quarta-feira, 13 de julho de 2022

 

NA INFÂNCIA TAMBÉM SE FAZ COISA SÉRIA.
O encanto maior da vida é quando o rebento alcança a aselha meã da infância. Nela vêm o cénico das peraltices, a imitação a tudo aquilo que se vê e que é obra, o gosto pelas coisas que os outros fazem ou falam. No meu feudo infantil, o despertar já se fez de forma séria e colorida, sempre fui e continuo a ser amante dos tons, das formas harmônicas, dileto respeito ao modo como se apresenta a natureza de quem sempre fui um zeloso aliado. Aprendi a gostar do cinzento. Não do cinzento sem forma, sem vida. Mas do cinzento dos nimbos, que ofertam ao sertanejo o seu lacrimejar, trazendo as águas de março, molhando a terra roxa do meu sertão, juntando o paul, onde nascem as jitiranas de flores alvas ou rubras, florando os cactos da caatinga e as bromélias nos umbrais das aroeiras de eras.
A chuva sempre foi bem vinda. Torrencial, intensificava a alegria. Para nós, “petits enfants” que se deleitavam na confecção dos pequeninos barreiros, a imitação às grandes barragens, era um fato de significado e simbologia ímpar. Não éramos grandes mestres na arte de construir açudes, nem exímios tropeiros, oficiosos na arte de armazenar água, mas sinceramente asseguro: os pequenos esbarros, não ficavam só na expectativa de permitir que os barquinhos de papel flutuassem nestes, que em si já era uma canção infante, mas, com certeza também, não deixava de ser uma imensa preocupação da criança sertaneja, ansiosa e vocacionada a conservar a água para os limites de suas necessidades.
As feiras de gado no sertão infantil. Currais cercados de pequenos toros de madeiras, com porteiras confeccionadas com o lenho seco esbranquiçado dos talos de milho do inverno passado, onde as reses eram simbolizadas pela anatomia óssea do gado vacum ou ovino. Quando a extremidade inferior do fêmur do ovino representava a “novilha vacum”, fêmea na puberdade, o similar da rês adulta correspondia ao “touro”, o osso central do joelho deste, era o “garrote”, a parte inferior da tíbia do porco seria o “bezerro”. Variava a nomenclatura pelo tamanho ou o porte daquela forma óssea. Para todo animal, havia a atribuição do preço. E o preço desses animais imaginários, fazia a essência das transações comerciais, venda ou troca. A moeda corrente, era representada pelas notas confeccionadas, a partir de carteiras secas de cigarro, das mais variadas marcas. Fazia-se a verdadeira feira infantil do gado. Currais contíguos, cada dono arrumava os seus animais nos limites de suas cercas. Passavam vários dias com tal entretenimento. E era feito à imagem e semelhança das feiras tradicionais que os adultos na vida real faziam
Os certames da argolinha. Quão pomposo era, está montado num cavalo de pau, feito de marmeleiro da caatinga, pampo, em marrom tabaco e branco, desenhado pelas mãos do velho Eloi de Souza. Lança de ponta triangular, adereçada de fita encarnada, faixa no peito de papel seda ou crepom, feita por Lero do “Caboco Antônio de Virgino”, perfilado em filha indiana, esperando chegar a vez de partir em disparada para resgatar a argolinha, que estava na presilha da corda horizontal da barra montada, e resgatar mais um ponto para o meu time, que era o encarnado. Bem ali, entre as carnaúbas margeantes do riacho do saco, na Ribeira do Piranhas.
Nas chuvadas de dezembro da floração do mandacaru, terra molhada na superfície, disputar o famoso “jogo de triângulo”, certame que tinha sua vertente em desenho similar a essa forma poligonal, onde se utilizava pequeno ferro de extremidade aguda, para rodopiar em riscos circulares, estreitos, tal figura, e criar um labirinto a ser percorrido a exaustão pelos contendores, que se revezavam cada vez que o ferro não penetrava na terra, baita exercício de coordenação motora, aptidão e discernimento de crianças pobres porém sadias e inteligentes. Numa visão retrospectiva, era exatamente fazer, o que o herói grego Teseu da gesta helênica o fez.
Fragmento da Obra: "PORQUE VIVI, CONFESSO".
J.E.S.

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