Os rumos da saúde pública em Natal
Thiago Gomes da Trindade
Médico e Professor (UFRN e UNP)
Caros conterrâneos, o que está acontecendo com nossa cidade?
E nosso povo, está anestesiado com tanto descaso?
Temos assistido a consecutivas tentativas frustras da nossa gestora municipal em desenvolver alguma ação no campo da saúde para Natal, e infelizmente nos surpreendemos com as ações desgovernadas e sem foco.
Será que esta gestão já ouviu falar sobre planejamento estratégico baseado em necessidades de saúde, políticas de estado no campo da saúde pública, e o respeito aos princípios constitucionais no que se refere à gestão de pessoas do serviço público?
E em termos de programas de saúde, será que a mesma tem conhecimento que existe um conjunto de evidências baseadas em pesquisas brasileiras e mundiais que apontam para qual sistema de saúde precisamos?
E porque estamos retrocedendo para oferta de serviços desarticulados e pouco efetivos?
Há mais de 30 anos, desde a Conferência Mundial de Saúde, em 1978 em Alma Ata, o mundo todo decidiu qual modelo de saúde se quer para seus países, aqueles baseados em uma atenção primária/atenção básica forte e central. Estudos do Brasil e do mundo mostram que serviços de atenção primária bem qualificados são capazes de resolver 85% dos problemas de saúde da população.
No Brasil escolhemos há 17 anos o Programa Saúde da Família (PSF), como modelo prioritário da Atenção Primária. E nestes anos foi provado por uma série de pesquisas a superioridade deste modelo em relação aos demais. Mostrou-se que as populações cobertas por PSF têm maiores chances de reduzir a mortalidade infantil, diminuir internações por diarreia e pneumonias em crianças, aumentar cobertura vacinal, além de diminuir internações das mais variadas em adultos e idosos, e por último capaz de reduzir desigualdades em saúde das populações.
E por que isto ocorre? Primeiro porque o PSF trabalha com área de responsabilidade territorial e com equipe multidisciplinar – formada por médico generalista/médico de família, enfermeiro, técnicos de enfermagem e agentes comunitários de saúde, além da equipe de saúde bucal. Segundo porque trabalha na lógica da integralidade, prestando ações de promoção à saúde, prevenção de doenças e assistência às pessoas, cuidando de problemas agudos e crônicos. E por último o cuidado continuado ao longo da vida das pessoas, o que favorece o vínculo dos indivíduos com sua equipe de saúde, trazendo além de um cuidado mais humanizado e resolutivo, a melhor satisfação para ambas às partes.
Hoje o País tem 50% da sua população coberta pelo PSF, são quase 100 milhões de brasileiros. Em Natal não chegamos a estes 50%, e das 115 equipes existentes, tem várias equipes desfalcadas de profissionais, são mais de 40 delas sem médico.
Além dessa baixa cobertura, observamos um completo descaso com o PSF em Natal, unidades com suas estruturas precárias, faltando insumos diversos, o que compromete o trabalho dos profissionais, e sua capacidade resolutiva.
A atenção primária como porta de entrada do usuário no sistema também é responsável em coordenar seu cuidado para os demais níveis, como centros de saúde de especialidades e hospitais. Ou seja, ser o coordenador da rede de atenção à saúde. Mas, como podemos falar em rede se nossos cidadãos não tem acesso nem ao nível primário do sistema.
E qual é a “política” que observamos nesta gestão? Uma criação de parcas estruturas com duplicidade de ações como as AME´s, além de duplicidade de financiamento já que são serviços terceirizados, gerando uma completa desigualdade na oferta de serviços e no pagamento dos profissionais.
Outra questão é que esta “política” não tem nada de novo – UPA e AME, sempre existiram com outros nomes. Em cada distrito (Norte 1 e 2, Leste, Oeste e Sul) havia seus centros clínicos, com as Unidades Mistas, com pronto-atendimento 24h, e também com especialidades médicas eletivas. O problema é que a maioria ficou sucateada, e poucas foram repaginadas com novos nomes.
O que precisamos é qualificar todos os serviços existentes. Não criar novos.
Em saúde precisamos ter foco e prioridade, porque como sabemos os recursos são finitos. Assim os investimentos do município deveriam estar sendo priorizados para a expansão e qualificação da Estratégia Saúde da Família.
Assim poderíamos ter outro rumo na saúde pública. Fico abismado quando assisto as pessoas querendo inventar a roda para saúde em Natal, a roda já está dada.
Penso que se tivéssemos 270 equipes de saúde da família, o que cobriria os 800.000 habitantes da cidade, alocadas em 100 Unidades de Saúde bem equipadas, com profissionais bem qualificados, apoiados por 30 NASF´s (Núcleo de Apoio à Saúde da Família) e pelos Centros Clínicos dos distritos, associados ao suporte dos Pronto-atendimentos por distrito, conseguiríamos ter uma saúde pública de alta qualidade em Natal. E por fim bem articulada com a rede hospitalar estadual e federal. Obviamente, isto não resolve todos os problemas de saúde, mas seria uma grande reestruturação da rede. E concomitante deveria ser trabalhados outros gargalos clássicos como a saúde mental, a demanda reprimida por cirurgias eletivas e exames da média complexidade e ainda a falta de leitos para cuidados intensivos.
Podemos nos perguntar com que recursos se fariam isto. Vejam, tudo é questão de prioridade, aquela que só aparece nos discursos eleitorais. Para se ter um exemplo, com os 400 milhões previstos inicialmente, que se transformarão ao final em mais de 1 bilhão para as obras do Machadão para a Copa, daria para reestruturar toda rede de saúde que Natal precisa. E com esses oito milhões, que serão gastos com a contratação desta OS Pernambucana para combater a dengue em três meses, dava para construir pelo menos mais 20 Unidades de Saúde, ou reestruturar as 60 existentes. Assim não precisava de tempos em tempos lançar mão dessas estratégias pirotécnicas, caras e pouco efetivas.
Mas porque não se investe no PSF em Natal? Qual é a dificuldade de entendimento desta gestão em relação a isto?
Deixamos aqui nossos questionamentos, indignação e também nossa humilde opinião do momento. Espero que possamos ainda assistir mudanças positivas nos rumos desta gestão, será?
quarta-feira, 11 de maio de 2011
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