COMO UMA ONDA
Valério Mesquita*
Dizer que os bens culturais imóveis do Rio Grande do Norte estão desmoronando não é pecado. Eu me lembro de épocas em que a restauração do patrimônio histórico, representado pelos monumentos, igrejas, sítios e casarões centenários eram preservados pela ação dos poderes públicos federal e estadual. De um tempo para cá, isso vem sendo esquecido. A memória histórica do estado foi morrendo com os viventes. Ninguém quer nada com o passado. Até mesmo o ser humano quando passa dessa para outra, torna-se alivio para os que ficam. E quem vai se preocupar com ruínas antigas, insepultas, sujas e emudecidas pelo tempo?
Eu me recordo do livro “Inventário dos Bens Culturais Móveis e Imóveis do Rio Grande do Norte”, pesquisa exaustiva sobre o tema e lançada pela Fundação José Augusto há quase quarenta anos passados. Essa obra permitiu ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do antigo MEC, formular uma política em defesa das raízes formadoras do nosso Estado, permitindo a dezenas de edificações serem recuperadas ao longo de duas décadas. O jornalista Woden Madruga foi um presidente da FJA que assumiu esse propósito, continuando o formidável trabalho iniciado antes dele, com o apoio do IPHAN, Fundação Roberto Marinho e dos governos estaduais. É só consultar a memória dos que não aceitam desviver o tempo, mesmo sabendo hoje “que nada do que foi será do jeito que já foi um dia”, como nos versos de Lulu Santos.
Profetizo que se poderá perder a memória histórica definitivamente, se não for dispensada atenção imediata a execução de um plano de preservação e/ou restauração dos monumentos abandonados, de modo especial os do bairro da Ribeira. Não me posiciono contra a política de animação cultural como prioridade. As duas ações devem caminhar paralelamente, assim suponho. Uma em detrimento da outra, é reprovável. Tornar-se-á um seguimento parecido com algumas igrejas cristãs que adotam o estilo gospel, musical, rebolativo, em vez da cultura bíblica, teológica e histórica. Cultura gospel? Por aí, caso seja apenasmente exclusiva. No plano musical, o baião de Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Elino Julião, Dominguinhos, entre outros, hoje, está metalizado com coxas grossas e bumbuns ouriçados, sem precisar falar na pornofonia “educativa” e “cívica” da TV.
O Guaporé em Ceará-Mirim geme opresso no meio do Vale. Os Guarapes do alto das dunas do Jundiaí é chão insepulto dos antepassados. O memorial “Câmara Cascudo” na Cidade Alta ninguém enxerga a chama votiva da mão do historiador clamando atenção e respeito. Mas, o dinheirama que se gastou na copa do mundo foi desperdício explicito, implícito e elíptico. Disseram que era para atrair o turismo nacional e internacional imanente e permanente. E quanto a memória histórica de Natal e do Rio Grande do Norte, não há nada para ser exibido aos gringos e compatrícios? A capital é tão indigente assim? Não confunda o meu dizer como se contrário fui a copa. O meu campeonato é outro. Não posso nele escalar o famigerado ex-presidene da CBF Ricardo Teixeira. Jogo com Cascudo, Auta e Eloy, Tavares de Lyra, Octacílio Alecrim, Henrique Castriciano, Severo e Alberto Maranhão. Da direita para a esquerda: monsenhor Expedito, Dom Nivaldo, Aluízio, Dinarte e Walfredo. Acredito em ressurreição e na corrente do bem. No banco de reservas, por falta de espaço o leitor pode declinar mais onze nomes da melhor extirpe da conterraneidade potiguar, mesmo sabendo que “nada será mais do jeito que já foi um dia”.
(*) Escritor.
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