quarta-feira, 29 de novembro de 2023

 

LONGE DO MAR, PERTO DO RIO

- Horácio Paiva *


Em minha viagem a Petrolina e Juazeiro, no alto sertão nordestino, fiz duas navegações: uma, no Rio São Francisco, o Velho Chico, generoso e amado, estendendo-a também ao lago de Sobradinho, um dos maiores lagos artificiais do Mundo; outra, num clássico da poesia norte-americana moderna, o poema “The road not taken” (“O caminho não percorrido”), do aclamado (também por mim) Robert Frost.

Na estrada da vida não raro topamos com a difícil escolha da direção a seguir, quando dois ou mais caminhos surgem à nossa frente e disputam a nossa decisão. Esse é o tema de Frost. O grande poeta ilustra esse impasse existencial pela escolha do caminho mais adequado, com a sua conclusão nesses versos finais, aqui numa tradução livre:

(...)

Dois caminhos divergiam num bosque, e eu,

Eu tomei aquele menos trilhado,

E isso tem feito toda a diferença.”


Poesia e profecia andam juntas... e ante a riqueza do florescente polo agrícola - que tem como maiores expressões demográficas os municípios de Petrolina e Juazeiro -, voltado sobretudo para a fruticultura, vê-se que a opção desse caminho, historicamente recente no semiárido, aqui adotada pelos investidores, foi acertada e fez toda a diferença na alta produtividade alcançada.

O cultivo da uva, por exemplo, que já gerou duas importantes vinícolas na Região, apresenta produção no impressionante patamar de duas safras anuais (potencialmente acrescido de mais meia safra), acima do dobro do alcançado no Sul do País, que registra apenas uma safra.

Mas esse caminho maravilhoso, recentemente trilhado, esteve, durante muito tempo, destinado às criações extensivas de gado, desde os tempos coloniais, quando a área litorânea era, por lei, destinada à agricultura, mais precisamente ao cultivo da cana de açúcar, haja vista que a coroa portuguesa, através de Carta Régia, de 1701, visando proteger e priorizar a atividade canavieira e seu notável sucesso econômico à época, proibira a criação de animais numa faixa de dez léguas da costa.

A história, a poesia, a fraternidade e o bem estar acompanharam-me nessa viagem de conhecimento e identificação. Sim, pois o Nordeste que está em nós é muito maior do que imaginamos, e a tradição nordestina é um baião de dois: amor e solidariedade.

E se o Nordeste é fraternidade, assim também se formou o nosso grupo de navegantes pela Inaraí Tour, sob o alegre almirantado de Carlinhos, nosso anfitrião de Natal, e que inclui, na conexão com Petrolina, Josué Pereira, simpático e arguto guia, também nordestino, natural de Conceição do Canindé, no bravo Piauí.

Petrolina, filha de Pernambuco, e Juazeiro, da Bahia, criadas juntas (Juazeiro apenas 30 anos mais velha que Petrolina), são irmãs que, ricas, ajudam a criar a família e as demais irmãs que as cercam (Casa Nova, Sobradinho, Curaçá, Lagoa Grande e outras), no mesmo passo e no mesmo polo que ilumina o vale do santo de nossos rios, São Francisco, pois se a chuva é escassa nestes sertões, não faltam em suas veias subterrâneas as milagrosas águas.

“O sertanejo é antes de tudo um forte!”, dissera Euclides da Cunha, ao descrever a sua resistência e bravura. E há tempos as carrancas, símbolos de sua audácia, espantaram os demônios da miséria!...

E agora, voltando a Frost e à profecia, teria o caminho influenciado o viajante? Teria, como na clássica oração ensinada pelo Mestre, o Reino vindo ao pecador? Pois foi o que me parece haver ocorrido, após ouvir o emocionado relato existencial do Sr. Didi (Valdemiro Rodrigues Gonçalves), técnico agrícola e dono da Fazenda Santa Isabel, pequeno mas próspero sítio de cultivo de uva, que brindou nossa chegada com um farto banquete de frutas, servido à sombra de um juazeiro, mas, sobretudo, com a luz de sua grande alma acolhedora!... Ali pulsava o coração do Nordeste!...

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(*) Horácio de Paiva Oliveira - Poeta, escritor, advogado, membro do Instituto Histórico e Geográfico do RN, da União Brasileira de Escritores do RN e presidente da Academia Macauense de Letras e Artes – AMLA.


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