Gileno Guanabara
A cidade do Natal de população não superior
a 20 mil habitantes era uma aldeia provinciana nos anos iniciais do século XX. Ia nas primeiras décadas e ganhou
transformações impensáveis no ordenamento urbano. Foram abertas vias que
interligaram os bosques, os futuros bairros do Alecrim, Petrópolis e Lagoa Seca.
O transporte coletivo através dos bondes comunicou Lagoa Seca ao Alecrim; a Cidade
Alta ao Monte Petrópolis e ao sítio “Solidão”, como se denominava o Tirol, indo
até o bairro da Ribeira. Houve a criação de escolas públicas e religiosas; a
criação da companhia de água e serviços de saneamento; a expansão da estrada de
ferro, com a ponte ferroviária de Igapó, cuja estação central se estabelecera
na Ribeira, ao encontro da Rua do Comércio e do serviço portuário do cais da
Rua Tavares de Lyra. Praças, pavimentação, teatro, comércio e iluminação a gás,
enfim, a cidade ganhou foros de modernidade, igualmente a outros centros
urbanos do país.
O escambo já não se comportava nos
limites da “Feira do Grude”, no Oitizeiro. Consagrou-se o comércio popular com
a dimensão da feira do Alecrim. Construíram-se os mercados públicos.
O bairro da Cidade Alta sofrera inovações
arquitetônicas. As novas concepções dispensavam a beira e rebuscavam o
frontispício das edificações. Provas evidentes estão nas fachadas dos sobrados
e casas das ruas centrais de Natal, parte ainda hoje preservada. A obra de
edificação do viaduto do Canal do Baldo, na gestão do prefeito Ferreira Chaves,
interligou os limites Norte/Sul da cidade, com repercussões sociais. Os moradores
não mais poderiam ser divididos simplesmente entre “xarias” e “canguleiros”,
entre ricos e pobres.
Com a mudança dos aspectos externos das construções,
ocorreram modificações no seu interior. O hábito de banhar-se no terreiro da
própria casa, à beira dos recipientes de água dormida. Os inesquecíveis banhos
de cuia, ao lado de fossos cavados, protegidos por tapume de maravalhas, ainda não
eram fossas, para o acúmulo dos dejetos e do lixo. A água servida se desviava
para a rua. As quartinhas de água fria para beber. Antes do trono de louça, se agachava
sobre um toro de madeira e se satisfaziam as necessidades. Sem o papel
higiênico, palha de côco, sabugo de milho ou jornal, tinha-se por serventia. O
penico sob a cama era útil, descarregado cedo no leito da rua. Durante a
menstruação as mulheres reutilizavam as toalhinhas laváveis. Mães/parteiras assistiam
às parturientes. Os segredos cochichados de como achar botijas de ouro.
Com o fim da guerra, veio o comércio
de variedades. Instalou-se na Ribeira a primeira loja de departamentos, a “Quatro
e Quatrocentos”, nome/fantasia das Lojas Brasileiras-LOBRÁS. Após o incêndio que
a consumiu, a loja foi reinaugurada na Avenida Rio Branco, onde antes fora a residência
da família do Dr. Ivo Cavalcanti.
Um de seus gerentes, em visita de inspeção a
Natal, conferiu o alto índice de furto de produtos da loja praticado pelas balconistas,
em geral menores de idade. Escondia-se nas roupas íntimas o produto do furto, daí
o escrúpulo que causava ter que lhes inspecionar os corpos. Segundo o dirigente,
Natal era uma cidade triste, notívaga e a de maior pobreza no Nordeste. Havia
um alto índice de prostituição de meninas/moças. Tal comportamento era legitimado
pelas famílias como o meio de “fazer a vida”. O lenocínio era aceito com naturalidade.
Ao término da Segunda Guerra Mundial,
Natal se tornara militarizada: a um bordel, em cada esquina, um quartel. Exigências
fitossanitárias, com a aplicação da Penicilina obrigatória a fim de evitar o contágio
venéreo; recusa popular à vacina anti-gripe espanhola; a distribuição de leite
“in natura” a famílias pobres, no Lactário da Saúde Pública; a proliferação do sabão
e da pasta de dente, em lugar do pó da casca do juazeiro; a ampliação da mão de
obra, com o esforço de guerra. Beber em copo pessoal. Dançar o “Fox trote”. Os
cabarés – cópia grotesca da “belle epoque” – entraram em decadência. O cinema divulgou
culturas novas. Vieram os automóveis. Tempo das canções românticas entoadas nos
rádios, nas vozes de Francisco Alves (“Adeus,/ Cinco letras que Choram”),
Pixinguinha, Sílvio Caldas e Ângela Maria, os mais ouvidos.
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