Veredas Errantes: uma estória que me contaram.
Por Kennedy Diógenes*
De onde venho a distância não se conta por léguas, quilômetros ou qualquer sistema métrico; não se mede o espaço percorrido, mas conta-se em Eras vividas, decênios e séculos imemoriáveis que se perderam no horizonte do tempo.
Nessa longa jornada, que pareceu se iniciar na displicência do acaso, germinada na simplicidade das formas, caminhei ladeado pela necessidade e pelo desejo de poder, estes esporões desprovidos de moral que fustigaram o meu espírito, açularam-me os passos e me infringiram a prática de vilanias impensáveis por mim, contra mim e contra os muitos companheiros de viagem.
Em busca de saciar a minha sede de poder, corrompi a mente e o corpo, entreguei-me às violentas paixões da matéria e, unindo-me aos mais fortes, não tive prurido em apropriar-me dos mais sagrados ideais para justificar a expropriação espúria dos mais fracos, que me fartaram a mesa enquanto se esvaíam na caquexia material e espiritual.
E os sacrifícios daqueles que me serviram restaram em irrisão para animar a minha Corte. Como prêmio, os desvalidos obtiveram o cárcere perpétuo das obrigações diárias sob minha tirania, para me manterem vivo, satisfeito, pujante, em troca do oferecimento ilusório de um manto protetivo das intempéries humanas.
Investido da arrogância própria dos poderosos, liderei aqueles que me confiaram a vida à morte certa, em guerras iníquas baseadas em interesses mesquinhos. Muitos tombaram nas trincheiras da esperança acreditando nas minhas falsas promessas, mas somente fortaleciam meus viscerais interesses e enriqueciam os meus amigos mais próximos. Jamais houve guerras contra a tirania ou pela liberdade, mas por território, por tesouros naturais ou por mercados. Não existiu o bom combate, mas o ataque dos fortes e a defesa dos fracos, onde aqueles venciam e estes eram aniquilados.
Foi assim que enveredei pelos vales das sombras humanas, granjeando a experiência terrível da manipulação e usurpação. Mais de uma vez, iludi o meu aprisco com placebos morais; frustrei a esperança daqueles que dependiam de mim; trai todos aqueles que em mim depositaram sua confiança, em joguetes indecorosos para a minha própria distração.
É bem verdade que posso ter feito algo de bom e justo, mas se o fiz, foi para encobrir os males fabricados nos porões da minh´alma. Doei com uma mão, mas roubei com a outra os sonhos, as fantasias, as expectativas dos incautos e crédulos, construindo em meu derredor castelos de desilusões.
Mas, inesperadamente, o meu organismo infausto e insaciável feneceu. Envolvido com meus projetos de poder material, não notei que se esvaiu, da ampulheta temporal, o último grão de vida, ceifando-a mais uma vez no palco do mundo visível. E em um tempo que não saberia precisar, fragmentos dessa minha trajetória recém finda pairaram diante de minha vista. Vi, com uma lucidez ora revelada, que as minhas ações, sejam esteadas na ganância, no orgulho ou em qualquer outro defeito moral de meu espírito pródigo, carrearam dor e sofrimento a muitos, e a cada lamento, cada lágrima desses infelizes, causticou meu coração insensível, transformando-o em uma chaga de mágoa profunda e irretorquível.
E como prolongamento da vereda errante desta encarnação, seguiu-se um período de escuridão espiritual, onde curti pensamentos e rancores vacilantes, ora do Criador, ora de mim mesmo, vivenciando o cárcere mental erigido, pedra por pedra, no torvelinho terreno.
Tardiamente, encolhi-me na minha insignificância. Naquele instante, era somente um arremedo de homem. Restou-me a vergonha intensa, inescusável. Percebi que a maioria dos meus planos materiais não passava de mero capricho, atos rasteiros e toscos, vãs futilidades diante da vida espiritual. É incrível como a consciência de todo o mal causado é a mais horrenda das punições.
Ao compreender o resultado dos meus desacertos, nas trevas em que morria, uma luz bruxuleou no Alto. Era a benevolência Divina, através de seus mensageiros iluminados, que resgatava-me da condição umbralina, imantando o meu espírito de bálsamos salutares e lembrando-me, percuciente, que me conhece a amplidão das limitações e potenciais e, mesmo assim, ama-me incondicionalmente.
Disseram-me, ainda, que é nesse amor universal, pleno, sagrado, sustentáculo dos desiludidos, desesperançados, amargurados, que o Pai nos ampara, fazendo-nos recomeçar e reparar nossos erros, em novas tarefas edificantes na escola terrestre.
Assim, aquele passado triste e vergonhoso, cujos dias atuais se somam lentamente, distancia-se de mim, como uma eiva que se clarifica ante a ação do tempo, mas não sem cobrar-me cada centil.
Enfim, confiando no Pai Celestial, que acolheu meu espírito exausto, e em Jesus Cristo, Mestre Divino, que compartilha comigo minha cruz, espero, em breve, poder vivenciar as provações em nova ventura na Terra, que visam o meu inexorável progresso espiritual, depositando, sempre, nas mãos Deles todos os meus medos e angústias.
sábado, 31 de julho de 2010
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