CRÔNICA DE RINALDO BARROS
Estranho silêncio
(*)
Rinaldo Barros
A
conversa de hoje tem como foco a quase inexistente produção intelectual em
nossa sociedade.
Quem
observa o patropi com olhos de enxergar, fica deveras embaraçado. Antes de
tudo, deve colocar de lado esses documentos sem valor que são as constituições
(nacional e estaduais) e as leis orgânicas municipais. O patropi caminha como
se estivesse numa aventura, sem mapa, numa região sacudida por um terremoto ou
por um ciclone. Nem mais o Superior Tribunal Federal e o Tribunal de Contas da
União são respeitados; como de resto nenhum outro tribunal. As instituições
perderam a credibilidade.
Os
estudiosos chamam a isso de "crise de hegemonia".
Não
se trata de impor a vontade pela força, mas de propor uma alternativa cultural
e ideológica que cimente solidariedades. Nesse sentido, somos ainda uma
sociedade sem alternativas. Ou não?
Todavia, o foco da minha preocupação é a ausência
(ou omissão) de formuladores e de, consequente, produção do conhecimento acerca
da história, do presente e do futuro de nossa sociedade.
Há cerca de três décadas que, no patropi, não se
conhece análises consistentes sobre nossa experiência histórica recente. Tudo
se passa como se um grande desalento houvesse tomado conta dos nossos intelectuais.
Dessa forma, a
imprevisibilidade caracteriza o nosso tempo.
Vou tentar traçar aqui um resgate sucinto do que foi
esse processo, em nosso país.
No Brasil do século XIX, não havia espaços próprios
para a intelectualidade. Já durante o Império, uma alternativa dos pensadores
de então era a carreira na diplomacia, posto público que garantia ganho
financeiro, permitindo atividade intelectual paralela.
Só no século XX se dá a consolidação de instituições
“propriamente intelectuais”, como as universidades, abrindo “carreiras”
autônomas e, a partir disso, ocorre a profissionalização da atividade.
Provoco: no século XXI, qual o papel do intelectual
na sociedade da informação?
Como ensina a professora Ângela Alonso (USP), há
“profissionais do conhecimento”, vinculados à universidade “da porta para
dentro”; e há (ou deveria haver) “intelectuais públicos”, empenhados na
enunciação e posicionamento político. Onde estão?
Entendo que a universidade brasileira passou por um
processo de burocratização, tornando-se um lócus de habilitações, mais instrumental
do que produtora de conhecimento novo, novos conceitos, ou novas teorias.
É o que pondera também o jornalista Bernardo Kucinski,
para quem a fase da grande Sociologia se foi. “Não é mais a ciência em busca da verdade histórica, mas é a ciência
das “carreiras”, argumenta.
O status da carreira acadêmica passa a se nortear
por requisitos da universidade, como a “produtividade” mediante publicações de
artigos “científicos”, títulos, orientações e participação em bancas. Tudo
muito bem comportado, dentro dos parâmetros instituídos e controlados pelos
estamentos.
Lamentavelmente, os intelectuais desta geração se
despolitizaram, impregnados pela ideia-mestra de que “não há mais utopias”,
dedicando-se unicamente à academia – onde, “a rigor, não há diferença entre um
filósofo e um engenheiro”. Ou seja, as ciências ‘duras” dominam as pesquisas e
detêm a hegemonia.
A historiadora Maria Helena Capelato corrobora essas
considerações e faz uma distinção entre os pensadores comprometidos com a vida
política. Ensina: “há intelectuais
ligados ao PSDB e ao PT; e há os que apenas produzem conhecimento mantendo a
velha postura, típica do século XIX, do “sábio” pensando e falando para si
mesmo”.
Cá no meu canto, fico assuntando sobre esse estranho
silêncio dos intelectuais orgânicos brasileiros.
Será que, nas trevas em caiu o Brasil, estão com paúra
de registrar para a posteridade que, como alternativa à missão histórica ou
revolucionária, o pragmatismo transformou parte significativa das lideranças
desta geração em meros chefes de quadrilhas? Por que não formulam, nem sequer
especulam, sobre os fatos?
Qual
será o cenário que está sendo montado, ao longo do século XXI? Quais as grandes
tendências?
Que
ideologia está dominando a mídia à essa altura da história da humanidade? Quais
os papéis da Internet? Conseguirá o capitalismo consolidar um novo padrão de
acumulação? Qual o papel do Estado?
A
ambição, a ganância, o individualismo, a competição, a busca do lucro máximo, a
destruição ambiental, a desigualdade social, o colonialismo, a dominação, o
autoritarismo, o patrimonialismo, a corrupção e a violência permanecerão sendo
os nossos paradigmas? Quais os novos conceitos integradores das ciências?
Quais
são os prováveis novos caminhos para a luta dos trabalhadores, no Brasil e no
mundo?
Por
que a esquerda logra ser alternativa de governo, mas não consegue ser
alternativa de poder?
Será a
derrota do pensamento e o triunfo das nulidades, de que falava Ruy?
(*) Rinaldo Barros é professor – rb@opiniaopolitica.com
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