudo foram neutralizados na análise estatística
dos dados.
A influência da APS nos
resultados foi rigorosamente definida em
quatro níveis: nenhum (0%); incipiente(< 30%); intermediário (30-60%)
e consolidado (> ou = 70%)
A pesquisa logrou demonstrar
que a APS, muitas vezes negligenciada em sua efetividade no manuseio clínico das Doenças Crônicas
Não-Transmissíveis - atribuindo-se prioridade quase absoluta ao nível
hospitalar - pode se constituir em
importante ferramenta estratégica das
políticas públicas de saúde, na
abordagem preventiva, diagnóstica/terapêutica e seguimento (folow-up)
dessas doenças. Propiciando o seu controle,
obtendo evidências científicas robustas
e com impacto mensurável nas
estatísticas de morbimortalidade, nos países em desenvolvimento, a exemplo do
Brasil.
NOTAS:
1. “ Impact of
primary health care on mortality from heart and cerebrovascular diseases in
Brazil: a nationwide analysis of longitudinal data”
Davide Rossela postdoctoral researcher,
Michael O Harhay PhD student, Marina L. Pamponet researcher, Rosana Aquino
associate professor, Mauricio L. Barreto professor
Instituto
de Saúde Coletiva,Federal University of Bahia; Ciência, Tecnologia e Inovação
em Saúde, INCT-CITECS, Salvador, Bahia, Brazil, Center for Clinical
Epidemiology and Biostatistics, University of
Pennsylvania School os Medicine, Philadelphia, USA
BMJ 2014;
348:g4014 doi: 10.1136/bmj.g4014 (published 3 july 2014)
2. Regressão Binomial Negativa/RBN é
usada, com vantagens reconhecidas,
quando os resultados a serem analisados são expressos em números -
por exemplo, óbitos ocorridos num
determinado ano do calendário gregoriano – e o modelo de Poisson não é aplicável, por apresentar
grande dispersão dos dados. O uso da RBN é cada vez mais frequente na
literatura, principalmente na avaliação de impactos.
2.
COMENTÁRIOS
Esta
pesquisa, com desenho científico preciso e elegante, poderá se constituir num
marco de referência para a APS – PSF no Brasil e na América Latina. O rigor da
metodologia cientifica utilizada
permitiu demonstrar evidências incontestáveis quanto à eficácia
das ações no nível básico do atendimento. As quais, normalmente, abrangem a
promoção, a prevenção, o tratamento, a reabilitação, e até a atenção domiciliar
e o tratamento paliativo. Ou seja, a Integralidade
das ações assistências, um dos mais significativos princípios do
Sistema Único de Saúde /SUS.
Decorridos
aproximadamente vinte anos da implantação do PSF, o nível de atenção hospitalar
contínua, imbatível, como a prioridade absoluta do sistema assistencial
brasileiro. Essa regra vale para maioria
dos gestores do sistema e para os incansáveis críticos do sistema hospitalar
público, alojados na Imprensa. E que repetem o seu bordão, o qual determina que
a “a saúde no Brasil é um caos”. Verdade assimilada de forma acrítica por
segmentos populacionais sensíveis às pregações midiáticas , repetidas
exaustivamente até que se tornem realidade.
Os
resultados evidenciados na pesquisa apontam claramente para a urgente
necessidade de (re) organização do Modelo Assistencial brasileiro. O qual, por
imposição histórica e cultural tornou-se
um modelo essencialmente hospitalocêntrico,
onerando excessivamente os custos operacionais e sobrecarregando as
emergências hospitalares, em função, principalmente, das dificuldades de acesso
comunitário aos níveis básicos e intermediários dos serviços de saúde.
Outra
evidência trazida pela pesquisa, talvez a mais significativa, mostra a
importância da APS no controle das condições crônicas não-transmissíveis. Sem qualquer
caráter especulativo. Baseada em dados de origem confiável e com metodologia
adequada, deixou claro a importância da atenção básica na redução de óbitos e
internações hospitalares por doenças cardíacas isquêmicas e cerebrovasculares.
Os
autores da pesquisa assumem que este é o primeiro estudo a demonstrar os efeitos da APS, em âmbito
sistêmico, na mortalidade cardiovascular. E atribuem à proximidade das unidades
assistenciais das suas residências e a consequente facilidade de acesso a um serviço público de
saúde, livre de pagamentos diretos, a redução de barreiras geográficas e econômicas para os usuários.
Tornando a APS uma estratégia de elevado nível de custo/efetividade para lidar
com as doenças cardiovasculares.
Os
autores do estudo tiveram o cuidado de demonstrar que a APS/PSF não tiveram
associações significativas com a mortalidade por causas externas (acidentes,
violência), as quais foram usadas como controle
na pesquisa. E acentuam que as causas externas não foram objeto de ações
preventivas por essas instâncias, no período estudado.
A
Tabela a seguir (modificada pelo comentarista) mostra,
comparativamente, as variações das taxas de mortalidade por doenças
cerebrovasculares, cardíacas e por acidentes, entre os anos 2000 /2009, nos
1622 municípios brasileiros, nos quais havia a presença ativa da APS/PSF.
Evento
|
2000
|
2009
|
DIFERENÇA
|
% de MUDANÇA
|
Doenças
cerebrovasculares
|
40.1 (27.7)
|
27.0 (19.8)
|
- 13.1
|
- 32
|
Doenças do Coração
|
23.3 (21.8)
|
12.9 (13.3)
|
- 10.4
|
- 44.6
|
Acidentes
|
41.8 (29.8)
|
47.0 (32)
|
+ 5.2
|
+ 12.4
|
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