“SE EU QUISER
FALAR COM DEUS”
PADRE JOÃO
MEDEIROS FILHO
(pe.medeiros@hotmail.com)
Aprendemos
em Filosofia que há um elo entre beleza e bondade, desejadas constantemente
pela arte e pela religião. Através delas, Deus se antecipa e visita-nos pelos
recursos delicados e frágeis da temporalidade. Passa pelos jardins de nossas
vidas na poesia, na música, na oração, na teologia e em todas as maravilhas que
nos cercam. Às vezes, tomamos consciência de que Ele está perto de nós, e de
repente o perdemos. Não se deixa aprisionar. É de sua natureza e mistério. Mas,
as marcas de sua passagem nos dão a consciência de sua presença. O ausente
torna-se presente. Segundo o místico São João da Cruz, “o que conhecemos de Deus são apenas as pegadas de sua passagem entre
nós”.
Deus
não se encontra apenas nos conceitos estabelecidos pela teologia. No dizer de Adélia
Prado, “Ele habita fora da definição fria
e racional que dele fazem”. Há coisas que Ele sopra aos poetas e artistas.
Também se manifesta na inquietude e na incerteza. “Buscai e achareis” (Lc 11, 9), dissera Cristo. O Pai se revela na
pluralidade de sua grandeza. Teresa d’Ávila afirmara que: “Ele se esconde para que o descubramos. Brinca de esconde-esconde
conosco para que sintamos a alegria e o prazer de encontrá-lo. Depois sorri
para nós, suas eternas crianças”.
Em
1980, Gilberto Gil compôs uma música,
cujo título inspirou este pequeno artigo. A primeira estrofe da canção faz-nos
refletir. Vivemos num mundo, onde há pouco espaço para o Divino. Assim se
expressou o ex-ministro da Cultura: “Se
eu quiser falar com Deus, tenho que ficar a sós, apagar a luz, calar a voz,
encontrar a paz, folgar os nós, dos sapatos, da gravata, dos desejos, dos
receios, esquecer a data, perder a conta, ter mãos vazias, a alma e o corpo nus”.
Realmente,
para estar e falar com Ele, a solidão – acompanhada do silêncio e do desprendimento
– é um elemento privilegiado, diríamos, íntimo e fundamental. Não se trata de
uma solidão que machuca e nos distancia dos outros. E sim, aquela que nos
aproxima de nós mesmos e nossas carências, de forma equilibrada e serena. A luz
que devemos apagar é a das ilusões, a fim de que brilhe a chama da quietude do
coração, única forma de calar a voz da angústia e desatar os nós de tudo que
possa nos deixar presos à nossa escravidão interior. Eis em que consiste o
início do esvaziar-se, para ter a alma e o corpo nus. É a verdade evangélica,
em que Cristo ensina aos apóstolos: “Aquele
que quiser ser meu discípulo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”
(Lc 14, 33).
“Se eu quiser falar com Deus, tenho que
aceitar a dor”, continua o autor soteropolitano. Para se falar com Ele, a
aceitação do sofrimento é essencial. Mas, não a resignação passiva ou alienada
e, sim, a refletida, capaz de gerar a libertação de quem sofre e da própria
dor, pela conquista da sabedoria em enfrentá-la.
É
preciso que descubramos que a busca de Deus e do sobrenatural é como o pão para
o faminto, o agasalho para o desnudado, a água fresca e cristalina numa tarde
de verão, quando a sede se apodera de nós, como o sopro da brisa, quando
estamos suados e cansados. Há uma necessidade de procurá-Lo. Acreditemos que
todos os corações ardentes que se aproximam do mistério, encontrarão acolhida e
proteção. “Recordai-vos de mim, que Eu me
recordarei de vós” (Alcorão 2, 152). Vale terminar com as palavras de
Teilhard de Chardin: “Aquele que procurar
sinceramente Deus, escondido na beleza da música, da poesia, da arte e da
natureza, Ele paternalmente erguê-lo-á em seus braços protetores e o fará
contemplar a beleza de seu rosto”.
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