DE NOTICIAS, FILMES E CARNAVAL (*)
Gosto da noite, não vou negar. Gostando da noite, gosto do Carnaval, mesmo que a fuzarca seja às vezes de dia. Mas sem Carnaval por aqui e ainda tomado pela vitória de “The King’s speech” no Oscar, meu primeiro momento de lazer em Londres decidi dedicar ao cinema. “Nada a ver”, o leitor mais exigente poderá dizer; bom, faz-se e escreve-se sobre o que se pode. Assim, tomei a Bakerloo Line e fui bater nos cinemas do British Film Institute (BFI) em Southbank. Uma explicação: Southbank (leia-se a área imediatamente ao sul do rio Tâmisa), embora menos glamorosa que a área ao norte do rio, vem ganhando cada vez mais atrações (museus, teatros, restaurantes etc.) e tornando-se um “point” para alguns mais descolados. De minha parte, acho a melhor área de Londres para uma caminhada, sobretudo pelo calçadão que acompanha boa parte da extensão do rio.
Não é preciso dizer que a vitória de “The King’s speech” é notícia na mídia inglesa. Orgulhosos, jornais como o “Evening Standard” afirmam que a realeza ainda é a melhor coisa que os britânicos têm. Não poderia ser diferente, até porque as notícias (e as “gossips”) sobre a realeza, uma fixação por aqui, andam em alta com o casamento do Príncipe William e Kate Middleton no dia 29 de abril próximo. Quanto a mim, faço questão de registrar: já que não fui convidado, em represália marquei minha passagem de volta para o Brasil no dia 28 (mas não contem a ninguém, senão minha mãe vai me matar por essa deselegante ausência de tietagem).
Mas o fato é que o principal assunto na mídia inglesa hoje é a situação de quase caos no Oriente Médio, sobretudo na Líbia de Kadafi. Falo das manchetes dos impressos, do “The Guardian” ao “Daily Telegraph”, da esquerda à direita midiática, se é que isso realmente ainda existe por aqui. E são horas nos telejornais da BBC, ITV e SKY, os principais canais de televisão do Reino. Bem mais que no Brasil, chegando a ser uma fixação. Há interessantes abordagens, é verdade, mas as baboseiras de sempre prevalecem, como se estivéssemos vendo uma luta do bem contra o mal, da democracia (à moda ocidental) contra ditadores sanguinários (outrora apoiados pelo mesmo ocidente). Como se viu no Egito, com a assunção explícita dos militares, tenho minhas dúvidas de que as coisas mudem substancialmente, até porque não existe naqueles países uma oposição organizada e responsável que possa realmente assumir o poder e fazer uma revolução de costumes (que não precisa ser, nem deve ser, à moda ocidental). Em um primeiro momento, talvez venha caos. Ao final, o petróleo terminará nos mesmos postos, embora mudem alguns intermediários.
E de fato nem nos cinemas da BFI consegui ver-me livre dessa fixação “anglo-arábica”. Isso eu explico melhor.
Como menino em um fábrica de chocolate, quedei-me passeando pelas inúmeras atrações proporcionadas no momento pelo BFI: um documentário sobre a propaganda socialista em filmes na antiga União Soviética, uma retrospectiva do diretor francês François Truffaut, a “filmstore” do Instituto, sem falar no restaurante e no café de primeira. Mas foi na “Mediatheque” da BFI - uma espécie de biblioteca de filmes e vídeos que só vi parecida na Biblioteca da “Cinémathèque française” em Paris – que, juntando cinema e as notícias do dia, dei de cara com “Lawrence of Arabia”, testemunho de uma secular ligação do “Império” britânico com a região conflituosa. Não com o lendário T. E. Lawrence (1888-1935) em carne e osso (nem com seu espírito, graças a Deus), mas com o filme, dirigido por David Lean em 1962, com Peter O’Toole no papel da personagem título.
Baseado na obra “Seven Pillars of Wisdom” de T. E. Lawrence (não confundir com o escritor D. H. Lawrence) e com um elenco de primeira (além do O’Toole, inclui Alec Guinness, Anthony Quinn, Omar Sharif, Jack Hawkins e Arthur Kennedy, entre outros), o filme, mitifica o papel de Lawrence, durante a primeira guerra mundial, junto aos povos árabes, unindo-os em uma força militar efetiva que ajudaria os ingleses a vencer a guerra naquela península. “Lawrence of Arabia”, apesar das suas imprecisões histórias, possui qualidades inquestionáveis: a poética, a fotografia do deserto e a música de Maurice Jarre. Mas ele certamente exagera o papel de um oficial de patente inferior – e, mais do que isso, mitifica o cavalheiro inglês – em um conflito de variantes mais complicadas e às vezes inconfessáveis. E o mais importante: ao final, os árabes, estão e são enganados nos seus sonhos de independência e liberdade.
Conclusão ligeira: por aqui, para cada fixação, um filme, sobretudo para mitificar valores bem próprios. Mas para a “minha” fixação? Será que eu acho algum “filme” para substituir - romanticamente, por favor – a fuzarca do meu “perdido” Carnaval? Prometo apreciar sem moderação.
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(*)Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador da República
Mestre em Direito pela PUC/SP
Doutorando em Direito pelo King’s College London – KCL
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FONTE: O SANTO OFÍCIO (11/3/2011)
sábado, 12 de março de 2011
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