O
Papa Francisco renunciará?
Padre
João Medeiros Filho
Sempre acessível à imprensa, Francisco concede entrevistas
a jornalistas de diversos países. Costuma recebê-los na Casa Santa Marta, onde
mora. Seu bom humor contribui para a conversa fluir descontraidamente. Avesso a
certos protocolos, sequer exige perguntas enviadas com antecedência pelos
entrevistadores, como sói acontecer com muitos dignitários. Por isso, vários
comunicadores sentem-se à vontade para tratar de assuntos delicados. Num desses
encontros foi questionado sobre sua possível renúncia. A entrevista era
concedida a um canal lisboeta de TV. Ao ser indagado, se iria a Portugal em
2023 para conduzir a Jornada Mundial da Juventude, respondeu em tom
bem-humorado: “O Papa irá. Ou eu ou João XXIV.” A partir de então, sobretudo
após a morte de Bento XVI, aumentaram as especulações sobre sua abdicação ao
trono de São Pedro.
Poderá parecer mais um gracejo do atual Pontífice.
No entanto, a resposta contém algo mais profundo. Francisco nunca escondeu sua
admiração por João XXIII, a quem canonizou por “equipollenza” (equivalência).
Tal procedimento canônico dispensa o candidato aos altares da realização de
milagres para sua beatificação e canonização. A legislação eclesiástica prevê
tal isenção, quando houver: “a) prova da constância, antiguidade e amplitude da
devoção ao futuro santo, b) comprovação de suas virtudes e vivência exemplar da
fé católica.” Bergoglio agiu deste modo na canonização de seu confrade jesuíta
José de Anchieta, em 2014. Tal argumentação canônica poderá ser apresentada
para a canonização de Padre João Maria, antigo pároco de Natal (RN). Sua fama
de santidade é secular, resultando em grande devoção popular e consciência dos
fiéis quanto ao seu testemunho heroico das virtudes cristãs, máxime da
caridade. Eis uma das metas para o próximo arcebispo natalense.
No início do
pontificado de Francisco, muitos chegaram a afirmar que seu papado seria
semelhante ao de Paulo VI. Mas, após anunciar reformas, ficou evidente que ele
imprimiria uma marca análoga ao pastoreio de João XXIII. Francisco alude
constantemente à colegialidade sobre a qual foram lançadas as bases
doutrinárias e pastorais da Igreja primitiva. Verifica-se essa tendência,
quando em 1959 João XXIII anunciou o Vaticano II. Segundo as palavras do “Papa
Bom”, seria um concílio em prol “da unidade e da graça”. Realmente, o Vaticano
II teve a maior participação de bispos em eventos conciliares na história do
catolicismo. Não existiram forças antagônicas querendo acabar com a Igreja,
segundo a interpretação equivocada de alguns. O pontificado de Francisco
inspira-se em muitos aspectos no papado de João XXIII. Na verdade, o Pontífice
reinante recorre à própria Tradição, quando impulsiona a Igreja nessa direção.
Bergoglio vem escolhendo cardeais de diversos matizes pastorais, culturas e
nacionalidades. As suas nomeações seguem, principalmente, o critério da
pluralidade eclesial. Se a Igreja é universal, os conselheiros e colaboradores
próximos do Papa devem ter a dimensão da catolicidade.
Nos sonhos do atual Pontífice, um “João XXIV” seria
ideal para dar continuidade às suas reformas. Ele trabalha para isso.
Entretanto, como homem de fé, está consciente de que a instituição, a depender
“dos sinais dos tempos”, poderá avaliar o contrário. Também hoje, há quem diga:
“eu sou de Paulo; outro, sou de Cefas; um terceiro, sou de Cristo” (1Cor 1, 12).
É a Ele que pertence a Igreja. Percebe-se que nos tempos hodiernos, os
católicos parecem não desejar mais um “monarca”, mas um verdadeiro pastor. Quem
continua apegado aos vícios das cortes da nobreza, ligado ao tradicionalismo
cismático, à espiritualidade ideológica e à religiosidade estética, não
entendeu a missão da Igreja. Esta, sem distanciar-se da Escritura e Tradição
que a fundamentam, esforça-se para ser sacramento de Deus e promotora da
dimensão transcendental dos homens e do mundo.
Além das comorbidades naturais de um ancião, Francisco
tem apenas um pulmão. Segundo opiniões médicas, suas condições clínicas
desaconselham uma cirurgia em seus joelhos. Ele nunca revelou apego ao poder.
Renunciará, se não puder mais exercer satisfatoriamente o seu ministério ou se,
com suas limitações, vier a prejudicar a caminhada da Igreja, necessitada de
purificação de erros e deslizes. Num gesto de humildade e grandeza, como seu
antecessor, entregará o báculo a outro pastor.
“Paulo planta, Apolo rega, mas Deus é quem faz crescer” (1Cor 3, 6).
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