sexta-feira, 7 de junho de 2024

O CELULAR Valério Mesquita* mesquita.valerio@gamil.com Não há faca de dois gumes mais cortante e afiada que o aparelho celular. As estatísticas aí estão para comprovar o que afirmo. Favorece a escuta, acidentes quando utilizado na direção de veículos e em penitenciárias nas mãos dos marginais, sem esquecer outros usos e abusos tão conhecidos de todos. Sei perfeitamente de sua serventia em outras tantas situações. Mas, desejo chegar, a três episódios, até certo ponto, cômicos, onde o aparelho, respectivamente, vale mais do que o doente no hospital e do que o homem comum diante da autoridade. O primeiro se refere ao uso rotineiro do celular por alguns médicos na sala de cirurgia dos hospitais. Enquanto os procedimentos operatórios são executados, com as vísceras do paciente expostas, o fone do cirurgião ou anestesista fica ali, sobre a mesa, ora recebendo, ora emitindo ligações. O doente, parece assumir um segundo plano e fica à mercê, automaticamente, por conta das manipulações contínuas, da temida infecção hospitalar. Hoje, ela é o fantasma oculto dos nossos hospitais. Por outro lado, a preocupação com o aparelho induz a distração, a leniência e a dispersão da equipe, com a prevalência da máquina mortífera sobre a vida do enfermo. Tais reflexões me fazem lembrar de um episódio, ocorrido comigo e um secretário de estado, José Maria Melo, durante o governo de Garibaldi Alves Filho. Àquela época, exercia o mandato de deputado estadual e pedira-lhe, via celular, uma audiência, ao lado de dois vereadores macaibenses. Após os cumprimentos de praxe, iniciei a narrativa dos assuntos, sendo logo interrompido três vezes pelo celular colocado sobre o birô. Sem que pudesse concluir a conversa administrativa na íntegra, apelei para um procedimento insólito. Lembrando-me que o seu número ainda estava gravado na memória do telefone, liguei-lhe no instante em que pedia água e café: “Alô, é o doutor Zé Maria?”. “É, sim. Quem fala?”. “É Valério, Zé Maria. Vamos concluir a nossa audiência pelo celular mesmo, ok?”. Não desligamos e fomos até o fim da conversa sem sermos perturbados. Conclusão: O celular é bicho incômodo e desatencioso. Desculpas à parte, juntos aprendemos a lição. Principalmente ele, sob os olhares atônitos dos dois edis Ismar Fernandes Duarte e Francisco Pereira dos Santos. Por último, até já disseram que o uso exagerado do celular provoca irradiações no cérebro e surdez. Quando exercia o mandato de deputado estadual, D. Marilene Gomes, então secretária, apressada, adentrou ao gabinete para, do meu celular, cumprir a agenda de ligações porque o telefone fixo havia pifado. O primeiro da lista que solicitei se referia ao saudoso jornalista Paulo Macêdo. Completada a ligação, ela confirma: “Alô? É doutor Paulo Mesquita?”, e passou-me o aparelho. No momento eu escrevia e só ergui a cabeça para explicar-lhe: “Era meu tio. Ele não vai atender. Só se for em sessão espírita. Morreu há mais de vinte anos...”, disse-lhe com serenidade de um funeral. De outra feita, a idade e o cansaço, na administração pública, têm pregado peças em muitas pessoas. Quando prefeita de Macaíba, Mônica Dantas mandou a sua telefonista fazer uma ligação para o secretário de Educação do Estado. Por engano, a linha caiu na Secretaria de Segurança Pública, dirigida pelo então coronel João José Pinheiro da Veiga. Foi aí que aconteceu o maior e mais demorado dos equívocos da chamada burocracia septuagenária. A prefeita macaibense pensando que falava com o titular da Educação, discorria solta sobre o problema da falta de carteiras nas escolas enquanto o coronel Veiga, do outro lado da linha, entendia carteiras de identidade. Somente ao cabo de dez minutos é que descobriram o equívoco. Celular é fogo! Pode? (*) Escritor.

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