O canto do galo
Elísio Augusto de Medeiros e Silva
Empresário,
escritor e membro da AEILIJ
elisio@mercomix.com.br
Uma
dessas manhãs, ao acordar cedinho, dei-me conta que nunca mais ouvi um galo
cantar, saudando o dia que chegava. O que será dos galos que, antigamente,
cantavam ao raiar do dia?! Será que vão desaparecer até da nossa memória?! Nem
me lembro mais da última vez que ouvi um prosaico galo cantar: qui-qui-ri-qui-qui – longo, solene e
misterioso.
Pelo visto, nós, escravos das horas, seremos
mesmo obrigados a trocá-los por um despertador de cabeceira.
Contudo,
ainda me lembro bem da imagem do galináceo: a plumagem colorida, a crista
rubra, o andar altivo, o perfil soberano. Sempre disciplinado e pontual nos
seus horários.
Insisto
– onde está o som agudo do canto matinal? O canto que rasgava todas as
madrugadas anunciando um novo dia.
Nunca
mais ouvi aquele canto sonoro, que despertava os quintais da Rua Manoel Dantas,
e era precedido por outros. Foi se apagando, acabando, até cessar por completo.
Menos uma forma de poesia, uma forma de emoção nas nossas manhãs. Lembra-me o
verso de Eliot: “Para onde vão as palavras quando cessa a fala?”.
Um
galo canta de fato na Odisseia de Homero; e outro canta nos Evangelhos, naquela
noite de agonia que se passa no Jardim das Oliveiras.
O
galo é considerado o arauto do amanhecer. Segundo uma antiga lenda, se o galo
não cantar, o sol não terá forças para subir ao céu. E ainda, que o seu trinado
afugenta o manto negro da noite, e abre caminho para a luz do novo dia.
Depois
que cumpre a sua missão de saudar a luz diária, o galo recolhe-se em silêncio
ao galinheiro, onde reina soberano entre as companheiras, até que novamente a
noite chegue e ele novamente estufe o seu peito e restaure a luz e a ordem.
Na
sua sagrada hora espanta os demônios, como diz Shakespeare, em Hamlet: “... o
galo, trombeta da manhã, desperta o Deus do dia, com a altissonante voz de sua
sonora garganta, e que a este sinal, os espíritos errantes, encontrem-se na
água ou no fogo, na terra ou no ar, retornam afobados a seus cárceres”.
Contam
que, quando o galo canta fora do seu rotineiro horário, é de mau agouro aos
homens. O galo ostenta vários poderes – agoura a tragédia e prenuncia a morte,
mas, também, arauto do sol, sonoriza as manhãs e alegra o dia que nasce.
Quando
alguém tenta ostentar bravatas, fala-se que esse “canta de galo”. Muitos dizem:
“Não venha cantar de galo no meu terreiro”.
Em
muitos países, a figura do galo dos ventos paira como profeta meteorológico no
alto dos telhados. Aqui em Natal temos a Igreja de Santo Antônio, na Cidade
Alta, onde em sua torre está a silhueta de um galo em folha de latão,
característico da arquitetura religiosa portuguesa.
Vou
terminar comprando um galo para soltá-lo no meu quintal. Capim Macio inteiro
vai acordar ao mesmo tempo. Não sei se a ideia será bem aceita pelos vizinhos.
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