“MAIS MÉDICOS”:
UMA DIDÁTICA LIÇÃO SOBRE O JEITO
BRASILEIRO DE FAZER POLÍTICA
Geniberto Paiva Campos – agosto/2013 - Observatório da Saúde/DF
Assistir, pela TV da Câmara dos Deputados, a audiência pública na Comissão de Saúde e
Seguridade Social, sobre o projeto “Mais
Médicos” do Ministério da Saúde equivale a um curso completo sobre a forma
brasileira de fazer política no âmbito do Congresso Nacional.
Trata-se de um enfadonho ritual, obedecido pela direção dos trabalhos e pelos
circunstantes em todos os seus detalhes, no qual a duração das falas, aparentemente
mais do que o seu conteúdo, ganha um peso significativo na valoração política
dos discursos. Mesmo com o grande interesse despertado pelo
tema, com a sala da audiência repleta de congressistas e interessados em geral,
o telespectador deve dispor de muita paciência para acompanhar o caminhar desse
ato político/ litúrgico com a devida atenção.
Deve dispor também de muitos conhecimentos prévios
e saber utilizar os códigos que permitem decifrar a evolução de uma “ Audiência Pública”. E também, é bom
repetir, de muita, muita paciência. Mas a lição vale a pena. E quem sabe, vai
ajudar a compreender melhor o funcionamento do Legislativo Federal. De como as
coisas se desenrolam (a ambiguidade do
termo é proposital) e caminham no lento e às vezes tedioso processo
legislativo.
Convidado, às vezes sinônimo de
convocado, o ministro da Saúde Alexandre Padilha usou do seu longo tempo disponível para, com voz monocórdica e
utilizando recursos audiovisuais, falar do Programa Mais Médicos, colocando o
ponto de vista dos seus idealizadores no âmbito do governo. Foi uma exposição
longa, por vezes repetitiva. Ouvida em respeitoso silêncio pela plateia. Não
houve apartes ou interrupções à fala do ministro. No máximo alguns bocejos. Ou
impaciência bem disfarçada.
Inscritos previamente, falaram,
dando inicio aos debates, quatro deputados, dois da oposição e duas (ambas
representantes femininas) da base de apoio ao governo. Dos quatro, 3 eram
médicos. Todos, por motivos diferentes, utilizando o seu tempo disponível para
questionar a forma e o conteúdo do Programa. E
em completo acordo sobre a necessidade Mais Médicos passar pelo crivo do
Congresso Nacional. Todas as intervenções
demonstraram preocupações quanto à qualidade profissional dos médicos estrangeiros e o
risco que poderia advir para a saúde das populações assistidas por estes
profissionais, no caso de formação científica e prática deficientes. Colocando
as provas do Revalida como condição essencial para a contratação dessa mão de
obra. Consegui, com algum esforço, acompanhar a fala do Ministro da Saúde e a
intervenção dos 4 primeiros congressistas
inscritos no debate. A partir desse ponto desisti, ao perceber que o
debate estava com a sua trilha balizada.
Em resumo, questionava-se a
pronta iniciativa do Governo Federal, através dos Ministérios da Saúde e da
Educação, na tentativa de resposta ao clamor das ruas por melhor qualidade dos
serviços públicos. E, pela primeira vez
nos últimos meses, ficou implícito no debate a escassez de médicos no
Brasil. Há menos de um ano tentava-se
proibir, por desnecessária, a abertura
de novas vagas nos cursos médicos e a – heresia das heresias – criação de novas
Escolas de Medicina no país. Já se
dispunha de Faculdades Médicas em número mais que suficiente. Como se vê, o
debate evoluiu para novos entendimentos. Agora com o Revalida ocupando os
primeiros lugares na pauta de preocupações dos debatedores. Claro, sempre na
defesa da população brasileira.
Tentando fazer um resumo do que
pude assistir da Audiência Pública sobre o Mais Médicos, o que mais desperta a
nossa atenção é mesmo o direcionamento da exposição ministerial e dos debates
em sequência. Todos essencialmente focados em dois pontos dessa pauta: a
iniciativa do Governo Federal e a reação dos profissionais médicos e das suas corporações de ofício, tendo o plenário
da reunião da Comissão de Saúde e Seguridade Social como caixa de ressonância desse embate político.
Fica claro que ali não se busca, necessariamente, soluções para o problema da população sem assistência médica. Trata-se, antes de
tudo, de escrutinar as ações de governo e as reações corporativas para definir
possíveis vencedores desse embate. E com um único e certo perdedor: o usuário
carente em suas necessidades de saúde.
Aliás, raramente lembrado ou mencionado pelos debatedores. Pura e permanente
abstração.
Outra impressão deixada pela
Audiência Pública: a mudança de atitude da Câmara dos Deputados. Há poucas
semanas tão sensível à “voz rouca das
ruas”, pressurosa em atender as demandas dos manifestantes, agora se apresenta
menos dócil a esses reclamos. A presteza,
para alguns críticos abjeta, com que foram votadas pelo Congresso Nacional a “PEC 37” e a
proposta de tornar “crime hediondo” os atos ilícitos praticados por agentes
públicos vai sendo, gradativamente, substituída pela velha politica dos antigos
políticos. Nossa velha e antiga conhecida.
A ausência total de médicos em
boa parte dos municípios brasileiros, curiosamente, não chega a despertar
grande comoção entre os presentes à Audiência. Para quem dispõe de assistência
médica de qualidade, em situações de rotina e nas urgências e emergências, fica
realmente difícil imaginar o atendimento de um abdome agudo ou de um
politraumatizado por técnicos de enfermagem ou de curiosos abnegados, pela
falta absoluta de profissionais médicos qualificados nas proximidades. Isso
também pode ser inserido na cota das abstrações.
Da análise da Audiência Pública da quarta
feira, 14 de agosto de 2013, seria correto
concluir que o chamado “jogo
político” estaria voltando ao seu curso
natural. A Voz das Ruas, embora não totalmente silente, está pelo menos
abafada. Exercendo, talvez, menor pressão sobre o Poder legislativo. É possível que os novos atores, peregrinos
das praças e das ruas, ainda não tenham conseguido o seu espaço definitivo
nesse jogo complexo. E que, como regra
inviolável, jamais aceitou amadores e ingênuos em geral em seu meio. Voltemos,
portanto, às normas velhas e confiáveis. Com outro jeito, embora. Fica
concedido.
Evocando Lampedusa, afinal, é preciso fazer as mudanças para que as coisas continuem
as mesmas.
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