quarta-feira, 4 de agosto de 2010

(Reproduzido do site "O Santo Ofício", de Franklin Jorge)

O CONTROLE DAS LEIS NO BRASIL
Por Marcelo Alves Dias de Souza

Outro dia, uma aluna me pediu para dar uma pincelada (“rapidinha, em cinco ou dez minutos”, disse ela, como se fosse algo muito fácil) sobre o desenvolvimento do controle jurisdicional de constitucionalidade das leis e dos atos normativos no Brasil.

Bom, eis, mais ou menos, o que eu disse.

No Império (Constituição de 1824), por influência do pensamento que predominava na Europa, o Brasil não conheceu o controle jurisdicional de constitucionalidade das leis, pelo menos nos moldes como hoje o definimos. O controle de constitucionalidade era político, cabendo ao Legislativo elaborar, interpretar, suspender e revogar as leis, bem como a guarda da Constituição.

Foi com a Constituição Republicana de 1891 que veio o Brasil a adotar um controle jurisdicional de constitucionalidade das leis. Esse controle, por via de exceção, era concentrado no Supremo Tribunal Federal, já que, das sentenças finais das Justiças dos Estados, caberia recurso para o STF quando se contestasse “a validade de leis e atos dos governos dos Estados em face da Constituição, das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnadas” (art. 59, § 1º). Foi a Lei 221/1894, ao regulamentar o sistema de controle, que expressamente estendeu aos tribunais e juízes o controle difuso de constitucionalidade das leis. Algo natural, uma vez que a adoção do controle jurisdicional no Brasil se deu por influência do pensamento americano.

Após avanços e retrocessos nos textos das Constituições de 1934, 1937 e 1946, foi com a Emenda Constitucional 16/65, que se inaugurou o controle jurisdicional concentrado, em abstrato e via ação direta, no Brasil. Segundo a Emenda, que alterou a Constituição de 1946, competia ao STF o processamento e julgamento de “representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo procurador-geral da República”. E mais: possibilitou-se a elaboração de “processo de competência originária do Tribunal de Justiça para declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Município em conflito com a Constituição do Estado”.

Sob o pálio da Constituição de 1967 e da Emenda 1 de 1969, manteve-se, com pequenas alterações, as mesmas feições no controle de constitucionalidade no Brasil.

A Constituição de 1988 (com o reforço das emendas ao seu texto), no que toca a ambos os controles (difuso e concentrado), foi quem mais avançou.

O controle difuso existente no Brasil de hoje tem caracteres bem próprios: (i) qualquer juiz ou tribunal pode apreciar a constitucionalidade de lei ou ato normativo; (ii) a apreciação pode ser requerida em qualquer processo, por qualquer das partes, por via de exceção na discussão do caso concreto; (iii) como efeito direto e imediato, há a não aplicação da norma tida por inconstitucional somente no caso concreto discutido em juízo, com eficácia, portanto, inter partes; (iv) como efeito indireto e mediato, emerge a competência do Senado para suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF (CF, art. 52, X); e (v) a possibilidade, ainda, em conformidade com o novel art. 103-A da CF (regulamentado pela Lei 11.417/06), de o STF, no controle difuso de constitucionalidade, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, depois de reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida na referida lei.

Por fim, o controle concentrado, entre nós, dá-se através de cinco ações diretas: (i) ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual (CF, art. 102, I, “a”, primeira parte) ou municipal (em confronto com Constituição Estadual – CF, art. 125, § 2º), perante o STF (quando em confronto com a Constituição Federal) ou Tribunal de Justiça (quando em confronto com a Constituição Estadual), que produz decisões com eficácia para todos (erga omnes) e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo; (ii) ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal (ação declaratória de constitucionalidade – CF, art. 102, I, “a”, in fine), perante o STF, com a mesma eficácia para todos e efeito vinculante da ADI; (iii) a argüição de descumprimento de preceito fundamental (CF, art. 102, § 1º), perante o STF, “para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público” ou “quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição” (Lei 9.882/99); (iv) ação direta de inconstitucionalidade por omissão, pela qual, declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional pelo STF, será dada ciência ao poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias (CF, art. 103, § 2º) ou em prazo razoável, excepcionalmente (Lei 12.063/09); e (v) ação direta de inconstitucionalidade interventiva, visando, em virtude da existência de ato local que viole princípio sensível da Constituição, à intervenção federal em Estado ou no Distrito Federal, por proposta do PGR e de competência do STF (CF, arts. 36, III, 34, VII, 102, I “a” e 129, IV), e à intervenção estadual em Município, por proposta do PGJ e de competência do respectivo Tribunal de Justiça (CF, arts. 35, IV e 129, IV).

Até hoje não sei se mandei bem, nem se fui, pelo menos, rapinho. Você, leitor, quanto tempo levou para ler este texto?

* É Procurador da República
Mestre em Direito pela PUC/SP
Doutorando em Direito pelo King’s College London – KCL

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