NA VIDA TUDO
É POESIA
O QUE PODIA TER SIDO... E O QUE NÃO FOI.
Ciro José Tavares.
Como Prometeu devias ter
agrilhoando-me e não fizeste.
Ter atado meu corpo ao
flamboyant que nos acobertava,
ao estender os galhos sobre
o muro frontal de tua casa.
semelhante
ao cometa vagando sem destino na
amplidão.
Eu podia ter orientado meu
rumo nos olhos de minha mãe,
que, ao saber de ti,
refulgiram como estrelas e eu não quis.
E porque não quis
atormentam-me saudades do flamboyant,
aparando o sol nas manhãs e
noturnas réstias das alvas luas.
Lembro como abrandavas o meu
desassossego. Nas palavras
mansas, na ternura do olhar,
nos doces gestos de uma santa.
Tinhas a graça da mulher
medieval que encantava trovadores,
e por que não me aprisionaste
nas ameias do teu castelo?
E porque não fizeste, o
pássaro vadio voou sem direção e pouso certos.
Nas asas os estigmas de
Byron e Shelley plantados pelos deuses.
Agora que nada resta entre
nós dois estou encarcerado nas lembranças,
de tudo o que podia ter sido
... e o que não foi.
JOSÉ, O ALFAIATE
José, Senhor, era alfaiate
e tirava medidas.
Seu dia ainda não completara
quando outro, maior, surgiu à sua
frente -
e neste, ao invés de medir, será
medido.
Dai-lhe, pois, a medida de vossa
misericórdia
para que ostente em vosso reino
a roupa da salvação.
(Horácio
Paiva)
LIVRE SER LIVROS
Ivam Pinheiro
Sou livros no silvo dos ventos,
e livre me encrespo nessa luz.
A Sedução de ser a parte certa
é a arte da paz que nos seduz.
E se o coração na hora aperta,
não cato rumos de momentos.
Sou inspirar de verso que salta,
e tanto amar me traz felicidade.
O bem querer do romance leve,
marca sim, na incauta saudade,
a viva alma que renova a idade.
Guardo pra ti, o amor que falta.
Sou livre nas letras que povoam
livro de amores que em ti ressoa.
Como verso e prosa disponíveis
a literatura no viver é letra boa,
de viagens e viver tão tangíveis.
Livre sou! Mil livros que ecoam.
LÁGRIMAS DO VALE
Hoje estive em Ceará-Mirim pela manhã, a
trabalho. Ao sair do Fórum me deparei com uma visão que me chamou bastante
atenção. Era o “Vale” encoberto por um céu cinza chumbo e com uma cortina de
chuva simétrica, tão milimetricamente detalhada, que me deixou boquiaberto.
Parecia que o céu queria aguar por igual cada canto daquela terra. Em poucos
instantes, minha alma de menino de engenho se transportou do corpo do advogado
para acima do lindo vale e visitei, junto com a chuva, em fração de segundos,
cada recanto daquele torrão que guarda tanta beleza em sua história. E no meu
devaneio de saudade percebi, envolto naquela bruma espessa, os vários engenhos
do Ceará-Mirim, como se clamassem por direito a um momento de vida. Ainda que
só por um instante, enquanto durasse a chuva.
Vi o “Carnaubal”, tão pregado à cidade que quase já
se incorporou à mesma; o “Guaporé”, qual cisne adormecido em meio ao canavial,
tão abandonado e ao mesmo tempo lindamente reverenciado por aquela cortina
mágica de gotas d’água que traçavam ao seu redor uma sinfonia em sua homenagem;
lá estavam o “São Francisco”, o “Diamante”, o “Timbó”, o “Verde-Nasce”, o
“Mucuripe”, o “Capela”, o “Cruzeiro”, o “União” e o “Nascença”, entre tantos
outros, cada qual com sua particularidade de beleza ímpar, como a guardar o
lindo Vale. Senti, com o frescor da brisa molhada, a felicidade etérea dos
espíritos que ali ainda permanecem, tal qual guardiões de seus domínios. Foi
como se sentisse, eu mesmo, a alegria da terra a ser regada pela mão
divina.
E o passado longínquo se fez presente e consegui
ouvir e ver acontecer novamente todas aquelas atividades ligadas ao mundo dos
engenhos. A dinâmica do senhor ao determinar as tarefas a serem efetuadas no
inverno; os empregados a moldarem a terra rica e fértil do paul para semear
mais cana; os animais envoltos na fartura que a chuva traz; os gemidos dos
carros-de-boi e os apitos dos engenhos a fazer funcionar toda aquela engrenagem
mágica do mundo dos engenhos. Também vi, na varanda da casa-grande do
“Oiteiro”, a sinhá-moça a sonhar versos e fatos que se eternizariam para
sempre. Vi e ouvi os bailes e os saraus que animavam aquela gente e que se
perderam da lembrança popular por falta de essência da maioria de seus descendentes.
Percebi tudo isso envolto na chuva mágica e triste que banhava o Vale. Foram
flashes que desapareceram tão rapidamente quanto surgiram. Em seguida voltei a
mim, na Ceará-Mirim moderna, vestido novamente como advogado e parcialmente
molhado pela chuva que me atingira.
Eram lágrimas da alma ... lágrimas do
Vale"!
Eduardo Carvalho (*)
(*) Advogado, escritor e Senhor de Engenho
Colaboração de Lúcia Helena
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