terça-feira, 11 de janeiro de 2011



NOVAS CARTAS DE COTOVELO 03(11/01/2011)
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No domingo do Batismo do Senhor, cujo evangelho li ainda em jejum, dei-me a meditações até o momento do café matinal. Após essa primeira refeição, em que pese o dia radioso de sol - um convite ao banho de mar, até necessário para refazer o corpo da insônia da noite passada, mercê dos decibéis desmedidos do Circo da Folia, recuei e escolhi aleatoriamente um dos muitos livros que trouxe na bagagem e deparei-me com "Notícias de Hontem", de Elísio Augusto de Medeiros e Silva, edição do autor pela Arquitetura das Letras, o qual passei a ler e, a cada página, aguçar a memória para momentos passados, alguns episódios que presenciei e ousei fazer anotações complementando o texto, até porque o escritor é um jovem nascido em 1953 e muito reproduziu o que ouviu dizer.
A escolha desse livro foi uma total felicidade para preencher os dias preguioçosos do veraneio, pois levou-me aos devaneios dos tempos vividos, como diria o amigo Eider Furtado, memorialista de estirpe. Ali me encontrei com a Ribeira velha de guerra, palco dos meus primeiros passos da infância, quando em 1948, vindo do interior, passava no destino do Cáis Tavares de Lira para chegar à Redinha, entrando na Agência Pernambucana de Seu Luiz Romão e na Loja 4.200 (ou 4.400), encantamento permanente nas vitrines com os brinquedos ali expostos (O cavalinho da vitrine lá da rua do Ouvidor - da música de Vicente Celestino).
Revivi a adolescência quando procurava uma casa com sinuca na Rua Dr. Barata, à portas fechadas para não dar bandeira aos comissários de menores; mais tarde dessa rua fiz caminho no início da atividade de representante comercial junto à Casa Lux de Seu Amaro Mesquita, Cyro Cavalcanti e Santos & Cia, de Chico Porto.
Relembrei as visitas às Livrarias Ismael Pereira e Internacional em busca de livros para desbravar os saberes iniciados na Faculdade de Direito da Ribeira.
Recompus na memória os programas da SAE no Teatro Carlos Gomes, o andar apressado na ladeira da rua do Sul, nas escadarias do lado do Saneamento em direção à Rádio Poti para dar tempo ao ensaio com a orquestra de Waldemar Ernesto.
Aliás, na crônica sobre a Rádio Poti houve esquecimento dos meninos prodígio de então: eu, Edmilson Avelino, Odúlio Botelho e José Filho, registrado apenas Agnaldo Rayol - desse assunto escreverei brevemente.
Quantas emoções, saudades e lembranças - a Praça Augusto Severo, a Escola Doméstica de Dona Noilde, os Cartórios, os alfaiates, o velho João Alves que fazia exposição das suas fotografias das sumidades que circulavam pela Dr.Barata no tempo da guerra, dos americanos, do Grande Hotel e do piano de Paulo Lira, da Castanhola, dos becos e pensões alegres, do Centro Náutico e do Sport, de Ricardo Cruz e Paulo Cunha, das farmácias e tipografias, dos boêmios, dos jornalistas, dos médicos e advogados famosos de Natal, do homem que fabricava botas, do chapéu Ramezoni (Casa Rubi de Seu Alfredo Mesquita), do meu sogro - o italiano Rocco Rosso da Oficina Brasil na Travessa Argentina, 45, bem próximo da travessa Venezuela, onde ficava o atelier de Souza Lelis, das aventuras no Porto, da Estação Ferroviária, do Cova da Onça, da Confeitaria do Português Olívio, das ruas Duque de Caxias, Chile e Frei (Padre) Miguelinho, dos Correios, da Alfândega, da Capitania dos Portos e da Junta Médica dos Doutores Feijó e Pelúsio. As prévias carnavalescas, os bondes, enfim, dos lugares e sua gente.
Mas o livro não trata só da Ribeira - faz incursões diversas de Natal e outras cidades - vale a pena ler essa gostosura!
A propósito, apesar de ter centrado quase tudo naquela bairro canguleiro, dois assuntos me chamaram especial atenção - o primeiro narrativo da chegada do primeiro automóvel ao sertão - é formidável e o seu desfecho é marcante - a geringonça provocou pânico na cidadezinha, apesar de ser apenas uma unidade. A igreja ficou cheia, a polícia mobilizada, as explosões do motor e o deslocamento do veículo, a 20 km/hora eram objeto de comentários sobre o vácuo dessa velocidade que poderia provocar deslocamentos - quando um rapazinho, apavorado desejava ir para casa e saiu em debalada carreira até chegar ao seu destino sujo (cag), tomou um banho, uma garapa e após isso alguém lhe advertiu: "Você nasceu de novo!".
O outro assunto é o da cigana - bem que eu gostaria de conhecê-la para saber dos seus vaticínios sobre o velho prédio da Faculdade de Direito - será que a UFRN vai reaproveitá-lo condignamente?
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* Carlos Roberto de Miranda Gomes - escritor/veranista

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