quarta-feira, 9 de março de 2011
DEPOIS DO CARNAVAL ... CINZAS
Mais um carnaval chega ao fim, agora são cinzas de uma quarta-feira de saudades.
A data tem merecido, fora da liturgia da Igreja, a atenção dos boêmios, dos poetas e dos escritores.
Há uma infinidade de poemas, canções e artigos, os quais podem ser obtidos na internet. Contudo, para não me alongar, gostaria de registrar alguns desses trabalhos.
O primeiro, que tanto cantei nas quartas-feiras de cinzas da minha vida, foi imortalizado por Carlos Galhardo e Chico Alves e tem o título de “Restos do Carnaval do meu amor", da autoria do grande músico Benedito Lacerda e do notável poeta Aldo Cabral:
Quarta-Feira de Cinzas, amanhece.
Na cidade há um silêncio que parece
Que o próprio mundo se despovoou.
Um toque de clarim já bem distante
Vai levando consigo agonizante
O som de um Carnaval que já passou.
E repetem-se as cenas de costume,
Cacos dispersos de lança-perfume,
Confetes, serpentinas pelo chão.
É a máscara que a vida jogou fora,
Lembrando que a alegria foi embora
Nos braços da passagem da ilusão.
Minha vida também durou três dias,
Alimentada pelas fantasias,
Recordações de uma existência inteira.
Um flerte, um bilhete, uma aliança,
Na maior festa da minha esperança,
que também teve a sua quarta-feira.
Hoje, ante o silêncio sepulcral
Dos despojos de mais um Carnaval,
Confronto esse cenário à minha dor.
E o que antes para mim era iluminado
Hoje são sombras mortais do passado,
Restos do Carnaval do meu amor.
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CINZAS DA QUARTA-FEIRA
Ciro José Tavares
“Uma a uma estrelas submergem
E a cinza faz o “caminho”.
Patrice De La Tour Du Pin
I
Quietos ouvimos houve sofrido soluço na noite
No exato momento do descompasso das almas
Quando avançou o ponteiro dos minutos de Deus
Assistimos tristonhos Houve o longo beijo da despedida
Noite partida no meio do dia rompendo em soluços
Apagadas lâmpadas das gambiarras
Adereços presos nos postes sob forte chuva do estio
Patéticas figuras desfiguradas
Réquiem que ouvimos meio ao doído soluço
Marcha silenciosa dos perdidos fatigados
Dor estendida na cama sonha beijos perdidos
II
Solidão ocupa ruas ventos varrem vazios.
O veículo do velho estaciona na praça
Lento coxo guarda-se à sombra do fícus
Apara o peso do corpo no frio banco cinzento
Abre o missal e murmura cantos gregorianos.
De repente a claridade oferece a fada ao cristão
Vem de um lugar qualquer fantasma de colombina
Ebúrnea, linda, olhos piscando de azuis
Adeja em volta do santo, tenta e desaparece
Fecha o missal ergue-se o amargurado ancião
Anda coxeia chora e também desparece.
No lusco-fusco da madrugada passam bêbedos
Sedentos cambaleantes, ansiosos da descoberta
Dos caminhos de ontem cruzados cambaleantes
Sem entender no envolvente desequilíbrio
Total impossibilidade da descoberta.
Portas e janelas são finalmente abertas
Esquálido o padeiro pálido grita no portão
Também o pedinte mãos trêmulas estendidas
Recebe magro jejum no início da quaresma.
III
Crianças brincam com restos de serpentinas
Umas contra outras estão posicionadas
Para imaginária batalha de confetes
Enquanto cabisbaixos andam os abandonados
Roupas ainda ensopadas do suor
Pelos poros o corpo destila o álcool
Mãe piedosa abraça quebradiço filho
Como se recebesse ricas garrafas de vidro
Estão quietos os clarins calados os instrumentos
Na rouca voz inaudíveis as alegres melodias
Que os embalavam como ondas para frente
Ou em círculos sugados nos caldeirões.
IV
No crepúsculo da noite anunciada
A pureza dos avôs regressa da imposição das cinzas
Ouvindo o soluço de quem na despedida
Não beijou nem viu amada gitana rodopiar no salão
Na festa fictícia louco corre ao seu encontro
Nas sombras noturnas somente encontra o vazio
Na viagem final do jato do lança-perfume.
Contempla o céu e murmura Patrice De La Tour Du Pin
Une à une s’abîment les étoiles
Et leur cendre fait le chemin.
Bsb/03/2011
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Quarta-feira de cinzas
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Quarta-feira de cinzas, obra do pintor alemão Carl Spitzweg.A quarta-feira de cinzas é o primeiro dia da Quaresma no calendário cristão ocidental. As cinzas que os cristãos católicos recebem neste dia é um símbolo para a reflexão sobre o dever da conversão, da mudança de vida, recordando a passageira, transitória, efêmera fragilidade da vida humana, sujeita à morte.
Ela ocorre quarenta dias antes da Páscoa sem contar os domingos ( que não são incluídos na Quaresma) ou quarenta e seis dias contando os domingos. Seu posicionamento varia a cada ano, dependendo da data da Páscoa. A data pode variar do começo de fevereiro até à segunda semana de março.
Alguns cristãos tratam a quarta-feira de cinzas como um dia para se lembrar a mortalidade da própria mortalidade. Missas são realizadas tradicionalmente nesse dia nas quais os participantes são abençoados com cinzas pelo padre que preside à cerimónia. O padre marca a testa de cada celebrante com cinzas, deixando uma marca que o cristão normalmente deixa em sua testa até ao pôr do sol, antes de lavá-la. Esse simbolismo relembra a antiga tradição do Médio Oriente de jogar cinzas sobre a cabeça como símbolo de arrependimento perante Deus (como relatado diversas vezes na Bíblia). No Catolicismo Romano é um dia de jejum e abstinência.
Como é o primeiro dia da Quaresma, ele ocorre um dia após do carnaval. A Igreja Ortodoxa não observa a quarta-feira de cinzas, começando a quaresma já na segunda-feira anterior a ela.
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A MORTE DO PIERRÔ
Bené Chaves
Na fria e molhada madrugada o Arlequim chorou. De saudades também de sua Colombina. Chorou depois na aurora de cinzas, da recordação de frevos e marchinhas de outrora. E na melancolia das ruas desertas, no encantamento e ilusão de épocas idas... Voltou a chorar. Era um choro amargo e, ao mesmo tempo, alegre. Na paradoxal vida de todos nós. Das despedidas do que jamais teria retorno. De uma fantasia que somente mostrava o invólucro do que já fora.
Lembrou os amores perdidos. Imaginou de quando na sua cidade existia ainda a salutar união e uma folia que se impregnava do que seria belo e autêntico. Hoje ele já não observava e nem mesmo poderia supor os cantos e encantos de um passado. Os clubes onde alargava sua alegria no miolo do salão. As danças com passos verdadeiros e bonitas composições. E o seu lamento foi tão enorme que ele não acreditava no que via. E por isso, o Pierrô chorou.
Das delícias e de brincadeiras inocentes, de confetes, de serpentinas, do lança-perfume. Das meninas de shortezinhos com o umbigo à mostra. Dos cabelos envoltos nos rostos pueris. De como o objeto retangular e de cor dourada servia apenas para jogar o líquido friozinho nas pernas e coxas das mesmas. Lembrou de como era a meiguice da retribuição ao gesto singular. De como as garotas ficavam felizes com um afago. Com um beijo na face. E do que dali poderia sair também um namoro ou algo similar.
O Pierrô chorou, chorou muito. Lembrou-se de sua meninice. Dançou, então, um frevo, jogou confete e atirou serpentina para uma avenida deserta. Derramou o lança-perfume na rua fria e solitária. Apenas ele ali sozinho, sem mais a sua companheira. Sem mais os seus amigos e sem mais ninguém. E ele voltou a chorar e a cantar e a sorrir e a soluçar de um lado para o outro na sua solidão. E saiu a pular entre os paradoxos de uma existência e desengano.
Na sua memória ficaram os momentos bons de uma época de ouro, de um tempo inocente e sem violência e corrupção e rancor. E a brutal transformação de um mundo e o progresso feroz que destrói o que o próprio ser que se dizia humano construiu. E entre as razões de um universo abjeto, o Arlequim não parou de chorar. Suas lágrimas inundaram um ilusório corredor da folia. E seus olhos incharam.
Na larga avenida de postes iluminados não vi mais nada. As luzes apagaram. Fiquei a lamentar a solitária figura de um pobre homem com seu disfarce a esconder o rosto de uma outrora alegria. Hoje apenas mesclada com a tristeza de um crepúsculo onde se baralhavam cinzas de uma quarta-feira de completa escuridão.
E o Pierrô tirou a máscara e a jogou fora. Desfez-se também de sua falsa indumentária e voltou a chorar. Neste exato instante os soluços aumentavam e faziam eco entre as pálidas cinzas de uma sumida esperança. Ele já na sua casa a olhar no espelho para um rosto nu e sem o sorriso e a alegria de viver.
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