domingo, 3 de agosto de 2014


NA VIDA TUDO É POESIA



O QUE PODIA TER SIDO... E O QUE NÃO FOI.

            Ciro José Tavares.

Como Prometeu devias ter agrilhoando-me e não fizeste.
Ter atado meu corpo ao flamboyant que nos acobertava,
ao estender os galhos sobre o muro frontal de tua casa.
E como não fizeste eu fugi através de mares e desertos,
semelhante ao cometa  vagando sem destino na amplidão.
Eu podia ter orientado meu rumo nos olhos de minha mãe,
que, ao saber de ti, refulgiram como estrelas e eu não quis.
E porque não quis atormentam-me saudades do flamboyant,
aparando o sol nas manhãs e noturnas réstias das alvas luas.
Lembro como abrandavas o meu desassossego. Nas palavras
mansas, na ternura do olhar, nos doces  gestos de uma santa.
Tinhas a graça da mulher medieval que encantava trovadores,
e por que não me aprisionaste nas ameias do teu castelo?
E porque não fizeste, o pássaro vadio voou sem direção e pouso certos.
Nas asas os estigmas de Byron e Shelley plantados pelos deuses.
Agora que nada resta entre nós dois estou encarcerado nas lembranças,
de tudo o que podia ter sido ...  e o que não foi.


JOSÉ, O ALFAIATE
José, Senhor, era alfaiate
e tirava medidas.

Seu dia ainda não completara
quando outro, maior, surgiu à sua frente  -
e neste, ao invés de medir,  será medido.

Dai-lhe, pois, a medida de vossa misericórdia
para que ostente em vosso reino
a roupa da salvação.
                                   (Horácio Paiva)



LIVRE SER LIVROS


Ivam Pinheiro

Sou livros no silvo dos ventos,
e livre me encrespo nessa luz.
A Sedução de ser a parte certa
é a arte da paz que nos seduz.
E se o coração na hora aperta,
não cato rumos de momentos.

Sou inspirar de verso que salta,
e tanto amar me traz felicidade.
O bem querer do romance leve,
marca sim, na incauta saudade,
a viva alma que renova a idade.
Guardo pra ti, o amor que falta.

Sou livre nas letras que povoam
livro de amores que em ti ressoa.
Como verso e prosa disponíveis
a literatura no viver é letra boa,
de viagens e viver tão tangíveis.
Livre sou! Mil livros que ecoam.





 LÁGRIMAS DO VALE 


 Hoje estive em Ceará-Mirim pela manhã, a trabalho. Ao sair do Fórum me deparei com uma visão que me chamou bastante atenção. Era o “Vale” encoberto por um céu cinza chumbo e com uma cortina de chuva simétrica, tão milimetricamente detalhada, que me deixou boquiaberto. Parecia que o céu queria aguar por igual cada canto daquela terra. Em poucos instantes, minha alma de menino de engenho se transportou do corpo do advogado para acima do lindo vale e visitei, junto com a chuva, em fração de segundos, cada recanto daquele torrão que guarda tanta beleza em sua história. E no meu devaneio de saudade percebi, envolto naquela bruma espessa, os vários engenhos do Ceará-Mirim, como se clamassem por direito a um momento de vida. Ainda que só por um instante, enquanto durasse a chuva. 

Vi o “Carnaubal”, tão pregado à cidade que quase já se incorporou à mesma; o “Guaporé”, qual cisne adormecido em meio ao canavial, tão abandonado e ao mesmo tempo lindamente reverenciado por aquela cortina mágica de gotas d’água que traçavam ao seu redor uma sinfonia em sua homenagem; lá estavam o “São Francisco”, o “Diamante”, o “Timbó”, o “Verde-Nasce”, o “Mucuripe”, o “Capela”, o “Cruzeiro”, o “União” e o “Nascença”, entre tantos outros, cada qual com sua particularidade de beleza ímpar, como a guardar o lindo Vale. Senti, com o frescor da brisa molhada, a felicidade etérea dos espíritos que ali ainda permanecem, tal qual guardiões de seus domínios. Foi como se sentisse, eu mesmo, a alegria da terra a ser regada pela mão divina. 

E o passado longínquo se fez presente e consegui ouvir e ver acontecer novamente todas aquelas atividades ligadas ao mundo dos engenhos. A dinâmica do senhor ao determinar as tarefas a serem efetuadas no inverno; os empregados a moldarem a terra rica e fértil do paul para semear mais cana; os animais envoltos na fartura que a chuva traz; os gemidos dos carros-de-boi e os apitos dos engenhos a fazer funcionar toda aquela engrenagem mágica do mundo dos engenhos. Também vi, na varanda da casa-grande do “Oiteiro”, a sinhá-moça a sonhar versos e fatos que se eternizariam para sempre. Vi e ouvi os bailes e os saraus que animavam aquela gente e que se perderam da lembrança popular por falta de essência da maioria de seus descendentes. Percebi tudo isso envolto na chuva mágica e triste que banhava o Vale. Foram flashes que desapareceram tão rapidamente quanto surgiram. Em seguida voltei a mim, na Ceará-Mirim moderna, vestido novamente como advogado e parcialmente molhado pela chuva que me atingira. 

Eram lágrimas da alma ... lágrimas do Vale"! 


 Eduardo Carvalho (*) 

 (*) Advogado, escritor e Senhor de Engenho

Colaboração de Lúcia Helena


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