sexta-feira, 4 de abril de 2014

CRÔNICA DE RINALDO BARROS

Estranho silêncio
(*) Rinaldo Barros
A conversa de hoje tem como foco a quase inexistente produção intelectual em nossa sociedade.
Quem observa o patropi com olhos de enxergar, fica deveras embaraçado. Antes de tudo, deve colocar de lado esses documentos sem valor que são as constituições (nacional e estaduais) e as leis orgânicas municipais. O patropi caminha como se estivesse numa aventura, sem mapa, numa região sacudida por um terremoto ou por um ciclone. Nem mais o Superior Tribunal Federal e o Tribunal de Contas da União são respeitados; como de resto nenhum outro tribunal. As instituições perderam a credibilidade.
Os estudiosos chamam a isso de "crise de hegemonia".
Não se trata de impor a vontade pela força, mas de propor uma alternativa cultural e ideológica que cimente solidariedades. Nesse sentido, somos ainda uma sociedade sem alternativas. Ou não?
Todavia, o foco da minha preocupação é a ausência (ou omissão) de formuladores e de, consequente, produção do conhecimento acerca da história, do presente e do futuro de nossa sociedade.
Há cerca de três décadas que, no patropi, não se conhece análises consistentes sobre nossa experiência histórica recente. Tudo se passa como se um grande desalento houvesse tomado conta dos nossos intelectuais. Dessa forma, a imprevisibilidade caracteriza o nosso tempo.
Vou tentar traçar aqui um resgate sucinto do que foi esse processo, em nosso país.
No Brasil do século XIX, não havia espaços próprios para a intelectualidade. Já durante o Império, uma alternativa dos pensadores de então era a carreira na diplomacia, posto público que garantia ganho financeiro, permitindo atividade intelectual paralela.      
Só no século XX se dá a consolidação de instituições “propriamente intelectuais”, como as universidades, abrindo “carreiras” autônomas e, a partir disso, ocorre a profissionalização da atividade.
Provoco: no século XXI, qual o papel do intelectual na sociedade da informação?
Como ensina a professora Ângela Alonso (USP), há “profissionais do conhecimento”, vinculados à universidade “da porta para dentro”; e há (ou deveria haver) “intelectuais públicos”, empenhados na enunciação e posicionamento político. Onde estão?
Entendo que a universidade brasileira passou por um processo de burocratização, tornando-se um lócus de habilitações, mais instrumental do que produtora de conhecimento novo, novos conceitos, ou novas teorias.
É o que pondera também o jornalista Bernardo Kucinski, para quem a fase da grande Sociologia se foi. “Não é mais a ciência em busca da verdade histórica, mas é a ciência das “carreiras”, argumenta.
O status da carreira acadêmica passa a se nortear por requisitos da universidade, como a “produtividade” mediante publicações de artigos “científicos”, títulos, orientações e participação em bancas. Tudo muito bem comportado, dentro dos parâmetros instituídos e controlados pelos estamentos.
Lamentavelmente, os intelectuais desta geração se despolitizaram, impregnados pela ideia-mestra de que “não há mais utopias”, dedicando-se unicamente à academia – onde, “a rigor, não há diferença entre um filósofo e um engenheiro”. Ou seja, as ciências ‘duras” dominam as pesquisas e detêm a hegemonia.
A historiadora Maria Helena Capelato corrobora essas considerações e faz uma distinção entre os pensadores comprometidos com a vida política. Ensina: “há intelectuais ligados ao PSDB e ao PT; e há os que apenas produzem conhecimento mantendo a velha postura, típica do século XIX, do “sábio” pensando e falando para si mesmo”.
Cá no meu canto, fico assuntando sobre esse estranho silêncio dos intelectuais orgânicos brasileiros.
Será que, nas trevas em caiu o Brasil, estão com paúra de registrar para a posteridade que, como alternativa à missão histórica ou revolucionária, o pragmatismo transformou parte significativa das lideranças desta geração em meros chefes de quadrilhas? Por que não formulam, nem sequer especulam, sobre os fatos?
Qual será o cenário que está sendo montado, ao longo do século XXI? Quais as grandes tendências?
Que ideologia está dominando a mídia à essa altura da história da humanidade? Quais os papéis da Internet? Conseguirá o capitalismo consolidar um novo padrão de acumulação? Qual o papel do Estado?
A ambição, a ganância, o individualismo, a competição, a busca do lucro máximo, a destruição ambiental, a desigualdade social, o colonialismo, a dominação, o autoritarismo, o patrimonialismo, a corrupção e a violência permanecerão sendo os nossos paradigmas? Quais os novos conceitos integradores das ciências?
Quais são os prováveis novos caminhos para a luta dos trabalhadores, no Brasil e no mundo?
Por que a esquerda logra ser alternativa de governo, mas não consegue ser alternativa de poder?
Será a derrota do pensamento e o triunfo das nulidades, de que falava Ruy?
(*) Rinaldo Barros é professor – rb@opiniaopolitica.com

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