terça-feira, 9 de abril de 2013

Qual deserto?
François Silvestre
            O Nordeste brasileiro não vai virar deserto. Pelo menos na fisionomia geológica ou geográfica. O Nordeste brasileiro já é um deserto. Na sua forma política e administrativa. Com todo respeito às opiniões contrárias.
         Não se conhece, desde a chegada dos portugueses, uma estiagem contínua de dez anos. O ciclo das secas ou estiagens são bem conhecidos, sempre inferiores a cinco anos. “Monótona e eterna novidade”, como disse Euclides da Cunha.
         As caatingas, dominantes na região nordestina, são estuários de vegetação resistente às estiagens. Xerófilas, que gostam do seco, sobrevivem nas locas das pedras.  Tipos variados de cactos, tais como o xique-xique, mandacaru, cardeiro, croa de frade, facheiro e os primos das bromélias, macambiras e croatás.
         As xerófitas, resistentes ao seco. Gostam de água, mas sobrevivem sem ela, num processo de espera ressequida e paciente, até que uma nuvem generosa e peregrina lhe abasteça o canil.
         Assim é o marmeleiro, símbolo dessa famiação.  Juremas, mororós, catingueiras, cumarus, umburanas, mofumbos, pereiros, favelas, sabiás, ingazeiras, jucás, jaramataias, gameleiras, ipês, oiticicas, velames, aroeiras, juazeiros, cajaranas, pau mocó, mendubis, camarás e outras que me fogem.
         Este é o deserto impossível. Das plantas, da terra e dos bichos sobreviventes. Cada vez mais escassos. E dos bichos bípedes, predadores, cada vez mais populosos. Mesmo assim, o sertão é indesertificável.
         O outro deserto, político-administrativo, aqui já existe há muito tempo. O que se faz atualmente é apenas consolidá-lo.
         O Nordeste é o alvo primeiro da patifaria política da nossa federação de mentira. Desde muito. Até o Imperador prometeu vender as joias da Coroa para acudir os flagelados da seca. Não vendeu nem uma abotoadura da sua casaca imperial.
         A república velha nem conheceu o Nordeste, mesmo tendo tido dois nordestinos no seu princípio. Da república seguinte, ressalva-se JK, com um programa de açudagem que não teve continuidade.
         Jango brincou de reformas, num país irreformável, e deu pretexto aos leões do Norte e aos gorilas do Sul para a implantação da noite de 21 anos. E a milicada cuidou de “fazer inquéritos”, com a mesma desculpa esfarrapada de matar a impunidade. Matou a liberdade.
         O ditador emérito Garrastazu chorou crocodilamente sobre a miséria do Nordeste. Os políticos do Nordeste usam a pobreza regional para cuidar de suas riquezas pessoais, desfrutadas no conforto do Sudeste.
         O resto vai se resolvendo com esmolas, sem sequer os antigos programas de obras, que pelo menos deixavam estradas, pontes e açudes.
         O planeta está repleto de desertos férteis. O Brasil está deserto de fertilidade ética. Ou dignidade política.
         Há deserto na saúde, na segurança, na educação. E não é falta de chuva. Té mais.
        

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