(transcrito do "Santo Ofício" de Franklin Jorge)
ADELLE DE OLIVEIRA:MEMORABILIA*
1 de agosto de 2010
Por Ciro José Tavares
“E outros murchos vestígios do tempo
Sobre as paredes o passado evocavam;”
T.S.Eliot
Lembro quando cheguei, pela primeira vez. Anoitecia. Ela e Mariê atentas na estação de trens.Franzinas, risonhas, o crepuscular nos traços espalhados pelas faces.Caminhávamos pela Rua Grande na direção da casa, quando as lâmpadas dos postes foram acesas.
Era a hora do Ângelus, quando a concessionária disponibilizava, até 22 horas, aquela luz esmaecida,espécie de lusco-fusco liberto na escuridão que começava.
À porta, Virgínia, a irmã que o pai perfilhara na infância, abandonou a cozinha e veio abraçar-me.
Guardei a figura gentil,de gestos suaves, pele cor do cobre, cabelos curtos e escuros penteados para trás.
Nos dias que se seguiram a estrela apresentou as dimensões do seu universo. A cidade, quase sempre silenciosa, nas ladeiras, ruas estreitas e a Igreja Matriz, onde fieis oravam e suplicavam à Nossa Senhora da Conceição.
Do átrio víamos o vale, o verde do canavial misturado aos amarelos do sol e azuis perdidos no horizonte.
Aqui e ali, os escombros dos engenhos, sinais de um tempo sem retorno.
No meio de tudo isso Adelle de Oliveira emerge nas lembranças da Rua São José ou nas salas e varandas do Cumbe desaparecido, encantando com a beleza de sua poesia melancólica e misteriosa:
“Eis sobre ti a minha humilde pena:
Pesares, mágoas, infortúnios, tudo
Hás de agora sentir, ó folha amena !
Tenho pena de ti ! Foge-me a calma,
Em vez de transparências de veludo,
Tiveste a sorte de abrigar minh’alma.”
Isolada no Ceará –Mirim, na mesma casa que tantas vezes visitei, fez-se prisioneira dessa sentença inexorável que é o tempo. No livro Coisas de não Esquecer, Nilo Pereira diz que a saudade é a maior dimensão humana.
E Adelle, no poema Ignota Saudade, vasculha os insondáveis labirintos dos nossos corações e corrobora, verso após verso, a feliz observação do seu antigo discípulo no Externato Ângelo Varella.
E foi a saudade, mãos entrelaçadas à solidão, a causa principal dela ter sido consumida lentamente como uma vela e de ter, na lucidez dos seus 85 anos, tombado devagarzinho como o pequeno príncipe de Exupéry.
*No 41º aniversário da morte de Adelle de Oliveira.
segunda-feira, 2 de agosto de 2010
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