terça-feira, 18 de junho de 2024
Feminismo. Linguagem neutra
Padre João Medeiros Filho
Segundo estudiosos, o ex-presidente José Sarney deu sua parcela de contribuição para o
desenvolvimento do feminismo no Brasil. Inovou no programa radiofônico “Conversa ao pé do
rádio” com a saudação “brasileiros e brasileiras”. Os termos divergem do padrão oficial, em que o
plural masculino é a forma literária consagrada. Nem os discursos populistas de Getúlio Vargas
afastaram-se da regra clássica. Aquele dignitário dirigia-se aos ouvintes com estas palavras:
“Trabalhadores do Brasil”. Sarney incluiu o feminino plural, optando pela separação. Distancia-se
da norma culta do idioma pátrio, pela qual o plural masculino engloba as variantes. Até a liturgia foi
atingida pelo redundante emprego de termos femininos, dispensáveis semântica e estilisticamente.
Acrescentaram à tradução vernacular do “Orate frates” (Orai, irmãos) o substantivo “irmãs”.
Tangidos pelos ventos do modismo e outras influências, pregadores começaram a saudar os fiéis
desta forma: “Caríssimos irmãos e irmãs” ou vocativos equivalentes, inclusive em documentos.
Oradores sacros de outrora primavam pelo conteúdo bíblico-teológico e forma literária. Os sermões
de Padre Vieira, Frei Mont’Alverne e posteriormente Dom José Pereira Alves, Cônego Luiz e Dom
Nivaldo Monte, Dom Mário Villas Boas, Dom João Portocarrero Costa etc. são ricos em sabedoria.
Decisões favoráveis ou contrárias à linguagem neutra dão azo a polêmicas, inclusive nos meios
acadêmicos e literários. O recente pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, em 10/06/24, na
ação movida contra os municípios de Águas Lindas (GO) e Ibirité (MG), reproduz fundamentalmente
a sentença prolatada na ADIN 7019, aos 10/02/23, declarando a inconstitucionalidade da Lei
5123/2021, oriunda do Estado de Rondônia. Questionava-se a proibição do uso da linguagem neutra
em instituições escolares, vinculadas ao sistema estadual de educação. Consideram-se equivocamente
língua e linguagem como realidades idênticas. Entretanto, duas novidades são verificadas no último
julgamento. Um dos ministros afirma que “a linguagem neutra destoa das normas do português.” No
voto, o relator alude à “competência da União para estabelecer currículos escolares.” Convém lembrar
determinados dados históricos, linguísticos e jurídicos, inerentes ao tema.
A linguagem neutra rejeita o que pode remeter ao masculino ou feminino. “Adapta o
português ao uso de expressões em que pessoas não binárias são representadas.” Terminações e
artigos masculinos e femininos são grafados na maioria dos casos com “x”, “e” ou “@”. Tal grafia
ignora a origem, história e formação das palavras na língua portuguesa. O neutro do Latim foi
convertido no idioma luso-brasileiro pelo masculino. Desconsidera-se um dado relevante: o
vigente Acordo Ortográfico adotado pela Comunidade de Países de Língua Portuguesa, ao qual o
Brasil – após ouvir o Parlamento Nacional – se obriga a respeitá-lo, como signatário. Consiste num
tratado internacional, assinado pelas dez nações que adotam oficialmente a lusofonia.
Para psicopedagogos, a linguagem neutra poderá acarretar dificuldades de aprendizagem
aos portadores de dislexia e deficiência auditiva. Os defensores da linguagem neutra aludem à
necessidade de mostrar nas palavras a inclusão dos diferentes. Vocábulos ou leis nem sempre
realizam efetivamente a inclusão de pessoas. Importa a formação das personalidades. No Brasil,
apesar da pletora de instrumentos legais, persistem exclusão e desigualdades. A norma é bemvinda,
quando consagra a consciência sociocultural autêntica. “A letra é morta. É o espírito que
vivifica” (2Cor 1, 3). O evangelista João adverte: “Evitar o que pode causar divisão” (Jo 10, 19).
As decisões do STF consideram a proibição da linguagem neutra uma violação da liberdade de
expressão. Reiteraram que é privativo da União legislar sobre modificações no uso do idioma e
currículos acadêmicos. Para maior clareza, os textos decisórios poderiam ter deixado explícito o
inverso, bem como conceituado os termos língua e linguagem. Se não é permitido proibir – em nome
da liberdade de expressão – o uso da linguagem neutra, tampouco, pela mesma regra, se poderá impor
o emprego dessa linguagem nas instituições de ensino. Daí, surge a questão: se os entes públicos
municipais e estaduais são incompetentes para legislar sobre conteúdos curriculares e idioma nacional,
grupos poderão fazê-lo? Percebe-se coercibilidade em certos movimentos. É cristalino o princípio
constitucional da legalidade: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão
em virtude de lei” (CF. Art. 5º, Inciso II). Ensina-nos o apóstolo Paulo: “Estejais todos de acordo com
o que falam e não haja discórdia entre vós por causa de palavras” (1Cor 1, 10)
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