domingo, 3 de junho de 2012


CIRO TAVARES EM QUATRO TEMPOS

ECLIPSE CREPUSCULAR
Ciro José Tavares


Apenas um banco de madeira apodrecida


abandonado no silêncio da morte vespertina,


a cortina da dor tecida pelas Parcas


pendia em farrapos sobre a solidão dos pórticos.


Os cordões da hera úmida pareciam tentáculos


presos às paredes gastas do soturno casarão.


No pátio, noite eclipsante, ritmado ruído de besouros,


o adejar sem rumo de bruxuleantes vaga – lumes.


Esquecido velho banco de madeira, folhas secas ao redor,


era tudo guardado pelo tempo.


Era vento polar, poeira no rasto cadente


da estrela absorvida na cauda da Ursa Menor.


Era tudo e nada num banco de madeira podre no jardim.



CINZAS DO PRIMEIRO DIA
Ciro José Tavares


Ninguém nas ruas sob o gris estirado no espaço,


cedo só o vento trouxe a chuva, calou o que restava


de ruídos de fogos de artifício, volatizou encantos,


deprimiu o dia na sua forma humana,


brancos de repente encardidos de sol que não surgia.


A água vergastava telhas com fúria de chicotes,


fluía pelas velhas cicatrizes temporais do teto,


caindo na mesa sobre restos das comemorações


e de bêbedos parecendo ratos anestesiados.


Os antigos, ao contrário,e seus rotos guarda-chuvas,


têm roupas encharcadas, sapatos molhados,


ofegantes pela pressa na fuga do mau tempo,


ao contornar poças e buscar proteção sob marquises.


Esse hercúleo esforço para estar diante do altar


suplicantes por uma nova aurora radiosa.


Não ouço ninguém nas ruas, só o látego da chuva


e nos templos vozes antigas repetindo: Kyrie Eleison,


ruega por nosotros Senhora Del Mar.



ÁRTEMIS SUPLICANTE
Ciro José Tavares


Dá-me teu corpo, domadora de ventos e de mim,


a ânfora de prata inundada do orvalho das manhãs,


para lavar o corpo e puro ser encantado nos mistérios.


Dá-me a chave na cor do ouro envelhecido


suspensa por fios de nuvens deitadas no teu colo


e abrirei o santuário dos teus seios escondidos.


Dá-me o sagrado alimento das ondinas,


afoga no teu leito a paixão que me devora


e abandona depois o que restou numa estrela qualquer.






HÉSTIA REDIVIVA
Ciro José Tavares


Se reclamas da terra o abandono


devolvo-te às estrelas vestida de poentes.


Suspensa no meu colo longa cabeleira,


fica para embalsamar meus sonhos mortos


e deitar no pedaço de chão onde nasceste


o resto do perfume exalado do teu corpo.


~ Amanhã serás somente esguio traço nu,


galhos que não reverdecem abertos ao espaço.


braços míticos,suplicantes diante da fornalha,


girando ao redor e devorando o tronco lentamente.

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