“MAIS MÉDICOS: QUO VADIMUS, DOMINE?”
Geniberto Paiva Campos – Observatório da Saúde/DF - outubro/2013
O programa “Mais Médicos” é filho
dileto, e inesperado, das Manifestações de Junho. Estas pegaram de surpresa os
poderes constituídos da República, particularmente o Executivo e o Legislativo,
os quais se empenharam na busca de respostas convincentes e imediatas que
pudessem aquietar a turba.
A contratação de médicos para
municípios e regiões carentes do país, através do programa planejado e
executado pelo Ministério da Saúde, foi
a resposta que ganhou mais evidência. E a que provocou maior polêmica.
As comunidades e as nações também
vivem os seus momentos, os bons e os ruins. E, parece, no quesito inovação e
criatividade, o Brasil não vive um dos seus melhores momentos. Devemos admitir,
no entanto: os desafios são outros e maiores, neste início de século.
E, de repente, surgiu um novo ator que,
de forma abusada e irreverente, se insinuou no palco político a criticar as
obras executadas, os projetos e os planos dos três níveis de governo. E ele tem
pressa. E paciência curta. O que torna as coisas mais difíceis para os
governantes. Afinal, as respostas precisam ser rápidas. E consistentes.
Um outro importante fator a ser
considerado é o grau crescente de despolitização que o país atingiu na última
década. Graças ao trabalho persistente e incansável da Imprensa, instituições
do poder, a classe política, pessoas físicas e jurídicas foram levadas a um
ponto extremo de descrédito. E não são mais vistos como confiáveis. Por serem
pecadores, presumivelmente pegos pela Mídia em flagrante delito, tornaram-se um
mal. Se possível a ser extirpado. Enfim, deixa-se gradativamente de se fazer
Política e se adentra no perigoso terreno da moralidade teológica,
característico de épocas anteriores, onde predominavam a intolerância e o
arbítrio. O velho e confiável Maniqueismo. Que simplifica - e
facilita - tudo, dividindo o mundo entre bons e maus. Mocinhos e
bandidos. O claro e o escuro, sem nuances.
Nesse inquietante caldo de
cultura o “Mais Médicos” foi concebido e
apresentado pelo Governo Federal, através do Ministério da Saúde, como solução
mágica para uma série de problemas vivenciados pelo Sistema Único de Saúde.
Inicia-se, então, um desatinado confronto entre o MS e as entidades médicas.
Uma comédia de erros sucessivos em que a
mínima racionalidade foi esquecida. Uma guerra particular entre o
Governo e a categoria dos médicos. E como dizem, em todas as guerras a primeira
vítima é sempre a verdade. Só que neste conflito específico a vítima habitual,
eterna, o Usuário é a primeiríssima a tombar. Os conceitos atuais de Saúde
Pública foram para o espaço. Convenientemente esquecidos pelos litigantes.
Infelizmente, não se ouviu nenhuma voz chamando os bravos guerreiros à razão.
O Congresso Nacional foi o local
de desfecho das primeiras batalhas. Como esperado, as decisões não favoreceram
os anseios impeditivos das entidades médicas. Afinal, não ficaria bem aos
“representantes do Povo” votar contra ida de médicos – agora chamados,
pejorativamente(?) de “intercambiantes”- para locais onde eles não existem. E
onde talvez nunca puseram os pés.
O que teria levado o conflito a
esse ponto? O que faltou, ou teria sobrado, para que a irracionalidade
atingisse tal impasse? Despolitização, maniqueísmo talvez expliquem apenas parte desse estranho litígio. Mas além
do preconceito, existem aí sérios erros de avaliação, conceituais e políticos. Imperdoáveis,
considerando a natureza profissional dos
litigantes.
Pode-se começar pelo foco, praticamente exclusivo, na figura
do Médico como centro dos Serviços Assistenciais. Nada mais equivocado. E esse
enfoque teve início há mais de dez anos, com o projeto do “Ato Médico”, muito
caro às entidades de classe. Mas que transitou por longo tempo no Congresso, sob o bombardeio das
outras profissões de saúde, absolutamente
inconformadas com papel subalterno a que foram relegadas no Projeto. O
que estaria na contra-mão das tendências observadas nos países em que a
assistência médica atinge graus elevados de excelência , nos quais
profissionais de outras especialidades vêm há longo tempo, e naturalmente,
exercendo funções cada vez mais relevantes na esfera assistencial .
Como consequência desse enfoque,
foi adotada no debate a contagem
relativa dos médicos disponíveis para a
população geral, praticada no século passado, cravando-se um número ideal dessa relação, 2 médicos por mil
habitantes. Esquecendo-se, nessa
matemática simplista, que a célere introdução de novas tecnologias médicas, além do concurso de outros
profissionais da saúde no diagnóstico e no tratamento dos pacientes, tornou obsoleta
essa contagem. Os padrões mudaram. Por exemplo, a oferta de
leitos relacionados à população, também mudou. As internações são mais
curtas e a capacidade resolutiva de instâncias assistenciais de nível
intermediário reduziu a necessidade de leitos disponíveis para a população.
O debate sobre Saúde Pública
ficou empobrecido. Quase não se falou sobre modelos assistenciais. A
importância crucial da Atenção Primária de Saúde como locus estratégico da organização de
serviços na Rede Pública. O debate ficou restrito à criação de obstáculos à
execução do Programa por parte das entidades da classe e à capacidade do MS em
superá-los. De passagem, foi tocado no tema “carreira de Estado” para
profissionais de saúde, mas se avançou muito pouco, considerando a urgência do
assunto.
Enfim, o que se presenciou,
lamentavelmente, na refrega entre os dois contendores, foi apenas uma visão
arcaica do conceito de Saúde, não compatível com os padrões atuais.
Recuamos para o século passado. A luta(?) não teve vencedores. O mais
provável é que o Povo Brasileiro, sobretudo o Usuário carente de serviços
públicos de saúde, tenha sido o grande perdedor dessa incrível, espantosa batalha entre o rochedo e o mar. Vejamos o
que se pode aguardar nos próximos
capítulos.
“QUO VADIMUS, DOMINE?
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