terça-feira, 20 de agosto de 2013



NATAL SEM PRINCIPADO

Gileno Guanabara

A cidade do Natal de população não superior a 20 mil habitantes era uma aldeia provinciana nos anos iniciais do século XX.  Ia nas primeiras décadas e ganhou transformações impensáveis no ordenamento urbano. Foram abertas vias que interligaram os bosques, os futuros bairros do Alecrim, Petrópolis e Lagoa Seca. O transporte coletivo através dos bondes comunicou Lagoa Seca ao Alecrim; a Cidade Alta ao Monte Petrópolis e ao sítio “Solidão”, como se denominava o Tirol, indo até o bairro da Ribeira. Houve a criação de escolas públicas e religiosas; a criação da companhia de água e serviços de saneamento; a expansão da estrada de ferro, com a ponte ferroviária de Igapó, cuja estação central se estabelecera na Ribeira, ao encontro da Rua do Comércio e do serviço portuário do cais da Rua Tavares de Lyra. Praças, pavimentação, teatro, comércio e iluminação a gás, enfim, a cidade ganhou foros de modernidade, igualmente a outros centros urbanos do país.
O escambo já não se comportava nos limites da “Feira do Grude”, no Oitizeiro. Consagrou-se o comércio popular com a dimensão da feira do Alecrim. Construíram-se os mercados públicos.
O bairro da Cidade Alta sofrera inovações arquitetônicas. As novas concepções dispensavam a beira e rebuscavam o frontispício das edificações. Provas evidentes estão nas fachadas dos sobrados e casas das ruas centrais de Natal, parte ainda hoje preservada. A obra de edificação do viaduto do Canal do Baldo, na gestão do prefeito Ferreira Chaves, interligou os limites Norte/Sul da cidade, com repercussões sociais. Os moradores não mais poderiam ser divididos simplesmente entre “xarias” e “canguleiros”, entre ricos e pobres.
 Com a mudança dos aspectos externos das construções, ocorreram modificações no seu interior. O hábito de banhar-se no terreiro da própria casa, à beira dos recipientes de água dormida. Os inesquecíveis banhos de cuia, ao lado de fossos cavados, protegidos por tapume de maravalhas, ainda não eram fossas, para o acúmulo dos dejetos e do lixo. A água servida se desviava para a rua. As quartinhas de água fria para beber. Antes do trono de louça, se agachava sobre um toro de madeira e se satisfaziam as necessidades. Sem o papel higiênico, palha de côco, sabugo de milho ou jornal, tinha-se por serventia. O penico sob a cama era útil, descarregado cedo no leito da rua. Durante a menstruação as mulheres reutilizavam as toalhinhas laváveis. Mães/parteiras assistiam às parturientes. Os segredos cochichados de como achar botijas de ouro.
Com o fim da guerra, veio o comércio de variedades. Instalou-se na Ribeira a primeira loja de departamentos, a “Quatro e Quatrocentos”, nome/fantasia das Lojas Brasileiras-LOBRÁS. Após o incêndio que a consumiu, a loja foi reinaugurada na Avenida Rio Branco, onde antes fora a residência da família do Dr. Ivo Cavalcanti.
 Um de seus gerentes, em visita de inspeção a Natal, conferiu o alto índice de furto de produtos da loja praticado pelas balconistas, em geral menores de idade. Escondia-se nas roupas íntimas o produto do furto, daí o escrúpulo que causava ter que lhes inspecionar os corpos. Segundo o dirigente, Natal era uma cidade triste, notívaga e a de maior pobreza no Nordeste. Havia um alto índice de prostituição de meninas/moças. Tal comportamento era legitimado pelas famílias como o meio de “fazer a vida”. O lenocínio era aceito com naturalidade.

Ao término da Segunda Guerra Mundial, Natal se tornara militarizada: a um bordel, em cada esquina, um quartel. Exigências fitossanitárias, com a aplicação da Penicilina obrigatória a fim de evitar o contágio venéreo; recusa popular à vacina anti-gripe espanhola; a distribuição de leite “in natura” a famílias pobres, no Lactário da Saúde Pública; a proliferação do sabão e da pasta de dente, em lugar do pó da casca do juazeiro; a ampliação da mão de obra, com o esforço de guerra. Beber em copo pessoal. Dançar o “Fox trote”. Os cabarés – cópia grotesca da “belle epoque” – entraram em decadência. O cinema divulgou culturas novas. Vieram os automóveis. Tempo das canções românticas entoadas nos rádios, nas vozes de Francisco Alves (“Adeus,/ Cinco letras que Choram”), Pixinguinha, Sílvio Caldas e Ângela Maria, os mais ouvidos.

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