sábado, 8 de junho de 2024
O medo e a fé
Padre João Medeiros Filho
Segundo Santo Ambrósio: “O medo é a ausência de Deus”. Lembrava a seus
diocesanos a certeza do salmista: “Mesmo que tenha de percorrer um vale de sombras,
não temerei os males, porque estás comigo” (Sl 23/22,4). Fernando Sabino aconselhava:
“Fazer da interrupção um caminho novo; da queda, um passo de dança e, do medo, uma
escada”. O ser humano, diferentemente de outros animais, por sua natureza, é medroso.
Philippe Ariès e Jean Delumeau estudaram esse fenômeno e o tratamento dado pelos
religiosos. Ariès declara: “O homem é o único ser no mundo a viver constantemente
apavorado, quando está só. E a solidão maior é a falta de Deus”. O pavor tem um lado
pernicioso, enquanto paralisa as pessoas. Não raro, é usado como arma de controle; triste,
quando a dominação parte das religiões.
No mundo antigo, o medo estava ligado às divindades. Os gregos adoravam
Deimos e Fobos, deuses do terror e pânico, respectivamente. Segundo Hesíodo, ambos
são irmãos gêmeos, filhos de Ares e Afrodite. Eram cultuados pelos helênicos, que lhes
suplicavam e deviam favores. A Europa da Idade Média temeu as pestes que dizimaram
populações inteiras, sendo as mais importantes a bubônica e a de Marselha. Tais
epidemias e guerras criaram situações alarmantes para as populações. Não foi diferente
conosco, durante a pandemia, acompanhada de uma polêmica e beligerância políticoideológica. Ao longo da história, outras realidades aterrorizaram as pessoas: o mar, o
diabo, as tempestades, o credo. No medievo, ganhou destaque o receio da forca ou
fogueira inquisitorial. Havia igualmente a ameaça do Juízo Final. Para a fúria da
Inquisição, havia nomes e faces: hereges, bruxos, feiticeiros etc.
O temor faz parte da natureza humana, sua limitação e fragilidade. Todavia, uma das
preocupações de Jesus foi ensinar aos discípulos como vencê-lo. Aliás, isso perpassa pelas
páginas da Bíblia. A fé proclama: “Deus é nosso refúgio e fortaleza, socorro sempre encontrado
nos perigos” (Sl 46/45,1). O apóstolo Paulo afirma: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?”
(Rm 8,31). Há episódios marcantes na história do cristianismo sobre essa realidade. Quando
Jesus nasceu, o anjo proclamou: “Não temais. Eu vos anuncio uma grande alegria” (Lc 2,10).
O Ressuscitado neutraliza, em cada aparição, a inquietação e a angústia dos discípulos. Em
diversos momentos de sua existência terrena, procurou encorajar seus seguidores.
Após multiplicar os pães e rezar na montanha, Jesus aparece caminhando sobre as
águas do mar da Galileia. Pensavam tratar-se de um fantasma. Pedro vai ao seu encontro
e começa a naufragar. Cristo toma-o pela mão e tranquiliza os discípulos: “Tende
confiança, sou eu, não temais” (Mt 14,27). Há pavor diante da morte, doença, violência,
desemprego etc. Isso resulta da pequenez ou tibieza de nossa fé. O caminhar de Jesus
sobre as águas é sinal de que Ele nos ajuda a superar as adversidades. O “sou eu” significa
Deus afirmando que nos liberta do sofrimento, da dor e opressão. Pedro tem fé ao chamar
Cristo de Senhor, mas ela é ainda fraca. Como uma criança que começa a ensaiar seus
primeiros passos, o Mestre lhe diz: “Vem!”. E estende a sua mão para Pedro andar sobre
o mar. A fé nos acalma e aproxima de Deus. Sem Ele, brota a violência, que leva ao medo.
Esse é causado por aqueles que estão vazios de Deus. Os temerosos creem pouco.
Vale citar o autor da Carta aos Hebreus: “O Senhor é meu auxílio, jamais temerei,
que mal me poderá fazer o ser humano?” (Hb 13,6). O inesquecível Dom Nivaldo Monte
repetia nas homilias e palestras: “O cristianismo não é a religião do pavor, mas da
esperança e do amor.” Deus nos ama. Alguns religiosos disseminam a deletéria teologia
o evangelho do pânico, que ignoram a inefável benignidade e misericórdia divina. O
cristianismo se contrapõe à doutrina ameaçadora. Em Jesus Cristo e por Ele, o ser humano
é liberto da escravidão do pecado e domínio do Mal. Eis o que está escrito no profeta
Isaías: “Não temas, porque Eu estou contigo; não te assombres, porque sou teu Deus; Eu
te fortaleço, te ajudo e te sustento com a destra da minha justiça” (Is 41,10)
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